Blog da Liz de Sá Cavalcante

Excesso de morte

O amor é pior sem morrer? A morte busca o amor, o ser busca o ser. Essa busca é pior que morrer. A busca é pior que morrer. A busca é um infinito particular, em busca da não destruição universal. Morrer é sem ilusões. A angústia é o infinito sem sofrer. O amanhecer é angústia eterna. Mesmo assim, amanheço. A vida deixa o amanhecer vazio, como se não houvesse a plenitude: esquecer do amanhecer. A realidade não é o vazio, a realidade é o que sou para mim. Se me imagino uma estrela, sou essa estrela, de onde nasce a solidão pela vida. O nascer da solidão é sonhar. Divido-me entre o sonho e a realidade, pareço não ser só, pareço ser a única entre a realidade e o sonho. Tanto o real como o sonho são poesias. O tempo é a falta do real e do sonho. O que vejo não é real nem sonho, mas existe na inexistência apenas o amor percebe a inexistência de um sonho, pode cessar o sonho. Mas o amor é inexistente, como se assim pudesse durar. O excesso de morte cessou. A inexistência surgiu a existência, abraçando seu nascimento: a morte.

Pungente (comovente)

A estrela comovente, mesmo sem brilho, sem amor. A estrela torna dispersa a dispersão, é apenas este instante que arde em mim. O desaparecer tem que vir de dentro de mim, como uma luz que nunca se apaga. Esse amor incondicional pela morte que existe é a única coisa que não é estranha para mim. Eu sou uma estranha para a morte, por ter intimidade com ela. Renunciar ao passado é renunciar a morte. A subjetividade é a morte.

Infortúnio (tristeza)

A morte é o espelho da alma, que danifica o ser que já apodreceu na falta de poesia, de sonho. Não sei em que estado ficou o sonho para ser sonhado. O sonho me dá medo. O céu não tem medo do mundo. Sonho com a eternidade. A decepção não se decepciona. A decepção não tem culpa. Traga-me o nada, como se fosse a minha ausência esse nada. Mergulho em mim pelo nada. O destino é contra a realidade num existir eterno sem plenitude. A imagem sem eternidade é vazia. Nesse momento, a eternidade não importa, tudo que quero é a imagem iluminando o meu olhar. Assim, mantenho a liberdade distante de mim por uma imagem. A imagem da morte cria novas imagens que embalam o céu e o faz esquecer as mortes, como se esquece alguém. Se o céu é esquecimento de Deus, imagine o que seja as lembranças de Deus. Deus, a infinitude das minhas lembranças. O separável de morrer se une à morte. O precipício não é o fim, não é amor. Tudo morre sem o fim.

A vida é injusta até quando é justa

O amor não pode morrer, o ser pode. Posso preparar alguém para a morte com a minha ausência. Essa ausência é amor. Vida está distante da presença: ausência de um sonho. A presença da vida é o fim de um sonho que se mantém distante do nada. O para si que sou sofre no nada sem mim. A morte pode ser o nada que se revela sem medo, sem receio. O nada tem medo da vida. O antes e o depois são apenas meu desejo de viver. O desejo de viver não adere ao antes ou depois. Se o antes e o depois existissem, existiria vida, mas não existiria o ser. O antes e o depois são uma vida que acontece apenas nela.

Alma nova

A saudade não pode me fazer viver, mas me dá alma nova. A morte me consumiu. A alma é tão nova, renascendo, não pode me fazer feliz, mas a alegria se dá a mim, sem motivo ou explicação. Alegria, se eu fosse feliz, e você estiver triste, você aceitaria eu ser sua alegria? Alegria, já necessitou de mim alguma vez? Necessitar de mim para a alegria ser feliz é como viver. Alma nova para a alegria, uma alma que faça parte da alegria de um adeus a mim. Sem retorno ao nada, me apropriei do adeus a mim. O mar desliza em mim como sendo a transparência de morrer, única verdade da morte, perdida ao meu redor. Morrendo, eu escuto melhor o mar. Eu o escuto ao me recolher de mim. O silêncio me vê por inteira, desacreditei do silêncio, sou apenas alma sem silêncio. Me recolhi na perda, ficando em mim? É fácil renunciar o que sou, o difícil é renunciar a perda de mim. Recolher o amor para não ficar só. Não posso modificar a vida, o amor, mas posso agir certo, isso me fará amar mais ainda. Escrevendo, percebo que amor é eterno no que diz. Eternidade é muda de amor. Não quero que as lembranças de amor, quero que a lembrança seja triste, como se nascesse agora, de mim, sendo o meu momento de me sentir só. Solidão é falta de desamparo de morrer, é olhar nos olhos de quem amo, e morrer por ficar sem ficar. O silêncio é a permanência de ficar. Há permanências sem ficar. A permanência de morrer pode nada durar. A duração de um instante, mesmo que não seja muito, é a morte. O tempo, isento da morte, torna-se apenas um único instante.

