Blog da Liz de Sá Cavalcante

Alma pura (para pai)

Alma pura que nem a eternidade, nem o amor, nem a vida é superior a ela. Abençoa a minha morte de mim. Dentro da minha alma escuridão, na tua alma, toda luz. Fora da alma não há nada. Assumir a alma, na falta da alma é amor. Alma, ilumina meu olhar, determina o meu viver, como se fôssemos nós dois apenas no mundo. Você é alma de nós dois. Somos inseparáveis, lutamos juntos pelo amor. Resta em mim a tua alma, ela é tudo que tenho, é toda a minha vida. Te amo sempre.

Recomeço de mim

Deixar a vida pela metade, por ela não estar inteira, é quando não há recomeço de mim. Que quando eu morrer não veja a minha morte, vê apenas a alma perto de mim, para não ter medo de morrer. Mas a minha morte se foi com a alma, e meus olhos perdidos em viver me fizeram respirar em um desprazer enorme. Espero-te, alma, em versos de saudade. É sempre minha, mesmo sem ti em mim. Deixei a alma vazia para ela não se perder de mim. A morte pode saber se estou triste? A vida e a morte são uma maneira de enfrentar a realidade. Recomeços sem mim dão vida a minha poesia. Minhas poesias não necessitam de vida para existir.

Vidas que permanecem pelo amor

As vidas que permanecem pelo amor esperam apenas amor da vida, são infelizes como vida, como amor. O amor, minha única percepção, percebe a vida pelo meu amor, que não é apenas meu. Amar, dando-se ao nada, ainda é amor. O conhecer do amor fez a vida se desconhecer. Esse desconhecer é o resto de nós. Não posso tomar o amor para mim, o amor é de todos. Mas todos não podem ser o amor, que o amor é por todos. Não posso informar ao amor minha existência: ele tem que a sentir e, quem sabe, amá-la? Amor não é sofrer. Amor é dar conta do que imagino. Imaginar é amor universal, a paz universal. Somente assim reconhecemos que somos como queremos. A paz sem paz é tão triste, como se fosse uma guerra. Ninguém pode transferir o amor para a realidade. O amor é sem a realidade. Tudo passa, o amor passa, ficam apenas lembranças: tristes ou felizes. O fim do amor é o ser. Tenho medo do fim do amor como meu amor. O medo significa que não é o fim. A morte é tão sublime, que não amanhece, torna o sol vazio em sua grandeza. Deixo minha alma visitar a morte, desde que volte para o meu amor: não é infinito, puro como a morte, mas é tudo que posso dar à alma.

A impermanência da morte

O cheiro da morte não cessa com a impermanência da morte. A morte permanece na ilusão de ficar. Parecer ficar é morrer, pior do que não ficar. A impermanência é um corpo com alma. O tempo é onde as almas se refazem, como se o tempo da alma fosse o mesmo tempo de ser. O tempo escorre sem faltas, sem saudade, sem a manifestação do nada, que morre como ser. E o tempo morre como nada.

Alma de sol

Procuro lembrar a imagem da alma de sol e fazer dela a minha imagem. A alma tem a imagem do sol. Assim como a lua se esconde do céu em seus sonhos. Preciso ir até a alma, seja pelo mundo, pela vida, pelo ar, pela ausência, minha presença torna a alma amor. Mas como há amor na alma? Amor não é privilégio do ser, mas alma e ser estão separados. É inconcebível amar o ser pelo ser, o amamos pela alma isenta de ser. É fácil amar sem o ser, sem ser. Vida existiu quando havia amor? Que é necessário para amar? É necessário desvendar a alma de sol pelo meu existir. Existir ou não existir não faz diferença para a vida, mas faz diferença para a alma. Tudo importa para a alma: o não conseguir perdoar para a alma já perdoei.

Um tributo à vida

A vida da consciência é um tributo à vida, melhor homenagem que foi feita à vida. A vida necessita da vida, da consciência. A certeza de ouvir e ver a vida me faz apanhar a morte no ar.

O aspecto da vida

A verdade da consciência é um aspecto da vida. A vida não é sempre vida. O sonhar da consciência é sem vida. O lado interminável da morte não é a solidão, é o próprio ser. O lado eterno da vida é o nada. Ver com olhos de lágrimas cessa o nada. Nada posso aprender com a vida, mas ela aprende comigo, a ser leve, viver poeticamente. Onde há poesia não há morte. A morte é o fundo da essência, onde encontro paz dormindo. Tudo abandona a alma. Apenas a morte quer saber da minha alma, cuida dela como se fosse sua alma. A paz era para ser eternidade, paz é morte.

