Blog da Liz de Sá Cavalcante

Ver

Ver é apenas uma sensação confusa e vazia. Ver é não ser, mas o não ser é a lembrança que não pode existir sem mim. Guardo o não ser na alma. Ver é o infinito, é o vazio. Nenhum vazio é o fim. O tempo é o vento sem descobertas. O amor é mais do que ele contém. O amor cessa no olhar, nunca na alma. A semelhança morre na sua ausência, não na minha. Ver é dar razão a minha ausência.

Percepção

A percepção não me percebe percebida. A percepção que não existe são meus olhos, massacrados por uma percepção angustiada. A passagem para o nada são os meus olhos. O nada responde a minha vida. Hoje tenho ideias pela escrita. As ideias são como a certeza de viver. A percepção é a falta do ser, confunde-se com a vida.

O privilégio de sonhar

A sensibilidade do adeus é o privilégio de sonhar. A vida é um buraco dentro de mim. Queria que a alma fosse os meus buracos, as minhas faltas. Faltas preenchem meus buracos vazios. Pelos buracos em mim não morri. A minha distância de ser só é a falta de mim. A falta que eu sinto da falta acende o sol. Assim sei que meus buracos não são o meu amanhecer. Amanhecer é a falta de amanhecer. O dia não é lindo. A vida é linda. O dia esconde a beleza da vida. Vida, transformaste morte em saudade. A saudade é a única eternidade. O tempo partiu para ser vida.

Inalcançável

Vou cessar a consciência no amor encerrado. Não dei um fim ao amor. O amor é o fim. Deixo o amor no amor para ficar comigo. O amor é distante de si e nada lembra do amor. É como um mar sem lágrimas. Nem tudo está perdido: há o silêncio. Mesmo sem o silêncio, é uma paz sem vida. A morte é uma calma que devolve o mar ao sol. Nada é o que é. Eu sorri, desesperada, para sentir uma alegria que já sinto. Sentir não é uma verdade, é apenas um fato. Nada repousa no infinito, nem morre no infinito. A morte não alimenta a alma que não tem força para morrer. Se entrega ao nada, sem mim, em mim. A morte é uma imagem. Essa imagem nunca será alma. Ela é mais que alma, é aflição, desespero que não há na morte. Não preciso me acostumar à imagem da morte sem deixar de olhá-la, admirá-la. Sonho mortes que já me pertencem. Me vi morta no espelho. Lágrimas que prendem a alma na sua falta de imagens. Vou ter alma sem ter uma imagem. Sabe a alma que não posso lhe oferecer uma imagem. A imagem nunca seria minha e da alma; é apenas esquecimento.

A inessência é a vida

A inessência é o infinito da vida, que se divide entre o antes e o depois de mim. Antes de mim a inessência sempre amou, e até o depois de mim acabar como o meu fim. O fim é o reconhecer que não tem fala, amor. O caixão do silêncio está aberto de sol, alma, alegria. Agir em silêncio é cativar a alma. A vida supre o silêncio ficando dentro do sol. Dentro do sol o silêncio definha, perde as forças como se fosse falar em silêncio absoluto, onde a ausência cessa, desfazendo o sol. Não há silêncios, nem palavras de sol. Estou dentro de mim quando o sol penetra na alma. O fundo do ser é o seu silêncio. Na alma o silêncio ganha vida. Começar o dia sem o dia é sonhar além do amanhecer.

À espera de mim

Como entregar a alma à morte com ela à espera de mim? A vida não é totalidade do ser, é o ser em fragmentos onde não me sinto só, como na totalidade do meu ser. A espera de mim é a vida a partir. Partir é compreender meu amor pelos outros. Se o sonho é a consciência de mim, não flui no nada, se torna sono de uma vida inteira. Não sei se deixei o sono em mim. Pelo torpor da eternidade o amor dorme ­– eu o sinto no meu despertar: é apenas meu sorrir. Sorrindo me ausento a dormir entre estrelas. Dormi dentro de mim para estar desperta. Como uma noite e eu, vivemos uma para a outra em sonhos despertos na inocência de sermos felizes, onde durmo tranquila. É como se a paz do amanhecer fosse minha paz, ainda dormente de mim. Ainda não acredito que todo esse sentir seja meu sentir: amor! De braços abertos para o infinito, defino meu corpo como a vida que sempre terei e já tenho dentro de mim.