Admiração pelo nada

Admiro o nada quando tudo é tudo. Meu ser se apaga na luz do nada. Morri na falta do nada. O ser para o ser é a essência do nada. O nada morre pela presença do ser e, assim, encontra paz. Viver o nada em mim é mais do que a eternidade, é mais do que posso ser.

Visão de lugar nenhum (para pai)

Para que olhar? A visão de lugar nenhum é a vida que não se vê, apenas sinto como se visse. Vejo o lugar nenhum, sem a visão de lugar nenhum. Ver é querer sem poder ver. Se eu pudesse ver, a visão de lugar nenhum seria apenas este céu solitário para quem devo a minha vida, a minha solidão extremada. Ainda tenho você me sentindo só? A solidão não conseguiu impedir que eu te ame mais ainda. Não consigo estar em lugar nenhum, nem em mim, mas estou em você. Sonho mais com você do que te vejo, mas sempre te vejo em meus sonhos, onde está sempre comigo, em mim. Posso estar em nenhum lugar desde que seja ao teu lado. Meu amor por ti é mais do que qualquer lugar, é o meu mundo. Meu interior é você.

Aprendiz do amor

Quando sei que a morte vem, me aproximo do que não é amor, como se fosse amor. Não sei sonhar, viver, sei morrer. O amor não merece minha irrealidade, melhor não amar. Viver é real demais. Esconder a realidade da realidade é viver? O vento sacode a vida, uiva eternamente com a bondade de Deus. Esse é seu interior, uivar sem chorar, para não acordar o amor adormecido. Dorme amor, como o desaparecer do vento, destrói minha vida, mas com alegria. A alegria sonha ser levada pelo vento que a trouxe. O mundo depois de nós importa mais do que o nosso mundo. Aceito a solidão na alma. O amor é um obstáculo sem renúncia, sem perdão. Será isso amor? Há tanto a ser feliz sem amor. O nada faz eu necessitar do amor, me sinto viva no nada. Necessito da aparência como sendo o ver no nada. O nada vê a vida melhor do que eu: o nada vê a vida no amor que sente. O nada é a ilusão que preciso ter, cada vez que olho o infinito.

