Blog da Liz de Sá Cavalcante

Ficar não é permanecer

Ficar não é permanecer, ficar são ausências que se curam, sem morte, sem sofrer. O amor confia no amor da vida que não sou capaz de amar. A ausência é a aparência da realidade, não da vida. Não há céu na falta de Deus, mas há Deus na falta de Deus. Deus sabe quem sou, mesmo não sendo mais para Deus, eu sou infinita, sou sua infinitude. O tempo, a memória, são as ausências de Deus. Deixar a plenitude de Deus ser Deus, é reduzir Deus à sua plenitude. Ninguém me abraça como Deus. Chove Deus dentro de mim. Como se espera Deus? Amando. Não sei o que fará de mim Deus, acredito na ilusão de amar? O silêncio é a falta de um abismo que um dia não será mais nada e, enfim, o abismo será a vida, o céu, a morte, a vida. Mas a existência é a ponte entre o abismo e o nada. Conheço a vida em Deus. O sonho é sem a ilusão. A ilusão do mar é o sol onde o mar cessa de sol. Foi puro o mar. No mar, as lembranças são possíveis, como a água a derreter no gelo. Eu era para que você seja. Nada desperta o meu ser em mim. Eu sou o que sonhei em mim. Amo tanto, vivo tanto, que sofro. O exagero de viver, é como esquecer de Deus. Necessitarei viver pouco tendo Deus dentro de mim. Então o que é isso que tenho Deus dentro de mim, mas vivo cada vez mais, isso me distancia de Deus. Será essa a vontade de Deus? O silêncio de Deus sou eu. Comigo Deus pode chorar, ser frágil. Eu vivi no amor de Deus. Minha alegria não é um momento meu, é um momento de Deus, onde sofro sonho poesias. A poesia é o ressuscitar de Deus. Permanecer não é a distância de Deus, a distância de Deus é o ser.

Estou lacrada, fechada em mim

É impossível eu sentir mais do que sinto, mesmo sem sentir, não estou vazia. Não escuto com um suspiro, escuto amando. O tempo acompanha a morte. A morte não acompanha o tempo. Talvez exista o tempo em morrer. O que existe pela morte é a minha ausência. Não sou eu quem é a morte, e por isso deixou a morte como quem deixa um ser. A ausência é um ser mais evoluído, consegue morrer pela minha essência, que é mais importante que a minha vida. Vida foi o que a morte me deixou sem o seu fim. O abismo é a única luz. Sem abismo, não há nada, e a luz, única alegria de amar, se tornou vazia em sua luz, que desaparece no sempre. Talvez esse sempre seja a salvação da luz. Mas o sempre cessa na luz. A luz se vê no meu amor. Quando nada me falta, o vazio se completa com a minha alegria. Não existe alegria maior que o vazio, que essa vontade de lutar, vencer, nem que seja no vazio. O vazio é a única esperança de ser triste eternamente. Tão triste como a lua que não se esconde. Cuidar da alma é uma ausência que não sofre por mim.

A tristeza de eu ser apenas um sonho

A alma descansa no nada, que é um pensar feliz, como as pedras que não sentem o mar, mas escutam o barulho das ondas, se sentem viver. As pedras são o inconsciente do mar. Pelo mar tudo é eterno, tudo são pedras. Se sou um sonho, existo como se as pedras fossem o meu mar. Um mar de pedras afundou o meu amor. Tenho que capturar a essência do mar no meu amor. O mar foi perdido pela sua essência, encontrada sem o mar. A essência não é Deus. Deus para mim é continuar a existir. A tristeza é o que me faz sonhar. Tive sonhos sem sonhar. O que me faz existir para o mar é o sonho. Saudade não é desejar viver, a saudade é a vida, é respirar livre no nada de mim. Não há respirar que seja alma. O sonho é o meu respirar. Respirar sem a vida é sonhar. Sonho até com a tristeza, não é o sonho que cuida de mim, eu cuido do sonho ao sonhar. Sonho até sangrar por dentro de mim, como se eu fosse o ar que eu respiro, que invade meus sonhos em ser feliz. Eu sou a sobrevivência do ar que respiro. Mesmo assim, o ar respira sem mim. Respira tão profundamente, parece o céu a respirar a vontade de viver, mas é o ar que respira o céu.

Vazio respirável

O vazio volta como nada. Nada é o vazio respirável de ser um adeus. Se eu soubesse desse afastamento do adeus, não me despediria desse adeus. A despedida é um respirar eterno, o adeus é o fim do respirar. A angústia de respirar é a alma em chamas, é a certeza da vida. A morte é o amanhecer. O amor está entre o ser e a morte. Eu estou entre o abismo e o sol. O sol logo cessará, terei apenas esse abismo para me proteger, me enfiei, desabei no abismo para não me sentir sofrer. Em vez de não morrer, morri mais ainda por não sofrer. O vazio é respirável, o sofrer não é. Olho o nada pela desatenção da vida, penso ver a vida no nada. Mas não é esse o nada de mim: o nada de mim é meu amor sem ausências. O nada conforta a ausência, assim vão nascendo os dias sem vida.

