Blog da Liz de Sá Cavalcante

O penhasco de um sonho

O silêncio do céu são nuvens de algodão. A morte é tão rara, vazia, que todos morrem. Morrer é conseguir cantar a vida. No penhasco do sonho, é onde tenho um corpo, mesmo que seja para morrer. Morrer é não me entregar à luz. Luz não é deixar a escuridão no vazio da luz. A luz é a sombra da ausência. O tempo é a paz de Deus. O infinito é a aflição de Deus. O fim é essencial. A ausência não merece meu sofrer. Sobrevivo ao nada, não consigo deixar o nada no passado. O nada nunca será o passado. O nada é um agora de flores. Não posso pôr a morte no meu silêncio. Um penhasco de sonhos me faz viver, reagir à letargia: me faz falar de vida.

A estrela é um universo na minha dor

O indefinido da minha alma é esta ausência que não sei se é a presença de Deus na vida. Morrer é esperança. A vida não faz que haja ser. Minha ausência de estrelas é o céu a desaparecer na minha solidão. O céu é uma solidão inacessível: de almas. Nunca soube o que é solidão, por ser só. Sonhos amam tanto quanto eu. Sinto as mãos de Deus amparando a minha vida, das minhas dores, da ausência do céu em mim, não tem nada a ver com a ausência do céu. Minha ausência, sim, é luz do céu, o faz esquecer sua ausência, e a solidão se determina como um céu de estrelas.

A identidade da alma é o nada

A descontinuidade da vida é o amor na alma. Pela alma, aprendi a viver com o pensamento do fim. O pensar do fim é sem eternidade. Pensar sem eternidade não é o fim de pensar no fim. O fim é uma eternidade, depois da eternidade. A eternidade para sentir o meu amor. Sei que sonhos não são eternos e necessitam de mim, na pouca vida que eles têm. A eternidade é um vício. O descontínuo da vida é a vida, é o teu adeus. Revelações é o comunicar da vida em ser, mas sem ser. Nenhum ser pode fazer a vida existir. A vida existe apenas sem ser. O ser é uma ilusão da vida. Não sei se estou viva, sei que amo. É tarde para morrer, para viver. O arvoredo de sonhos expande o céu. Nem o nada, nem a vida, nem a morte acrescentam o ser. Ser são sonhos. Sonhos navegam em não ser, sendo ser. Sou ser e não ser ao mesmo tempo. O que a alma realiza eu também realizo, de outra maneira. Ambas realizamos o que somos sem nós. A alma dos meus sonhos não se realiza sem nós. Nós, por um sonho. O retraimento da ausência é o céu. O céu lembra da minha ausência, não lembra de mim. Eliminar a eliminação como se ela fosse vida.

Vivendo em falas inexistentes

Se ao menos o silêncio fosse essa fala inexistente, me liberto em falas inexistentes, de tudo que sou, da minha alma. Se a inexistência falasse, eu a compreenderia como uma oração. A alma do corpo não é minha alma, é onde cessa a minha alma. Cessar não é deixar de ser, é ser. A imagem do olhar não é a imagem da vida. O silêncio é o olhar da alma que limpa o céu e torna o azul azul, onde as lembranças, colorindo o tempo, tornam o tempo um tempo de lembranças. Tempo, faça-se em mim. Ser só é o tempo: tempo de poesias, de amor, renúncias, de alma. A identidade da alma é o fim de uma poesia: fim de uma vida que nem existe ainda. A poesia é que torna a inexistência inexistente: como um sol que nasce do último sol. A coragem vê o amanhecer onde nada vejo. O nascer não é uma esperança, é a falta de desejar. Falo numa fala inexistente, e a vida retorna com começos, meios e fins. Não sei mais viver, aprendi a ser ausente para não morrer. Minha fala inexistente, paira no ar, como morte: como absolvição de ter vivido, sido eu um dia. Cada dia mais distante, até se tornar esquecimento, para estar incluída ao menos na morte, onde minha voz nasce especialmente para mim: é como se eu sempre tivesse falado, vivido. Viver… distância que aproxima morte…aproximação que aproxima. E o tempo me sorri do nada. Enfim, senti que agora posso vivê-lo.