O tempo como abismo

A linguagem é a incompreensão do ser, e assim nasce o vazio. Pelas palavras que amo, sinto o gosto da vida. Palavras têm a cor da vida. A cor se desbota em poesias. As cinzas das palavras são palavras. A palavra é o meu limite de ser. Não sou apenas eu. Me transformo em ar, submissão, agonia, vento. Não posso me transformar no que não sou. Ser nunca se transforma em ser. Há cores que encardem a alma. A alma foge em flores de areia a despedaçar o céu de amor. Ir vivendo nada, sendo em vida, é como amar uma sensação perdida, que não posso sentir de novo. Tudo é uma única vez, nada se repete. A vida sou eu me repetindo. O tempo como abismo é o meu olhar que dança no abismo de ser. Eu refiz a alma em algo estranho. Não presenciei o nada no nada, e sim em mim. A vida não me conhece e deságua a alma na exatidão do sentir.

Morte momentânea

Quero abraçar a morte no subterrâneo de mim, nunca amanhecer. A morte é um momento, passa logo. A saudade e o vazio serão expectativas de vida. A palavra dignifica a morte, dá-lhe um sentido, tirando-lhe a alma.

Saudade fria sem amor

Tento ser no não ser, sem a saudade fria, em amor infinito. A alma é o vazio, o estremecer da alma. Estremecer no nada, tornando o vazio eterno, como me ver na alma esfria. Amor, te esquento no meu vazio. Queria te ver nos meus olhos, para ainda ser eu. É satisfação a saudade fria, sem amor. Ao menos é saudade. O tempo cessa a saudade de viver. Saudade, nada sou em mim... Se apodera de mim. Tudo parece falso sem a saudade. Saudade não é triste. Não apenas me escute, me sinta, e ficarei em ti, como o amor que não teve e agora tem: se estiver pronta para amar. Seu amor não é o Universo. Esqueça-o lá fora, no mundo. Eu poderia te dar o que o mundo e a vida não podem te dar: amor! Não sei de que sofro; é um sofrer absoluto. O absoluto não é amor. Não há esquecimento no absoluto. Sonhos de pedras, leves como o ar. Na primeira vez que sonhei, meu corpo saiu de mim, se tornando poesia. Na poesia o ar é distante, como se me tivesse no ar. Depois do corpo e da alma, resta eu, a morrer feliz. Corpo e alma nada significam para mim. Na morte me encontro. O amor não está no olhar, está dentro da alma. Transformo alegria em amor. O olhar é a minha morte no olhar. Se eu chorar vou morrer na ilusão de ser de alguém.

Lampejo de alma (Brilho momentâneo)

O céu se esconde num lampejo de alma. O céu morre em um lampejo de alma. O céu morre em poesias. Perdi o céu como a quem perde a Deus. Não o perdi. Permanecer é permanecer para Deus. Sou paciência para o céu. Estou serena de morte. Se a vida voltar como lágrima também serei feliz. Nunca vou questionar se a vida é de amor ou aflição. Vou pensar no céu, nas estrelas e me refazer de mim: em um único suspiro. Suspirar é sonho que desperta a alma. Tudo se vive em sonhos. O céu amargo no sorrir das estrelas caminha como o vento, que explode o ar. Ar de estrelas. Ensinar o mundo a ser mundo. Se eu preenchesse de silêncio teus olhos, navegaria nos teus olhos desertos de ternura e ausências. O dia é claro como um amor sem olhos. Cego de olhos por amar. O olhar vê o que quer. O não ver faz eu ver o que não quero ver. Temos o mesmo respirar, não temos o mesmo amor, o mesmo ar. Para dominar o espírito, estou só na morte. Nada se refaz no amor, na vida, no pensar, no agir. Procuro não agir. Sou o agir cada vez que digo não à vida. Escrever é a parte de mim que nunca é escrita. Sou o pensar da vida. É um insignificante lampejo viver. Sonho sem lampejos. Sem o céu, único sonho, o real de mim. Lampejos são respostas da vida; a inexistência é possível. Tudo é apenas a falta no possível – faz falta em mim. Consigo falar da falta por dentro do nada. O nada são respostas que a vida não pode dar. Sou sobrevivente do amor. E se eu olhar para a poesia e perceber que a tristeza é dela e não é minha? Pararia de escrever? Falo escrevendo amor. Desenho amor com letras de poesia. O fim não se fala só, mas amo só, como a noite que não vem até meus sonhos. Sonhar é difícil, é arte. É fácil sonhar no amor. Sonho na incerteza de sonhar. O sonho tem alma.