Por que não consigo permanecer em mim?

Ter alma não me ajuda a ser. Permanecer é ser só. A beleza solitária é como uma luz que ilumina uma única vez. Se sentiu como se fosse a única luz. Minhas mãos consolam o meu corpo por não tocar a alma. Tocar é reviver o que não vivi apenas em tocar. O silêncio é a morte me tocando. Perdoar é morrer. Não consigo ficar sem morrer, é mais forte que eu. O quanto preciso morrer para viver? A morte sempre tem razão. Viver não me faz morrer, nada quero da vida. A vida consola a minha morte, vejo apenas solidão. A solidão une a morte e a vida. Fui separada da minha interioridade pelo meu amor. A despedida é prosseguir, conseguir, mesmo sem vida. Permanecer é tudo que posso fazer por mim, pela vida. A alma não espera o tempo para viver. Ser é um passo para a eternidade. Tudo faltou na eternidade, faltou até o vazio. O vazio da eternidade é sem ser, sem alma. Canto mudo que a eternidade escuta. A alma emudece perante mim, pela minha eternidade, nunca mais falará. Falar, mudez da alma, surdez da vida. Meu amor, já que não posso te fazer companhia, minha morte fará companhia ao meu próprio amor. A morte não é menos triste que o amor, quando transcende a alma.

Rouquidão dos instantes

Na rouquidão dos instantes, os instantes não são vazios nem solitários, pois não sei o que o outro pensa. Os instantes preenchem o nada, o vazio. Ninguém quer ser apenas um instante de vida. O tempo quer morrer; o vazio, o nada, já morreram: e essas perdas não me fazem viver de instantes. A rouquidão dos instantes me fez perder a voz num lindo sorrir de amor. Cada amor foi perdido sem a rouquidão dos instantes. Tenho que fazer da fala dos instantes a minha rouquidão. Entre o falar e o não falar, existe a rouquidão dos instantes, que não pertence à fala ou ao silêncio, pertence apenas às palavras. A palavra é um ser. Palavra é tocar a alma, torná-la concreta com o meu tocar. Tocar a alma no vazio de ser, como as palavras que as preenchi, por respirar as palavras que não são palavras: são amor. O amor, perfeição do mundo, da arte. O dom é expressar livremente no que sou. A falta permanece como alma, mas a alma não são faltas: é uma plenitude, preenche a vida. Longe do fim, perto de Deus. A falta é como descobrir o nada no que me falta. Almas tentam viver, fingindo existir, mas, em algum momento, a alma tem que se entregar à morte. Desde então, não vivo. O tormento é a explicação da vida. Deixa as flores, o mundo, os animais, as pessoas se entenderem pra cuidar de nós. Nem tudo são flores. Mas, às vezes, coisas boas me deixam triste. A fé é a morte da ilusão pela realidade da fé. A fé entristece a alma. Tudo que desfaz a alma está morto como a alma. A alma cessa quando ama, por isso não adianta tentar matar a alma. O silêncio é sem alma. Ter alma é não dizer adeus como digo alma. O interminável da alma é o fim que não sinto, ninguém sente. Quero, por isso, morrer com os olhos abertos para a alma.

Noite de sol

A essência da noite de sol é o despertar do amanhecer, sem ilusão de viver. A lua cheia desata estrelas da realidade de nós. Pela vida, vejo estrelas, no céu, apenas mortes, plenitude. O outro eu em mim era apenas o céu, mas as estrelas cessaram o céu em mim. Foi quando percebi que eu sou eu sem o céu, sem as estrelas. Sou apenas este ficar comigo que vai além do céu, das estrelas, por uma noite de sol, onde meu pensar é o que é triste em mim, como se eu pudesse alcançar noites de sol, numa melancolia tão profunda, que tudo amanhece como se eu pudesse ser amada por ti. Ler as almas é ficar cega por todas as almas, todo o amor. Leio minha alma com determinação de vida e de morte. Flor da mágoa, ilha do sol, da solidão emprestada pela alma. Ser só é deixar de ser como alma sem poder ser alma.