Morte é me repetir em sonhos

Esqueço-me na repetição do meu ser: é quando sonho! A ausência é o pensamento vivo, sendo por mim o que não sou: não é o não ser em mim. Desperto em ausências que dormem em aflição. O amor é sem perdas, ausências, é ficar perto do nada sem morrer como ser. Morre como sendo a subjetividade do ser. O meu coração nas mãos do nada, do intocável do meu amor. A claridade é o nada sem luz, na saudade de mim. Remar na solidão de sangue para sentir a brisa em alguém. Sonhos no ar da escuridão. Nada procuro em mim. A imagem torna-se vida. Nunca conheço a presença, mas a conheço em um abraço eterno, em que meu corpo desaparece vivendo.

Gotas de alma

A vida são gotas de alma no sempre de nós. Não há eu em mim, por isso, as gotas da alma são imensidão. Imensidão sem vida é um mar de almas. Gotas de alma cessam o mar de almas. Custa o mar a morrer em si mesmo: sem a alma. Gotas de alma preservam a escuridão da luz.

Fugir de mim é real

Fugir de mim é minha única realidade. O amor é uma fuga para não me perceber. Seria o amor o meu ser? A minha inexistência é amor. A existência é falta de amor. Completo-me na incompletude. A eternidade não importa, se eu estiver plena para sofrer com dignidade: é como um sonho. Desperto da alegria para ser triste, para o sonho não ser triste. A leveza é o sonho do eterno. O ventre da alegria é o nascer do nada. O sonho entorpece a alma. A única perda real é a da alma. Escrever é uma falta do tempo, compensa o nada: a vida do nada. A profundidade da vida é o seu fim. Escrever é o fim, antes do meu fim: é me rasgar sem fragmentos: sem os pedaços de mim. Enquanto o ar cessa nos espaços, sou livre sem nenhum espaço. Largada no nada que não consigo ser. O vazio é a luz do sol que atravessa o infinito. Não há infinito sem o sol. O que sonho é a essência de todo sol, de toda a vida. Para haver essência, é preciso sofrer do amanhecer. O amanhecer é a superfície da vida, de onde o amanhecer não respira. Em vez de respirar, nos faz respirar. Fugir é sempre respirar, onde o possível é a vida.

A alma da alma

Conheço-me tanto na alma, não preciso me conhecer em mim. A alma na alma é minha morte. Sorrir cessa a morte. Morreria mesmo que a morte não exista. Existir está entre o bom e ruim. A vida é ruim, mas a alma é boa de se viver. A alma não pode tornar a vida boa. Sou a alma da alma: por isso, me abandono no amor que sinto. O abandono dos meus olhos é o meu olhar. O fim dos meus olhos é a alma. O fim da alma são meus olhos.

Paz de agonia

Viver de alma é ser o infinito. Eu como infinito não sou plena. Será a necessidade da agonia a sua presença? Esquecer é o encanto da alma: lembrança da alma. O vazio é o ser na consciência. A consciência não é o meu eu. Sou a falta de consciência do destino: quer ser consciência de vida. Consciência seria eu ficar sem realidade, viver sem a vida. O último suspiro é a voz que escuto de mim: estou pronta para falar para o mundo, para a vida. O que há na vida, que impede o amor e, por isso, é amor? A falta da minha presença é a minha eternidade. Eternidade é minha falta de amor, onde transcendo sem ser só: por isso, sou triste: pelo infinito que não consegue ser só. Na solidão me encontro: nunca serei a mesma sem mim!

Autonomia do amor

Não posso disputar nosso amor, nem os unir: nosso amor, meu, da alma, separaram, se amando, um ao outro. E o tempo é esse amor. A transformação da vida em Deus é o respirar profundo do nada. Assisto à morte fazer do nada a união de tudo. Vivo o nada, não vivo o amor. Não vivo a alma, ela vive em mim.