Inevitável

A fala é sem palavras. Nada para dizer às palavras. Elas me dominam. Alma são remendos do ser. A alma não supera a alma, por isso, a alma ainda sonha. Ser não é existir, ser é defender a morte. Eu me desprendi da alma no silêncio sem fuga. Que alma viver em mim? Meus pedaços se tornam amor de quem não necessita de amor: a solidão. A morte se destaca numa luz de vida. Assim, a morte é saudade de ver, mais do que de viver. É olhando a vida que me aproximei das palavras. Sem a vida não há palavras. Eu sonho com palavras, acordo nas palavras. Morri, continuei vazia, esperando que o amanhecer morresse em mim, como tudo morreu, como se fizesse amanhecer nas minhas lágrimas, dormentes de sono, e eu sonâmbula de amor. Não dá para terminar a poesia no amor de ontem. Ontem é mais importante para o amor do que para mim. Mesmo assim, o amor é esse agora. O momento se dissolve em palavras. Palavras são a compreensão da vida a desfazer o tempo num abraço sem corpo, sem alma. O abraço é quando corpo e alma desaparecem juntos. Meu ser é o amor que sente por mim. Se a alma passar do limite por morrer, o limite se acusará como sendo morte da alma. A vida é o limite de Deus. Ingratidão o amor amar como se fosse eu. O amor não necessita ser absoluto como uma rocha a afundar na água. O tempo, a espera, são o amor que tenho. Tudo permanece na falta de amor. A vida, a me tomar nos braços, diz que sou sua. Foi assim que morri: nadando em vida. Confiar é morrer. Falando como alma, me sinto não ouvida. O pensar transcende o nada, renovando a alma. Tudo que vivo é o desconhecido, como se meus sonhos, minha alma, tocassem tão fundo minha alma, num desaparecer eterno, onde fica apenas a mágoa de ter sido. O olhar nada tem a dizer, a viver. Vivo a sombra do meu olhar, num sol cego pelo olhar. O sol amanhece vendo, deixa sua cegueira no anonimato. Tão quieta a cegueira, parece não existir. Eu percebo a sua existência pelo seu amor. Existir me faz morrer. Tudo se termina sem o fim.

A distância da vida não me une à alma

A escuridão pertence ao nada, me une à alma. Deixa a saudade embriagar o ar de pedra para a saudade não partir na brisa do esquecimento. Deixa o ar voltar pela saudade de ser alguém. Deixa vibrar a ausência de vida. Cheguei sem partir. O céu partiu nas cores do perdão. Chora, vida, que o imperdoável continua no silêncio acolhedor. Para acolher o acolhedor, é preciso saber o que dizer à vida, em plena solidão. Nenhum momento é só, o ser é só. A falta de mim é o infinito me abraçando. Não há infinito sem o meu adeus. Minha presença é alma. A melodia da minha presença se cala numa canção infinita: é como não ter vida nem morte. Sou pura alma que me encanta, como uma presença alheia a mim, este é meu caminho, de alma, de amor, onde sou tão feliz, que deixo meus sentimentos. Na alma, para ser feliz, no nada do esquecimento, onde tantas vezes fui alma: sou um nada feliz, que expande o universo, onde me encontro despida de vida, sendo pura e simplesmente o nada que penetrando sua morte, descubro que, mesmo sendo nada, sou a mais feliz de todas: não tenho esperança, pois me entrego à alma, sem o fim. Quer alegria maior? Tente amar como minha alma, e tudo será perfeito, até não te amar é perfeito. Enfim, eu!

Morte sórdida (que usa meios degradantes para atingir o fim)

A vida não se deixa captar. A alma é a inessência da vida. A falta de essência é lucidez. A alma fraca, frágil, num amor infinito. Não há infinito sem amor. Morrer no infinito é não morrer. Desconheço o fim da morte. Para mim, a morte é sempre. Sempre mais.