Sensatez

O que desaparece na minha ausência são as cinzas do meu valor, que se fazem presença da vida. A sensatez é uma vida vazia e inexplorada. Caminho com o amanhecer para ver o sol nascendo. Se a vida pudesse ser um pensamento, não existiria. Se o amanhecer soubesse o que sinto, seria feliz? Eu entenderia sua alegria. Se a alegria é covardia, sou covarde. Eu entendo as palavras na poesia. Me comprometi com a vida por sorrir. Há vidas que escorrem como alma. O silêncio sempre sorri para o nada, o nada é o silêncio. O amor, silêncio que não abraça, não sente, pois ama. Amar é ter sono sem sonho, sem fugir, ser apenas dormir pelo sol. Sol é sonho. O precipício do sonho é dormir. Dormir vigiando o pensar. Pensar é sonhar me abençoando. Pensar, nada significa, mas é a minha concretude de ser. Nada é mais concreto do que o sublime, que a plenitude. Meu ser é meu mundo. A plenitude é o sol nascendo sempre. O sol nunca desaparece. A alma dos que não existem, nem nunca vão existir, são a minha ausência de amor. O infinito se abandona na ausência. A alma são minhas cinzas, a procura do meu amor, não de mim. As minhas cinzas, essência sem alma, sem história de vida. Não dá para a alma resolver quem sou eu sem alma. A alma vive mais do que ela mesma. Se eu desenterrar a vida apenas para ouvir seu silêncio, apenas para não sofrer, estarei sendo egoísta? O morrer de uma lágrima me faz pensar na vida, no amor, na lembrança de uma lágrima, no sorrir da ausência, na lágrima da presença. A minha presença guardou as minhas cinzas, como sendo uma presença na minha presença. A presença do meu ser não me obriga a viver: posso ser uma presença sem vida, onde sei de mim. Saber não é viver. Não me sinto viver, me sinto sorrir como a eternidade de voar dos pássaros. Não sei se viver é bom ou ruim: fica à margem do que eu sou. O olhar não pode ser real, existe apenas na intimidade de ficar só para ver o outro. Sou só com o outro, mas não sou só no outro. A solidão protege a vida, por torná-la só. Minha ausência sente a solidão da vida, eu não sei se me sinto só pela vida, como sinto a companhia de alguém na minha solidão. Pela solidão, ainda tenho um passado no futuro da solidão, mas o meu futuro exclui o passado. A lembrança é apenas o passado, onde a lembrança se torna alma. A lembrança é submissa à realidade. A realidade é crua. O outro é a minha realidade irreal que abre meus olhos para a morte. Não adianta eu esconder a morte com meu amor: morte será sempre morte. Por isso morte é amor.

O silêncio sem ausência

O silêncio sem ausência, de cada palavra, soa devagar. O som é o silêncio da alma. Sem a alma o silêncio fala. Na alma a coragem de silêncio é vazia. O silêncio não se esquece na fala. A inspiração é regressão ao infinito de mim. Ausência é morte por saber. O ser de morte deixou de ser morte, tornou-se decepção. A decepção é o silêncio sem adeus. O ser existe para o seu silêncio. A expectativa do silêncio é condenar o ser a si mesmo. O ser não é ser, não é o outro. Ser é o inundar do espírito. Apenas a alma lê o ser, onde o espírito desaparece. Quis que a realidade me desse meu ser para mim. Eu tenho que me dar para mim, como o relevar da ausência é capaz de não me amar. Perdi a vida em ser. Não precisa me amar, mas me deixa sentir a solidão do amor, perceber que meu sentir é só, o amor é só, não sou só como os espaços preenchidos. Os espaços são a falta de mim. A distância é minha realidade, que é tão distante quando a distância. A distância de mim sou eu, sou eu no desejável da distância. Depois de me sentir, a distância é leve, me torna leve como quem salva o amor, aceitando sua morte: assim nasce a poesia. Deixo o não acontecer acontecer. O abraço muda o ser para outro ser. É maravilhoso não ser apenas eu! Mesmo que o abraço não seja um sentimento, eu sou o sentimento do meu abraço. O caminho em mim é só, como se eu pudesse ser poeta da vida, não sou. Não há distância entre a vida e eu, há barreiras de almas. Como viver em mim? Eu perdi o que não tenho. Tento ser a alma para todos que precisam de alma para sofrer pela vida, pelo amor. Preciso sofrer para saber quem sou. Nada é sem sofrer. Sofrer é a existência de tudo. O luto pelo existir é natural. Nada sofre existindo, por isso o luto, a tristeza que aquece o amor sentindo dor. Escrever para nada sentir, anestesiada, busco lágrima, no mar, no tempo, na vida, no amor inexistente, no abismo sem abismo. Busco lágrimas em vão, mas não tenho coragem de buscar a lágrima em mim, deixo-a perdida no céu da imaginação, quem imagina não chora, sonha no chorar que continua vazio. Nada é vazio sem chorar. Não sente nada a alma quando chora. Sem chorar a alma é brisa da sua inexistência. O consolo é um chorar eterno. O que dizer sem consolo? Falar do inconsolável é abrir a porta da existência. Existir para a existência é sem significado. Fica comigo, existir. Mesmo sem significado, sem existência, o existir é maravilhoso.