Blog da Liz de Sá Cavalcante

Mortificada (aflita)

Estou na boa garganta da vida. Vivendo, querendo, amando. Quero viver o ontem hoje. E o amanhã ser apenas um desencontro da vida. O amanhã é apenas ser eu. Nada em mim isola o amanhecer. Eu aproximo o amanhecer do meu sol, da minha vida. Assim, me sinto só. O amanhecer protege o céu das incertezas. A lembrança nasce da certeza. A incerteza é a tristeza. Ouvir minha tristeza é negá-la. A vida preenche a eternidade sem o deserto da solidão, que se prende ao nada com um abraço. Abraços deixam de amar, assim como as ondas do mar se isolam no infinito de mim. Isolado, o mar se mistura em ser, como se soubesse de mim. Ele é um ser que me escorrega pra dentro dele. Eu dentro do mar, sem o infinito de mim, onde o sol latente se disfarça descoberto no céu. O céu não se fez sol, por isso arde na alma. O ser ama pelo outro, pensa não estar mais só. Alma, foste o sol mais radiante. No sol, nasce a vida no ser. O ser é o sol que falta no sol. Se meu corpo me esquecer, não vou lembrá-lo de mim: quero ser uma lembrança boa. Isso é mais importante que viver nele. Viver é ser eu. Mas a vida não sou eu. Tenho muita alma, nenhum ar de vida vai me separar do momento de partir, feito para mim com minhas poesias. Das minhas poesias irei partir, mais distante do que o céu, onde falo estrelas. Parti como se algo em mim fosse esta despedida. Parti para ficar perto de mim. Salvei meu corpo da presença do destino. O destino tornou-se minhas mãos de poesia, soprando o vento para um sol de sonhos.

Lembranças do nada

Guardo lembrança. Fecho os meus olhos, mas não vai cessar meu ser de mim. Meu olhar são lembranças do nada, a sonhar, amar, gritar por dentro de mim, para não falar escuridão, morte. O tempo apaga a poesia, conserva um pedaço de mim, pedaço que não foi corroído pela poesia. Chora, pedaço de mim, para que eu te leve em mim, e que eu possua o teu sorrir, o teu amor, a tua alegria. Sempre será um pedaço de mim, assim como as estrelas são um pedaço do céu, eu sou um pedaço de um pedaço meu. O tempo é pedaço de mim, que é esquecido quando amo. Amor, palavra que salvou a vida. O silêncio é a palidez da alma. Perdi a vida para a vida. Nada é tão sublime como as nuvens deixando o sol nascer. A vida são apenas lembranças da morte, vivas em mim como um corpo que segue só. Sem mim, eram meu corpo, alma, agora são lembranças. Lembrar das minhas lembranças não me torna eterna em abraços ausentes. Fui mais do que um abraço, sou essa saudade de mim. Fecho os olhos, pronuncio a saudade no tempo que me resta. Percebo que vivi muito, ainda há muito a viver. Nunca estive só. A morte é que ficou só em mim, como o teu sorrir: ausência que retoma o abandono, deixando o passado no esquecimento do futuro, que lembra do agora, como sendo o meu ser. Venha comigo, tristeza, pelo mar que impede a tempestade do meu ser. Sem essa tempestade, o sol é inútil. O sol é a união dos meus sentimentos, que se unem para morrer por mim. O pensamento vive em um amor morto, aniquilado como uma nuvem que se afasta do sol. Nada é feliz sem a lembrança do nada. A vida, sem lembranças, faz nascer o sol, e esse amanhecer, e agora minha única lembrança, meu amor eterno. As lembranças são meu sono, meu despertar. As lembranças confiam na minha morte, confiam em mim. A morte, vazia de lembranças, me deixa morrer em cada desespero, em cada perda. Perder é o abraço da alma, onde nasce a coragem de sentir meu corpo, mesmo sendo para morrer.

