Blog da Liz de Sá Cavalcante

Nada de ninguém no aparecer

Nada de ninguém no aparecer. O aparecer é morrer. Morrer como se algo aparecesse. Aparecer é a espera da vida, não do aparecer. O aparecer do olhar não mantém a vida no seu aparecer. A vida se mantém sem aparecer. Para o ser ser, ele precisa não ser para aparecer como aparência. A aparência é duvidosa. O ser transfere o infinito de sua morte para o não ser. Assim, o não ser é capaz de ser.

Âmago (parte mais íntima da essência)

A essência não é íntima de si mesma. Raspando o amor em mortes, recupero mais do que a essência: recupero o saber. O saber na essência. Não há respostas no saber: a resposta é não saber. O amor não se ignora, mesmo que saiba de si. Eu me persigo, tenho essência! É como se tudo pudesse ser para que falte em mim. O olhar, falta que condena, sem escuridão. O ar da noite são meus olhos, em busca de ver o nada sem a vida. Afastar a realidade da realidade. Para mim, a realidade é apenas ficar comigo. Prefiro o irreal do que ficar comigo. Na falta da falta, tenho a mim. O âmago do irreal é o ser que eleva a morte nas alturas, sem enaltecer a morte, apenas a tornando o que é. Mas o que é a morte sem mim? Não há essência no âmago da essência. Há algo melhor: a morte. Nem a morte tem o poder de Deus. Na vida ou na morte, Deus é o mesmo. A consciência é o nada para o vazio. O nada faz eu me parecer com meu nascer. É tanta morte, tanta dor para esquecer, que é melhor não esquecer. Já me senti morrer tantas vezes, que fiquei inerte, isenta de dor. A dor consola a realidade. A vida seria pior sem a morte? Deixa o tempo me dizer no seu tempo, no seu amor. O tempo é a inexistência do consolo de viver. A inexistência da sombra na imagem é o ser, que isola a falta de imagem numa aparência fugidia. Tudo desaparece como ser, não como imagem. O tempo é a delicadeza do vazio, fica suave às mãos, como se eu segurasse o tempo no vazio e deixasse escapar a realidade, sem mãos frias. Relaxando no irreal, onde te procuro, vida, nas minhas mãos, no corpo, na alma, no amor, na despedida. As mãos se despedem do vazio, se soltam do corpo até morrer. Minhas mãos são o meu corpo. O corpo é igual à alma no amor. Mãos se deixam levar sem corpo. As mãos são a incomunicabilidade com a alma. Se as mãos tocassem a alma, o céu não existiria. Tocar na alma é como flutuar no céu. O céu são flutuações da alma. Há lembranças que surgem no céu da minha vida. O céu é um espelho, onde todos se veem sem ver. O que sou é como me vejo no teu olhar. O céu não é o depois, o antes é a intermitência do ser, onde surge a vida em intervalos de nada no amor, que era a beleza do ser de ser. Cessou sem intermitências, assim a vida é só intermitência (intervalo). O céu é a pausa de Deus. Controlo a morte com a minha morte. Pausa no amor, na vida, para chorar pelos mortos, sentir suas mortes como se fossem a minha, por isso, agradeço ao amor, a pureza do meu amor. O caderno é o meu mundo, escrever, a minha vida.

O inusitado da morte (fora do comum)

Inusitado é encontrar a alma apenas quando eu morrer. Tenho que cumprir a minha morte. Quero que encontre minha morte como coração seco a sangrar. A realidade transforma a terra em poeira ao vento. Descortinar meu eu, aparecendo pra mim. O ser não é diferente do passado a acontecer no futuro. Há muito em mim para morrer. Morrer é o resto de nós. O sono é o despertar da morte. Ausência sem dor é morrer distante da própria ausência. Algo gruda na morte, impregna o ar. A morte é como o transpirar eterno: é esse frio de morrer que mantém o amor. Estou me partindo dentro de mim, sem morrer, assim, não posso me dividir com o nada. O mínimo que posso dar a morte, é minha alma. Dando algo à morte, estou me dando vida também. Escrever vai me perdendo. Nada perco na morte, ela me dá o que perdi ao escrever: minha alma.

