Blog da Liz de Sá Cavalcante

Sonhar o céu

Sonho com o céu quando estou vivendo, não quando estou a morrer. Sonhar o céu é viver de novo, ver a vida sem barreiras, tristezas. Sonho o céu e vejo a vida com nitidez, intimidade. O véu que esconde a vida quis esconder de mim. O véu se mostrou para mim, mostrando a vida. Vi que vale a pena viver, ser feliz, não vou esconder meus sentimentos, nem mesmo do véu que esconde a vida de mim, faz tempo, não importa, importa viver infinitamente essa alegria, onde há lembranças da vida, todas são uma só: viver, viver e viver…

Ininterrupto (não interrompido)

O sentir é apenas a percepção do nada, que não pode ser interrompida, nem mesmo pela vida. Interagir, enquanto o sentir não é luz, e a escuridão é o prazer das estrelas, que se buscam sem a escuridão. A vida é só, na luz, na escuridão, mas não é só dentro de mim. O ser afasta o prazer da escuridão pelo desprazer da luz. Luz é falta de alma. Desesperar-se na luz de morrer, como se a vida fosse partir. A morte perde sua luz como se perdesse alguém. Lembra-se do que é sem luz: nada. A morte escuta poeticamente a minha alma. Desenho-me sem minha imagem. Sei como sou pelo que sinto. Mas minha imagem não é o que sinto. Sinto como se eu fosse a perda da vida. Nada mudou com perdas da vida, mas o silêncio se comunicou, enterrando a vida. Foram tantas palavras por viver, que elas não conseguem dar um fim à vida. O silêncio faz a vida se lembrar dela. Tudo parece quieto, nunca morto. O que foi perdido por viver não está mais perdido. A morte vai dando lugar à sensação, que se torna um ser.

A presença não é estranha por si mesma

A presença é a alma mais perfeita, o céu que permanece, o amor que repousa em mim. Tenho medo do que a vida abandona por minha causa. Não quero sacrifícios, quero amor. A estranha presença da morte é o medo de amar. Quem ama é eterno, com ou sem a sua presença. O vazio sofre por ter uma aparência, que sofre antes da aparência do depois, que torna o vazio incompreensível, mas as coisas são vazias, tudo é vazio, aceitação. Antes, nada era vazio, tudo era negação. Eu senti esse negar na alma, nem por isso a alma se tornou negativa. A alma é a única presença do céu. O ser é alguém para si. A luta do céu é amar o mundo como sendo um lugar perdido, que não necessita de amor, mas o céu ama o mundo, por isso crio palavras no nada. O nada, essência da palavra. A palavra segura meu corpo e solta minha alma. Nunca perguntei se as palavras me querem, mas, quando escrevo, sinto que elas me desejam, amam-me. Onipotente, sofrendo na poesia, nada me atinge. Sofro, como se a poesia tivesse me ignorado, mas eu me ignorei, sem dar amor às poesias. É difícil amar o que já tenho: a poesia. Escrevo para a poesia sair de mim, mas ela me incorporou, não consigo sair dela. Os fragmentos, abandonados pela poesia, são meu mundo, minhas poesias. A razão é apenas aparente. Não há razão na vida, na poesia, elas se assemelham, morrem-se até recuperar a razão, quero morrer junto.

Aparência interior

Eu sou o que fizeste de ti: nada. O esclarecer da alma é toda a minha ausência, toda a minha vida. Se em vez do nada fosse o amor, minha aparência interior estaria perdida, como sendo a última ausência sentida por mim. Derrama-te em mim como fogo, no ferver da vida que afunda minha alma, no raso de mim mesma. A união do ser e o nada é a alma. O ser é a separação do ser e o nada, sem poder deixar o ser no nada de ser, o nada de ser é o nada verdadeiro. Onde o nada da vida nem mesmo nada é. Por isso a aparência não é aparência da aparência, é subjetividade. A vida, eu concebo na imaginação, sem ser imaginação. O mundo inteiro não tem a vida da imaginação. Perdi-me em imagens reais, sem imaginação. A imagem deveria ser apenas imaginação, assim a imagem da minha morte seria apenas a minha imaginação. Não sei no que acreditar, apenas imagino, como se minha consciência fosse a vida de todos. Não importa a aparência, e sim o sentir. A ausência é uma coisa boa: é aprender a ser só, onde a minha aparência surge, como se fosse meus olhos, mas é apenas minha imagem contra a falta de amor, contra essa indiferença de viver.