Sagrada morte

A morte purifica o nada com a vida. Por isso, a morte é sagrada como um sorriso que não se entristece. O sonho sorri para mim. O último sol foi a morte de Deus. Deus é mais que lembrança. Deus é o que tenho dentro de mim. Deus vive dentro de mim. O tempo se foi em Deus. A vida criou um bom sentido para ela: Deus. Deus na vida, e o ser no ser, foi apenas uma fuga sem guerra. Mãos, de frágeis vidas, sustentam a morte, a curam. Água, cristal do ser, que merece admiração. Água de cristal, alma pura. Um sopro de luz abençoa a alma caída, revigorada. A luz do abismo é o meu olhar. Deixo as trevas me consumirem: é apenas mais um olhar meu. Quanto sofrer em olhar, por um olhar. Curto a lembrança da alma, como se estivesse no tempo vivido. A dor ilumina a luz, serena, como se fosse um anjo de Deus. Respiro luz.

Impacto profundo

A alma vive apenas nos mortos, por isso sinto falta da morte, num suspirar de morte. A alma vive entre os vivos, no meu suspirar de morte. Na morte, os sonhos são outros. O sonho da morte é proibido, por isso a ama sem sonhos. Não sei amar sem sonhar. Mas a morte, ama tanto que parece sonhar. A rosa dos sonhos é eterna enquanto for flor, mas se tornou um sonho. A flor é a serenidade da vida. O tempo não é sereno como a vida. O tempo cuida dos sonhos, mas não cuida da vida. Vida, foste uma miragem, devaneio. Amor, prisioneiro meu, vi o céu pela sua escuridão, compreendi o sofrer da vida, pela escuridão do céu está claridade em mim, falta no céu. O céu é a esperança de ter a vida em meus abraços tolos de tanto amor. O amor, no céu, não desaparece. A fatalidade da morte é o amor. Durmo na morte sem querer despertar, para a vida ser eterna.

Os muitos agoras de um único momento

Os muitos agoras de um único momento é perder esse agora, como quem conquista a vida, sem o agora, que é inseparável dos muitos agoras, sem o agora que é mais essencial que a vida, do que morrer. De um único instante, longe dos momentos surgiu a poesia de todos nós: o amor. O amor é a ausência absoluta. O instante é a realidade que falta neste agora. O instante não precisa de realidade, do agora, para ser apenas o tempo que se foi, numa aceitação de adeus, de sobrevivência. A vida é a morte de sobreviver, ficar perdida no ar, tendo apenas o ar que respiro. O que sustenta o ar é a minha ilusão, num desabar de flores, que fortalece a alma. Os momentos são flores que nunca nascem, por isso, são perfeitas. Descobrir a flor que existe em mim é negar esse jardim que se chama vida. A vida não se compara à flor que existe em mim: despedaça o amor, me deixa inteira para morrer, para cultivar a flor de dentro de mim, que arranca o meu coração da flor, em flor.

O nada do nada

Minha espera é a plenitude, que está além do horizonte, além de mim, das minhas forças. Minha espera é um adeus de plenitude. A vida se desenha na alma do meu corpo, sem a alma do amor. Chorar não significa amor. O distante está tão perto: a morte. No entanto, nada sinto. Sinto apenas o amor da minha alma por mim. O infinito pode ser este agora apenas, ele seria muito mais pleno de sentimentos, e assim o infinito nunca seria esquecido como fim, seria apenas um começo, sem e com o fim. O nada é o começo do nada do nada. Eu vivi o nada. O fim do nada é o ser.

Benevolência (bondade)

Perder-me para me encontrar nesta perda, morrer nesta perda é uma bondade infinita. Deixo a luz entrar na minha vida. Nasci luz, fiz-me luz para amenizar o morrer, que recorre ao nada da luz que também é luz, que invade o oceano de lágrimas, que eterniza a vida em ser só. A bondade de chorar por amor é a vida do universo. Sem chorar não existo. Bondade, você existe? Este não saber me faz parar de sofrer. Palavras são apenas palavras que esperam por mim, sem solidão. O destino da alma é não perdoar o ser por ser. Tudo foi perdoado, menos eu ser um ser. Fui me desacostumando a viver, como um resto de sol dentro de mim. Alimento meu espírito de morte, apenas a alma renasce em meu espírito, sabe o quanto amo, faz justiça ao meu ser. O sol esquece o ser em seu amanhecer. Nada é eterno, tudo passa, essa é a essência da vida, de viver. Viver para o fim, no sonhar que ainda dorme por mim, como se eu estivesse viva.

