Blog da Liz de Sá Cavalcante

A distância de um adeus

O derradeiro amor não tem ausência, é a sombra do fim sem o fim. Este é o fim da morte: o fim do amor pela vida. A distância de um adeus é finita apenas na alma. Quero surpreender a morte com a minha indiferença, quero ficar à vontade ao morrer. Tão à vontade como se sente o sol no céu. O céu é o fim sem lugar. O sol é o fim como se tivesse encontrado um lugar no céu para ficar. O sol não deixa lembrança no céu, amanhece como uma lembrança no mundo. Vida perdeu suas lembranças num raio de sol. O sol perde a claridade ao iluminar o perdão sem luz. Tento acender o perdão em mim. A sombra é parecida com a ausência, ambas são infinitas no aparecer e no desaparecer do ser. A vida da ausência é a morte do meu ser, pode acabar com a solidão da vida. Sem solidão não há o amor.

Como saber como o ontem se sente?

O fim é uma realidade emprestada do amor. A invisibilidade é uma maneira de não me esquecer de saber como o ontem se sente sem mim. A alma se parte ao meio para não partir. Partir como se eu fosse o ontem é reconhecer a morte pelo seu fim. Nunca pelo meu fim. A morte tem o morrer dentro dela. Compreender a morte é compreender a vida. Torna-me vida para morrer sem a plenitude da minha alma, para acreditar que morri, que não venci a morte, é uma alegria, alívio, não quero morrer! Eu compreenderei a morte quando morrer. Não existo sem morrer. Perder a morte seria perder a mim. Amo a morte, mas estando distante de mim. Deus é a concretude de ser. Por sonhar demais, não posso viver ou morrer. A vida, a maior das vidas, cabe nas minhas mãos, na minha poesia. Mas não cabe na alma. A alma, na sua fragilidade, são todas as vidas. Meu amor é inessencial no amor de todos. Todos são o amor que sinto. Tudo que aparece no meu olhar é o espírito, por falta de vida, de alma. Agarrar a alma como se eu agarrasse minha sombra. Nada na sombra é sol. Na sombra o sol se vê na infinitude do céu, o céu começa a cantar o silêncio. Tudo seria diferente sem o céu. Até eu seria diferente de mim, como se algo fosse vida. Tudo é igual pela vida, até o amor que sinto. O olhar melhora a alma, a vida, mas não melhora a vida quando ela se torna esse olhar. Tenho vontade de ter esse olhar em mim, mas não vale a pena viver por um olhar, deixando me atravessar esse olhar no tempo que me resta para olhar. Deixo o olhar resgatar o adeus para me resgatar como um olhar. No amanhecer não estou mais aqui, em mim, por isso eu amanheço plenamente. Não existe solidão no amanhecer. Mas o amanhecer não existe no amanhecer. Tudo depende do amanhecer. O olhar nunca amanhece. A alma amanhece pelo olhar. Demorei para perceber a falta do amanhecer, foi quando minhas poesias anoiteceram que percebi. A inspiração se inspira na poesia.

A revelação do ser em mim

Renascendo, como uma sombra que cessa a alma. Renasci como ausência em ser. A revelação do ser em mim é a morte. Vivo o depois da ausência da vida como nada. Chorar minha morte transforma o nada em tudo. Sinto o tempo acalmar a vida. O céu entristeceu, não pelos mortos ou vivos, mas pelas pessoas que procuram o céu sem a realidade do céu: que é apenas o sorrir de alguém que sorri apenas no céu. Eu seria feliz ao morrer? Não sei. Sei que procuro ter no céu o que tive em vida. Não existe interior, existe o ser perdido na morte. Morte, como é fácil amar na morte, como se tu, morte, não fosse morte. A tristeza não é morte, é apenas andar nos próprios passos. A vida foi deixada para trás pelo esquecimento, como se assim eu tivesse uma realidade apenas minha. Quem sabe assim o esquecimento me faça lembrar da morte? De mim? A lembrança isola a realidade num abraço de amor. Amar é o único esquecimento que dói na alma. O fim se realiza em si, não como morte, mas como o sofrer sem agonia. Apenas a eternidade anseia pela agonia. O fim, começo de ser, é o nada, precisa unir o começo no fim. A morte maior, misericordiosa, é sem fim. Nada senti na morte. A vontade de ser é a morte. Nada vai além da morte. Além da morte não há mais nada. Dividir o fim com o que não foi visto como fim. O fim é perdão de Deus. Não existe Deus no fim, ele é vida. A vida existe sem Deus. Nada pode ser a perda do que não perdi. Ninguém pode perder o nada. O nada não é fiel a si mesmo. Como ainda acredito no nada? Acredito, pois o nada não tem alma, é apenas um sentimento. Ser rejeitada não é uma perda, é a falta do silêncio na vida. A vida é mais silenciosa do que o silêncio, mesmo sem o silêncio. Apenas o silêncio sabe do que vivo, eu mesma não sei. Tudo falta ao amor, mesmo sendo amor. A falta do amor é tão essencial quanto o amor. Comecei amando as pessoas para depois sonhar. O que resta da alma é o fim de sempre mais, onde nada acaba. O que resta do corpo é a falta de alma. Desconhecer o amor para conhecer algo a mais do que o amor: meu ser nas minhas poesias. Deixo a alma ser a sombra da minha ausência, num sol que apenas eu vejo. Ver o amanhecer o faz esquecer de mim. O amanhecer nunca poderia me esquecer, me deixar sem luz, mas ele me esquece ao me iluminar. Restou o depois sem saber que é o depois, uma fonte de amor. O amor não pode renascer, e eu não consigo nascer, nem mesmo por amor.

