Blog da Liz de Sá Cavalcante

A aceitação de um passado

Aceito o meu passado pela minha morte. Agora sei: ela nunca é um passado. Ela é o agora. Mergulhando em mim, o eu do meu eu não existe. O ar é refeito de saudade. O tremor do céu são ausências-espírito. A lembrança tem uma alegria que não é minha: é uma alegria ausente. Aceitar o passado é fazer dessa alegria uma presença.

A imagem de um sonho

Faço a vida acontecer até na minha ausência. O meu respirar é a ausência de ter você como falta de mim. A falta de mim é onde me sinto inteira. Tudo é melhor que não fazer nada, até mesmo morrer. Morrer é lembrar de mim. Como fazer algo pela vida, se ela não deixa? Há tanto a ver na vida, que a imagem do sonho cessa e o sonho torna-se a falta de mim. A falta de mim é a imagem do sonho, como sendo o interior. Meu interior que não nasceu comigo morrerá comigo. Nascer é morrer. O sentir morre nascendo para mim. Há sentimento na ilusão, a falta do sentir também é uma ilusão. Ilusão é vida além do tempo do ser. A perda da vida não cessa a ilusão de viver. Como perder a vida, se ela nunca foi minha? Olhos acesos de alma, coração de escuridão. A alegria de amanhecer é anoitecer poesia. O amor é por onde a alma fala, vive em mim. A vida é uma poesia com destino. O silêncio da alma é o universo. As palavras são o desaparecer da eternidade, cheio de vida. Nunca necessito da alma para amar, escrever, mas necessito da alma para o meu fim.

Sou meu próprio nada?

Meu sol é um vale que desmorona meu amor no indestrutível do nada do meu ser. O silêncio trouxe minha vida de volta: um silêncio de estrelas. É a minha alma, o que ficou da vida. Sou a alma da vida. A vida deixa o mundo desprotegido. Deixo a alma na vida. Deixar é não me abalar, é ir partir em nuvens de sonhos: assim, a vida continua em mim. Sonhar não desiste de mim. O que sei dos meus sonhos? Nada. Sonhar são palavras vazias, expressam o real, enganando a vida, como se sonhar fosse bom. Perdi a vida a sonhar. Vou me libertar do que sinto. Amo sem mim. As palavras têm nelas o meu olhar eterno. A consciência é sombra de mim. Captar a vida é cessar a vida. A vida não é compreensão. A vida me tira a vida.

O silêncio eterno

O silêncio eterno é o mesmo silêncio do fim. Não há fim, não há eternidade sem o silêncio. Penetrei inerte em mim. Estou em mim. Estou em inércia no meu pensar. Apenas o silêncio é diferente de tudo. O silêncio é capaz de mudar pela alma, meu ser não é irredutível: somente consegue ser si mesmo, para si mesmo. O silêncio foi hostilizado, massacrado pelo amor. Vivo por amor. O nascer da morte é a alma quer dedico a mim, com dedicação, cuidado, zelo. Nunca imaginei me perder na alma, não por ter alma. Limito-me na alma. O silêncio é a vazia alma, como um momento que nunca estará perdido. Momentos deveriam ser perdidos na alma. Se eu conseguisse me dividir em alma, seria tudo e muito mais.

Calafrio (medo)

Mesmo não sendo, não me separo de mim em mim, sou mais do que ser, por isso não transcendo, sonho. Transcender é consequência de sonhar. Sem sonho não há transcendência: há eu em mim. O infinito da alma é a frouxidão numa liberdade maior do que a vida, do que o amor. O que sabe de mim, do meu amor? O silêncio e o diálogo têm a mesma morte. Morrem, mas não se penetram na morte.

Dando-me a mim

Vivo no tempo sem alma, não sei como o tempo em mim surge substituindo a alma. A alma precisa do meu tempo para ser esquecida ou lembrada. O tempo da alma é inútil na alma. Dando-me a mim é mais que alma, é eternidade. A consciência não tem realidade. É sutil, não a percebo. Percebo a lua, desmaiada em poesias.

Perplexidade de existir (indecisão)

Suspender a lembrança de existir, por um momento meu vale a pena? O amor é apenas a recusa do fim? Deixo-me levar pela morte sem morrer. O corpo se une ao pensamento para eu morrer. O silêncio real é o da morte. O corpo é infinito, mas a existência da alma é o meu fim. O fim sem a alma é a vontade de viver. O fim da alma é o infinito do olhar. O adeus é a vida do olhar. A lembrança torna-se amor: amor pela vida pelo que nunca vou viver, amar. Amor é priorizar a vida. Deixa a inessência fluir como uma lágrima da vida. O sempre viver é não viver. A solidão me esquece na minha solidão. A alma é ausência de Deus: é esquecer pra que vim ao mundo: para ser só. Ser só é a minha eternidade. A vontade não me deixa morrer, por causa da perda que sinto em mim. Como estar perdida na morte? Amando, pensei encontrar a morte, me encontrei: sem me fazer morrer. Se o amanhecer, retorna a si, retornarei a mim, nas minhas perdas. Deixa-me no nada de ti e serei feliz no teu nada, como se não houvesse vida, pensamentos, explicação no sentir, e tudo fosse apenas silêncio na paz da inexistência, onde não preciso saber amar, pensar, apenas não sou para a inexistência, o nada da inexistência. Olhos para o céu, vejo que não preciso existir: nem na morte, nem na vida. A inexistência é a liberdade de eu não ser nada para alguém.

O para si irrefletido

A vida não se busca na morte: sem reconciliação, sem o nada, morre no nada. Eu que busco a morte não morri, há muita vida em mim, mesmo com essa mania de morrer. Que importa a morte, a tristeza? Meu tempo é outro: o amor, as vezes que perdi, nem tudo estava perdido: foi isso que perdi: esse tentar viver. Amo o tudo, amo o nada em mim, senão não é amor. Cada folha que cai da árvore é uma alma que morre como natureza. Eu me supero por me emocionar comigo. Nada solta o olhar de nossas mãos, do nosso abandono.

Nadificando-me em amor

A poesia é uma forma de ser para sempre minha. A distância da vida é a poesia. Por essa distância, me vejo como sou. Mesmo sem ver, a distância me faz me ver no sempre eu. O que, em mim, é saudade, é o nada. Estou roendo a saudade com fome de saudade. A saudade cessa a tristeza. A tristeza não tem saudade, mas é a compaixão da saudade. A desilusão cessa na ausência. Ver o amanhecer é uma desilusão lúdica. Esse prazer pode me matar. Matar-me não cessa a morte, nem a mim. Cessar é sentir a eternidade, sem ter eternidade.

Até quando?

Quando é o bastante para amar?! Quando o amor lutar contra si mesmo, a esperança será vida. Choro quando as lágrimas secarem, e eu não puder amar. A morte é a leveza da rocha no mar. Quando a rocha for mar, irei sossegar meu destino. Minha lágrima destrói a rocha da morte: sem mar, sem mim. Confiar na morte, deixar os pés no chão, sem realidade, apenas nuvens para sonhar. A vida é um impulso. Nada se compara com a poesia do mar, das estrelas. Poesia é a estrela subir mais que o céu, até chegar na minha alma. Até quando vou morrer sem ti? Nunca a terei? O saber não tem cura: se quer saber mais. Mas te amar tem cura. Quando puder me amar, pode ser tarde demais. O tempo é a vida a chorar. Coloco minhas ausências na vida, ela fica sem o tempo, se torna plena.