A degradação do nada

Muito amor sem alma, sem vida, sem amanhecer em mim. Quero amar o amor ainda vivo. O que se pode reprimir se pode amar? No amor queria ser tudo para o amor. Mas amor é tudo pra mim. Eu não renuncio amar. Para mim, se o amor me sorrir, já sou feliz. O amor começou na minha alegria, concretizou-se no sofrer, na ausência. Foi quando percebi que o amor é mais do que eu pensava, ele me tornou humana: me ensinou a sofrer, a ter o amor em mim. Assim, percebi que sofrer não é amor. A ilusão do que não sofri me ajudou a sofrer. Sofrer é o único pedaço de mim que permanece como vida em quem já morreu. Saudade cura. Perder alguém para a vida é me esmagar sem me deixar morrer. A alma é o retorno à morte do meu ser. Morrendo, deixei minha morte vazia. O espelho é a alma do ser, o ser é a alma de Deus! Deus não pode preencher minha morte comigo morta. Deus é forte com a morte e frágil em nos ver morrer. Eu deveria morrer por Deus, não pela minha morte. Assim, até o nada cessa para não me ver morrer. O amor resiste à morte, por isso morreu. Tentei rezar pela morte, não consegui, enlouqueci. Fui maior do que eu mesma, fui além de mim, mas não rezei pela morte. Mesmo assim, nada mudou em mim, continuo frágil como uma flor. Nada me diminui, nasci frágil. Amar é conseguir ser frágil no outro. Apenas assim me sinto forte. Se a morte é o nada, como tenho lembrança da morte antes de morrer? A lembrança de morrer não cessa, não acaba em morrer. Ela continua fazendo outros viverem. É como se nunca ninguém tivesse morrido. Tudo fosse apenas este momento de vida, que não é além de mim. Então consegui pensar na minha morte como sendo a oração que fiz para a morte. Morri tranquila nos abraços da morte. Descobri que a morte é sensível, me preparou para viver e morrer em cada palavra. Nunca estive tão perto da poesia, como agora que morri, sonhando ainda mais, falando mais, amando mais. Que o inacreditável aconteceu: perdi meus filhos poemas, mas, conversando com Deus, percebi que a poesia era uma parte de mim clandestina, que ela se encontrou longe de mim. Converso comigo tentando me conectar com ela. A poesia ganhou luz própria, e eu perdi minha luz. Nunca tive luz, minha luz é a poesia. Sem ela vivo na escuridão, mas ainda tenho a vela da saudade. Poderia criar. Tenho medo que a vela apague. Não posso criar uma poesia substituindo por outra. Decidi não escrever: estou dividida com tanto sentimento, tanto amor. Por que não pode me amar? Foi assim que não desisti da poesia, de amar, de ser eu!

Solidão perfeita

Nesta solidão, amo mais do que o amor, do que a vida. Não sofro por mim, e sim pelo que foi perdido em ser. O destino, a morte, solidão perfeita. Perdi a morte como se perde alguém. Não há morte no meu amor. É inacreditável amar sonhando como eu amo. O ser de si mesmo é apenas ausência do nada. A alma está no que foi perdido em mim. A única maneira de deixar a alma é ser alma.

Atribulação (aflição)

Vida, vou cuidar da sua morte sem tirar sua liberdade. Prefiro cuidar de você. Há um instante vazio, impenetrável: é o fim da vida, que expôs o mundo ao amor. Sou o fim da vida.

Medo silencioso

Para viver a alma tenho que deixar de amar. O medo se torna mórbido, fatal. Mergulho num silêncio vazio sem dor. Por isso dependo do silêncio, como uma árvore que cai morta como um amor morto dentro de mim. Desse amor nasceu a morte de um amor silencioso, onde tudo pertence à alma. Como soube da minha alma? Nunca te mostrei a minha alma. Aprendi apenas a morrer em ti. Diferenciando a proximidade da distância, posso chegar ao céu, mas é um céu diferente das almas, mas é um céu vivo que chora por mim. O céu é apenas o que sonhei existir dentro de mim. O que é a vida? Somente a vivemos com nossas verdades. Quero me afogar no seco. Procuro por mim como quem precisa respirar. Converso com meu respirar, como se não pudesse carregar o respirar em mim. O medo escuta a alma, onde tudo é esquecido como alma. Como alma amei a vida; como um ser a odiei. Não existe vida sem amor, existe o meu fim. A vida não tem mistério se está dentro de si mesma.