A vida é Deus a falar comigo

Posso amar sem alma, pois a vida de Deus é Deus a falar comigo. Falar não diz nada de mim. Em mim, falar é uma sombra que me assusta, me mantém viva sem a segurança da sombra do silêncio, que não esconde a sombra do que eu disse. Falar da morte afasta as sombras de mim, para que eu seja apenas eu: pela sombra da escuridão, sem medo, vivendo esse depois infinito. Não temo a morte, temo a mim, temo a minha ilusão de viver. É preciso guardar essa morte em mim, nunca falar dela: algo proibido, que fica no inconsciente, repetindo: sou só, para afirmar que ainda existe vida!

Penhasco de ideias

O rosto são máscaras de sol, a derreter o tempo sem amor. Quando o penhasco das ideias se fizer sol, no penhasco do céu interior não haverá mais pensamento, céu, tudo será um perfeito fim, que caminha sozinho num infinito sem solidão.

Receptividade da vida

O ser pensa amar, a vida ama tanto que se torna invisível nesse amor. Quero ver com outros olhos a vida, para não ver na criação do nada que nada resta à vida para viver. Amo, vivo apenas em sonhos. Tudo será, e é sempre mais.

A desgraça do corpo é a alma

Cheia de sonhos, nenhuma realidade para compartilhar. As pessoas querem saber apenas do real. Real são meus sonhos. Corpo e alma são maneiras erradas de ver o mundo e de se apegar nele. O tempo não cresce. Eu cresci e morri. Ver é o lado imperceptível da alma. O tempo da alma me faz viver no tempo da vida. Não deixo meu corpo livre para morrer. Impregna alma no meu corpo. Nada é morte, são apenas cinzas. A alma vive como se fosse eu. Palavras me emprestam suas vidas. Tudo que é tocado desaparece na alma. Nada permanece no pensar, nem mesmo a alma. A falta do nada se vê na alma. O olhar se vê na alma, em mim. Sem mim a falta do olhar se multiplica em almas. Alma, quero ouvir sua voz na minha voz para que a vida seja tua voz interior. Não saia de mim, alma. Você é minha oração, que abençoa o tempo perdido em mim, mantendo-me só. Nada se parece com a vida, nem ela mesma, nem o amor que sinto. Espírito, corpo, alma, ser, é o mesmo fim.

Canção de amor (para pai)

Vou te amar eternamente. O que você me dá nunca ninguém me dá. Você me fez uma promessa, me amando, me conduzindo neste amor. Deixa a vida acabar, ser apenas eu e você. Isso é mais do que a vida. Amor, canção que se escuta no sentir mais distante. Está perto de mim, onde não existe distância, proximidade. Tudo é esta vida de amor, tudo sou eu e você.

Minha solidão nas asas do infinito

Não tenho corpo, mas tenho, na minha solidão, as asas do infinito. Lembrar e esquecer, o tempo e o vento, é a mesma coisa. Sinceridade é aceitar a vida como ela é. A vida é sincera, deixando a morte dentro de mim? Além da escuridão, a luz enigmática dos meus sonhos, a me apavorar. A escuridão trouxe de volta a realidade, que não precisa de luz. A luz é alguém em mim, que não me ilumina: é apenas uma luz distante da vida, sem vida, é luz. Que luz cessa o amor? Nenhuma luz pode absorver o amor sem cessar a escuridão. Não me ofereça água, não tente dizer que me ama, me ofereça escuridão: seria como ter minhas poesias em mim. Sou o que as minhas poesias deixaram em branco, mas eu me acrescento a poesia, um resto de mundo não acabou e mesmo assim continuo só pela companhia da vida. Os fantasmas que atormentam a morte são vidas que nascem. As asas são minha única liberdade para existir. Nada supera a realidade, nem mesmo a escrita. Escrever é a luz do céu nas minhas asas. Incorporo o nada e sinto o céu numa emoção, amor, infinitos traumas são divisões do nada, penso ser nada, amor. Relacionar-se é a invisibilidade sem segredo. A aparência é o não existir. Existir é sem aparência, é o impossível. Escrever é o impossível no possível. O que posso dizer do tempo se já morri pela minha aparência, que era triste, mas me fez tão feliz. O céu não tem aparência, está longe da imaginação. Finalmente o imaginar existe sem a imaginação. Tenho fé, por isso não imagino, eu sonho.

Consciência surda

Tudo é consciência. Se a consciência estiver surda, serei feliz. Não sei o que dizer à minha consciência. Melhor seria para todos eu não existir. Desaparecer num mar de rosas, que é a morte. Consciência surda, foste um mar sereno de aceitação à vida. Foste fonte da luz da minha voz: apenas para não me deixar morrer. Quero morrer sendo a minha voz. A consciência é uma maneira de não ter realidade. A realidade seria o ouvir da consciência. O sonho nunca será esquecido. Morta, sonharei ainda mais. Eu entendo a fala do nada, é amor. Vivendo, deixo minha vida para o amor que eu sinto. Tenho que me sentir um ser? Não posso ser apenas amor? Trazer o amor para o amor é impossível. A inteligência é o amor. Amor é não sentir falta da vida. Excesso de vida é o fim da eternidade, que pousa nos momentos tristes para ser escutada no meu adeus. Seria feliz se a vida não existisse? O adeus sem a vida é paz.