Destroçada de dor sem me aniquilar

O amor não é livre dentro de si. O amor é a única realidade que tem fim. O fim do amor não é o fim da realidade. A realidade é tudo que o amor queria ser, mas não é. Tudo falta no amor, mas é amor. Criar é não existir. Criar a realidade dentro da realidade é me forçar a sonhar. O amor se distancia da vida, do ser, pela infinitude do corpo. A distância é a presença do amor. Nada se parece com o amor por amar. Se me desse a mim a minha alma, seria como se não me desse nada e ainda tirasse algo de mim que me fazia viver: a falta de alma!

O que posso fazer pela alma?

O que posso fazer pela alma? Apenas posso amá-la pelo que não existe em mim. Quem se lembra de mim? A alma, é claro! Ela se lembra de mim de uma maneira que não posso me esquecer, assim meus sonhos se tornaram tão inesquecíveis, que minha presença foi possível para mim. O amanhecer se perde na minha presença. Minha presença não é minha, é amor. Suspiro, alma, como se te visse sorrir.

Se eu cessar, vou desaparecer?

Vejo demais, vejo umas imagens confusas, para ver minhas perdas. Ou serão as imagens as minhas perdas? Estou morrendo, sem saber quem é você na sombra da minha ausência. Consigo perdoar minha ausência, aceito seu fascínio. Lembro-me de mim por mim mesma. Procurar a alma, não encontrar acalento para mim e para a morte. Perder a alma não é perder todas as almas. Perde-se a alma na permanência de outra alma, não na permanência de ser. Se eu cessar, vou desaparecer? Não, apenas me tornarei alma, viverão comigo, me amarão de outra maneira: sentirão falta da Liz que eu era e perceberão que tudo muda, por isso tudo é saudade. Vivo apenas metade de cada acontecer, é como se não tivesse acontecido. O pensar preenche o vazio nas minhas faltas. Se eu cessar e desaparecer nessa saudade infinita, descobrirei que já vivo sem você tanto tempo, que não sei mais se me importo, se sinto saudade. Saudade de mim, do que posso ser sem você. Não preciso morrer dentro da morte, nem fora da morte, quero morrer em você. Por amar você? Não sei, sei que preciso morrer em você.

O amor sente falta da minha ausência

O amor sente falta da minha ausência, não sente falta de mim, de ti. Por isso, sinto saudades. Saudade do que devíamos ter vivido, que se tornou nada, não é nem ausência. Não há ausência no que não existe, é como viver sem ti. Não sei se existes para eu viver sem ti. É triste te ver, nada reconheço em ti que fique no meu amor, no meu olhar, na minha alma. Seria pior te ter dentro de mim? Eu morreria? Sei que eu queria ter-te dentro de mim. Os momentos se perderam, como se fossem o único anoitecer, a única vez que eu durmo, que te encontro, numa inconsciência de adeus. Ajuda-me a te amar.

A luz dos meus olhos ilumina a vida

O imperceptível é percebido com amor pela alma, pelo ser, de onde a vida não pode partir. Minha presença não é da vida, é da morte, do adeus. O tempo não pode ser vivido, por isso não é um adeus. O desaparecer é a única coisa que não é ausente. Se a ausência fala, escuto a alma no meu amor. Não impede meu amor em ti, ausência, é amor absoluto, faz-me viver no nascer do sol. Expande, alma, quero é morrer nesse expandir, sendo a essência de tudo, não me deixa sem primeiro me matar. Os meus olhos iluminam a vida, mas é por ti, ausência, que esqueci a escuridão, pois, enfim, eu morri.

Não há alma para a alma

A distância entre nós é uma ponte para a vida. Não quero a vida, quero te conhecer. A essência do ser se perde em ser. Nem meu corpo silencia minha alma. A ausência pergunta por mim, necessita-me, tanto que se esvazia como o chorar contínuo de ser alguém. Apenas a alma, não sei o que ela fez com as minhas lágrimas, mas vai amá-las sempre, até o fim. Pode me desfazer em poesias.