Meu desaparecer sem mim

Meu desaparecer sem mim em um aparecer ausente de mim. Se não apareço nem desapareço, é por estar viva. Para destruir a alma, apenas o amor. A alma, deteriorada, chora livremente seu sorrir. Sorrir, lembrança eterna que se foi, sem o amor da alma. Acostumei-me por não ter a lucidez da alma, a chorar simbolicamente, sem a verdade do sofrer. Sofrer é apenas o tempo de ser eu mesma. Escrever não justifica o sofrer. A escrita não espera pela eternidade para se concretizar, quando olho para o nada do olhar da poesia é porque a poesia penetrou-me na alma, e escolheu minha alma para ser só. Essa foi a última escolha em vida da poesia, tive que ter autonomia e viver sem poesia, até que ela possa renascer, ser totalmente minha. A espera da poesia é mais do que eternidade. Imagino o que uma poesia, estando viva, possa ser, mesmo sem ser eterna, é mais do que eternidade, é onde sofri. Agora quero a poesia na minha alegria, isso é saber que tudo muda pela saudade de ter sido. Quem sabe a eternidade da poesia apareça de novo como sendo minha tristeza? Tudo depende do meu desaparecer sem mim.

Medo de ter medo

O adeus sobrevive à minha dor, não tem medo de nada, por isso tem medo de ter medo. O silêncio congela a imagem no amor absoluto: o de morrer. Alma me sufoca, não sorri vida. Ter medo de ter alma não a faz desaparecer nos encantos da morte. Teu adeus recupera minha alma com um adeus que não permanece na alma, nem no adeus. O adeus é a ficção de respirar o que vivo. Há algo preso na alma que engole e se engasga de alma. Sem alma não posso morrer. É simples, natural, morrer sem alma, quero morrer com alma. Esqueço a alma na morte, onde busquei a mim.

Fuga da angústia

A ausência da alma é o amor em um abraço sem corpo, sem alma. Fugir da angústia vendo o sol é me tornar eternidade do sol. O sol tem o meu olhar dentro de si. Pela claridade sinto minha inconsciência absoluta, como sendo a falta de um abismo. A escuridão é o vazio que não chega até a inconsciência. O vazio é uma alma aberta ao amor. Vou morrer até o fim do morrer. Desde que sinto meu corpo como alma, é como se esse não morrer fosse amor. Morrer é ter um corpo em mim. Nasci sem corpo, sem precisar ser mutilada na existência de um corpo. Nada vai te faltar na minha alma. A vida me deu o sol, como sendo a minha vida, já que não pode ser minha vida. Há vidas e vidas entre o abismo do céu com o fim da humanidade. Algo em mim, por mim, sem o amor: essa é a liberdade de me ver na liberdade. Não existe liberdade sem morte. Morte é ficar para sempre em mim. O silêncio engrandece a alma com minha morte. Escrever lembranças, reavendo o nada como lembrança absoluta. Tenho lembranças de você que surgem pelo nada da minha vida. Sem o nada não há lembranças. O nada foi minha melhor lembrança, meu melhor respirar. O nada faz parte da minha alma, do meu amor. Amor que, sem alma, resiste à morte. A morte é a alma que permanece, como uma estrela sem brilho. Brilhar em mim é como não ser mais nada. Vida, deixa minhas lágrimas serem tua alma. Choro sem alma agora, sendo feliz. Sem ser tua alma, o que vai ser de mim? Alma sem morte, se a palavra me faltar, para que eu possa morrer no silêncio sem palavras que criei para poder morrer. Morri como se eu pudesse te ver ao menos na minha morte.