Sentimento mutilado

Ser é abstração de ser. A solidão é esquecida se eu for só. O sentir é mutilado pelo próprio sentir. Mesmo assim, o sentir sente como se estivesse inteiro. Não há nenhuma forma de sentir sem sofrer. O sofrer é como um sonho. Por isso, não preciso sonhar em sofrer. A alma não é determinável como alma, a vida é a indeterminação sem alma. Amordaçada pela alma, pelo seu silêncio. Sorrir é silêncio. Fui colocar a vida na vida, olhando, contemplando o nada. Contemplar o nada traz paz. O medo traz paz. A paz mata. A paz desaconselha a ser feliz. O sentimento mutilado, que é o meu sentir, me salvou a vida. A vida do esquecer é a lembrança. A lembrança de ser feliz é amor. O que sinto sem amor? O amor me ajuda a esquecer tudo que a vida não pode ser. Mutilaram meu sentimento morto, inacabado. Tudo que sei é sem vida. Não há infinito na morte. O amor sofre de medo de alma. A alma não resiste ao amor. Amor, cobrança da alma. A morte é possível apenas pela presença. A presença é a morte. Vivo apenas no meu olhar. Tudo que olho ganha vida. E eu, perdendo a vida. Mas perder a vida por uma presença é um privilégio: talvez essa seja a presença de Deus: não ficar só.

O amor transforma a realidade sem amor em amor

Acomodei-me em pensar, não sei ficar sem pensar. Pensar faz parte da alma. Perco a alma por pensar. Pensar reinventa a vida criando o nada. Nada me fará pensar sem pensar. Ver impede o sentir. Olhar para o outro, sem palavras, é morrer. Nada quis da alegria. Por isso, tudo é feliz, como se a alegria fosse presença de algo. Tudo é feliz nas palavras. Minha tristeza é sem palavras. Defino a tristeza sem alma, sem senti-la. Defino a tristeza como o ar que respiro. É triste o respirar, é ser só. Respiro, vivo, por ser só. Sentir é a saudade de não ser, para ser o sentir. A alma encanta a solidão. A solidão, nua, não é mais solidão. A alma é esquecida na solidão. Não necessito do amanhecer como necessito da solidão. Respiro solidão. Tentar não respirar a solidão é criar um abismo entre mim e eu. Eu, para um abismo. Deixo o bom ser o descaso da vida. O nada pelo nada não é o nada. Se o nada é a imensidão do infinito, meu fim é o nada.

Aderir (juntar)

A alma é muito diferente do ser, não aderem uma à outra. O que fica no ser é a existência da alma sem a alma. Existir é uma defesa da alma. A alma se defende de si mesma. O vazio que sinto é a alma sem defesa. É surpreendente o vazio da alma em mim, é um descanso para o meu amor. Não há amor maior do que a poesia. Olhar para a alma torna a vida eterna. O sol não tem a eternidade da alma. O amanhecer é falta de alma. Ter consciência é morrer. Morrer pela consciência é transcender sem morrer. Morrer preenche o vazio. A vida fez do vazio esperança. A esperança deixa o espírito adoecer nas lágrimas. Para o ser se esgotar nas lágrimas do espírito, tenho que viver no vazio. A acessibilidade do vazio emociona como um vidro que se quebra em seus pedaços. Despedaçar a ausência de pedaços é a eternidade de viver sem alma, tudo está inteiro. Eu já me alimento de alma, não posso ser alma, ou já sou a alma? Mas que alma alimenta a alma? Não há certezas, há alma. Talvez a alma seja a única certeza. A alma é o destino do meu ser. A alma morre comigo para não deixar de existir. A luz da eternidade substitui o céu. Tudo vejo na luz da eternidade, nada vejo pelo céu. Nunca vou superar a falta com ausências. A alma em mim me dá náusea. A ausência de mim é o conforto dessa náusea. A náusea mantém a alma viva, realizada. A alma vomita a náusea, a náusea vomita a alma. Resta apenas este instante perdido. O instante não é só, por isso, se perdeu de mim. A luz se inspira no escuro, como sendo uma nova luz. A luz dos meus olhos é o amor sem luz. A falta de luz no amor é o meu viver. A vida escapa na luz. A luz não ilumina a vida. Vida é escuridão. A alma pode ser uma palavra, um abraço, o adeus voluntário, mas esquece-se de se abraçar, se amar. Amo por mim e pela alma. O adeus se desespera por se tornar alma. A alma tem prazer no adeus: de recomeçar no adeus e terminar no adeus. Sinto o adeus da alma, compreendo como o nascer do espírito. Sem adeus a vida seria pior. Não poder se despedir é a pior maneira de viver. Um dia trarei a alma comigo, para minhas poesias, me falta força, mas com determinação. Me expresso como morte. A alma é uma conquista diária, para sempre. Nascer ou morrer é conquista de eternidade. A eternidade se conquista só. Não há eternidade em ser feliz. Ser feliz é tornar a eternidade o fim. A morte é o movimento do pensamento que funciona apenas na morte. A morte faz o pensar existir. Eu deixo a vida passar por mim, como sendo o pensamento que não tive, por merecê-lo. Pensar é deixar a vida falar, sem agir amor. Deixa meu pensar na minha ausência. Amo minha ausência me vendo ausente. Minhas promessas de vida são ausências do nada. O nada, sinto como se fosse minha ausência, na imagem de outro alguém.