Estações da alma

Como pertencer à alma, se ela me pertence, cada vez que sou suas estações, que não poderia ser todas primavera. Nunca eu serei as estações da vida. A alma nunca será vida. A alma é a morte, no depois da morte acontecer. Fiz do medo fé. Há fé na fé, seja a fé de vida ou de morte. As estações da alma condenam a vida e a morte. Tudo é apenas frio ou calor, alegria ou tristeza. Sem a vida o mundo foi deixado por nós. E então percebi que a solidão não existe. Tudo é apenas a presença do céu, entre sonhos de algodão. Nuvens de aço cobrem o céu de infinito. O infinito não é o céu: é alguém no céu.

Edificando-me

A ilusão é uma santa virtude por onde vejo Deus em Deus. Luz na mão da escuridão, onde tudo é real, como sombra da ausência do meu ser, a brincar com o sol. O sol é minha presença eterna. O vento sussurra vidas, escondidas entre a vida e a morte. Enquanto a vida não aparece, existem apenas os pensamentos feitos de sonhos antigos. Também foram feitos de pensamentos. O tempo é arredio. Elaborar o luto de viver é encontrar a eternidade. Tive a alma por um segundo, que durou pra sempre. A eternidade do meu olhar é minha única eternidade. O vazio é a eternidade da alma, quando não estou só. A liberdade nasceu livre dos sonhos da sua liberdade. A inconsciência é um sonho. Vou viver pelo meu olhar. Você acredita em sonhos? Acreditar que sonhar é possível, me faz feliz. Sua falta de sonhar é um sonho, isso importa para você? Não consigo voltar dos meus sonhos para mim. A vida é cheia de possibilidade, não sou uma possibilidade da vida. A escuridão é como te olhar nos olhos. Minha alma conhece o nada que existe nela. A alucinação é se abrir para o mundo, não consigo enlouquecer, às vezes me pergunto se seria melhor. Como saber o que é melhor para mim? O que ainda pode morrer em mim? Morrer me torna ruim? O que falta na morte? Falta me ver sendo próxima a mim. Estou querendo da morte o que ela não pode me dar: amor! Mas eu posso lhe dar amor, mesmo sem receber amor da morte. Eu levei minha alma à morte. Tudo para falar de amor ao amor. A liberdade vê amor em tudo. O amor precisa de ajuda. Tudo se resume a um porém. A alma é sempre o porém de alguém. A alma é a dança da vida. Vida é apenas a maneira como dança a alma.

O conhecimento do espírito

O universo é tão pouco para o meu amor, que me sinto diminuir de espírito, até morrer de amor. Não existe existência sem essência. O amor se completa no ser, mas não como o ser se completa, e é através do amor. Tenho que sentir totalidade nos meus fragmentos. Eles não reagem ao meu apelo, parecem inertes de si mesmos. A lembrança existe apenas no fragmento que me aproxima da morte, sem seus fragmentos, absorvendo o nada sem o todo. É preciso o esmagamento da alma para que eu viva. O encantamento da alma sou eu. Se eu chegar a ser, vou morrer, por absorver a vida, tê-la dentro de mim. É cruel morrer por não ser, mas morrer por ser é uma alegria, é melhor do que o nada. Como me lembrar de ser feliz? Ignorando que eu poderia existir. Não lembrar de mim é ter Deus profundamente na alma. Deus recebe de si mesmo o ser, que não o recebe, mas o tem por viver. Viver é o conhecimento do espírito, que se faz ser. O ser é o lado desconhecido do espírito, que apenas o ser conhece. É o ser. Minha essência é meu ser sendo recebido por Deus. Deus me abraça tão fundo, que suga minha tristeza. Ainda me sinto só, como a esperar o nada. O nada não me quer, pois me ama. Sua renúncia me faz sofrer mais do que amá-lo. Saber é amor. Saber é viver no que sei de mim. E se eu não souber, o que importa é Deus saber, infinitamente por mim.