Blog da Liz de Sá Cavalcante

Compensar o dia do anoitecer

O valor do amor é a sua invisibilidade. A noite aparece para o dia como um amor perdido. Ausência da noite danifica o dia. O dia é a razão de ser que se perde em noites infinitas. A alma acredita na essência do ser: única essência da alma. Essência é dizer adeus ao que se vive por um resto de solidão. A lembrança me torna só. Mesmo assim, eu cesso a solidão da lembrança, abraço-a como se fosse minha vida. E se a vida forem lembranças? Como esquecê-la? Como o sentimento deixou de ser lembrança? Fiz das minhas lembranças o mar de viver. Não consigo ir até mim, estou em mim, mesmo que signifique deixar de amar, pensando em ti, sem amor, há apenas o silêncio, dor sem fim, mais infinita que a alegria, que o céu. De repente a vida fica leve como o mar, para eu aprender a sofrer, que nada se foi, tudo continua. A existência se foi, tudo continua a partir desse momento inexistente. Apenas para ter a existência para amar, como se ela fosse o último sol, apenas para lembrar de mim. Ternura adormecida no amanhecer, como se, ao erguer meu corpo no vazio universal, o amanhecer fosse feliz, existindo no não existir. Nascer feliz não é morrer triste, com ou sem o amanhecer. O medo de amar não amanheceu, nada foi compreendido. Mas o amanhecer é incompreensão da vida. Nasci como o sol, distante de tudo, para amanhecer dentro do sol. Dentro do sol, há alegria, vida, eternidade. A imensidão é alegria, sem o mar. Lembrar de mim me faz morrer. A lembrança ficou sem sol, por isso as lembranças chovem em mim a seco. A alma se consola de lembranças que não sou eu, mas esta é minha alma, até no fim. Há tanto a viver sem lembranças, mas não há nada a viver em mim, na vida, nas minhas ilusões. Anoitecer por uma realidade é despertar para a vida, para a alma. O amor que possuo é a alma indo embora, deixando meu amor em mim, que é o mesmo que a alma partir sem lembranças, nas lembranças. O avesso da lembrança sou eu. Por isso, não posso falar que mudei por uma lembrança inexistente, apenas confiei que o mar são flores, e a vida, suas pétalas.

O nascer da realidade

A invisibilidade não está em um olhar, por isso, a realidade não nasce. Nascer nunca foi uma realidade, é uma náusea da alma. A alegria não podia ser ainda maior do que é. Nascer é uma alegria que cessa a vida. O perdão é nascer. Nasci mais do que o perdão me fez nascer. Assim, a realidade se preenche no nada, incorpora o nada, para nascer até de mim, que nasci sem vida. Mas tenho amor pela minha realidade. Dedico-me a ela apenas com meu nascer.

Desenho

Quero conquistar a vida, sem desenhar o céu, as estrelas, as pessoas, desenhei algo que a vida ainda não tem: o nada, vazio por onde eu percebo a realidade como um deserto de solidão a me amar. A vida percebe a beleza do desenho, não percebe seu valor. O amor não se tem na morte ou na vida. Melhor o amor ser apenas um desenho triste, de amor, pelo menos, é mais real que tudo que parece existir.

Quem sou eu?

Quem sou eu? Não sei, sei que algo necessita existir na tua ausência, mesmo que não seja eu, já é alguma coisa. Vivo entre intervalos de vida e de morte. Sofri sem o silêncio da morte, nunca me recuperei, nem mesmo em palavras, me retirei da morte para o nada. Quantas coisas inesquecíveis, profundas, o nada disse e eu quero apenas o silêncio da morte na minha morte. Eu morri, a morte está viva, tem algo a me dizer. Se ela disser, vai morrer. Mas já sei o que ela iria dizer: que me ama. Foi assim que matei a morte, que comecei a dizer: vida. Foi como amanhecer eternamente, não por mim, pela vida que desconhecia. Agora, pertenço à vida, mas ainda me refugio na morte para ser triste. É como um amor que precisa de cor, a única que tenho é essa tristeza, que não deixa a vida sem cor, brilho. Estou só, como uma luz que não se apaga, que encontrou quem a veja, por isso, é só. Minha luz te escurece. E você, inexorável de alegria, mostrou que sempre serei só. Mas meus sonhos me tornam tão só, melhor morrer como se tivesse o seu amor, ou vou dormir por sofrer em não morrer? Morrer é apenas uma capa, uma casca, esconde quem sou. Tarde demais, a vida não notou minha presença na morte. Mas eu notei sua presença em mim.

Luz invisível

Luz invisível, claridade maior do que a vida. O inesperado se faz luz. A luz é um problema para mim, que não me vejo nem pela luz nem pela escuridão. A luz viverá os momentos perdidos, eles viverão na luz. Somos apenas luz na escuridão.

Inovação do nada

Deixa minha vida começar em outra vida, onde a alma é apenas um momento, um momento de lucidez, não preciso desse momento: ele existe em ti, alegria, nunca mais ninguém vai tirar essa alegria de mim. A alegria é como um sonho. Deixe-me sonhar um pouco mais. Faça-me acreditar. Ficar no teu silêncio me faz duvidar de ti, vida. O sol ilumina minhas poesias. Nada tenho a dizer além de poesias. O tempo e o vento são a mesma coisa, não é o mesmo amor. Amor é tão irreal na presença do outro. Um pouco de esperança não pode prejudicar meu ser. A noite sai de dentro da noite, entra em meus sonhos. Esperança, segurança para os meus sonhos. Que sonhos teria sem meus sonhos? O que importa nos meus sonhos? Deixar de sonhar, é claro. Mesmo sabendo que não podem cuidar dos meus sonhos, alguém os sonhará um dia, e o céu terá mais estrelas. Serei sua constelação de estrelas, onde estou sempre ao seu lado, vida, como sendo tua falta de uma história, mas a falta de uma história já é um fato. Renunciei os fatos por uma história que tenha vida, mesmo sem ser a minha história, fico feliz pela vida ter uma história. O que poderia dizer a vida? Que a quero dentro de mim? O que significa querer? Não sei. Sei que quero sentir algo diferente da vida e da morte. Quero ser eu sem interferências, sem refúgio. Apenas a minha esperança para me tornar boa, como se pelo menos a minha bondade pudesse viver, mesmo sem mudar a vida, o mundo. É libertador ser boa no que me faz sofrer, mesmo sabendo que nunca me fará feliz.

Força do irracional

Sinto o som do nada no meu pensamento, é como o silêncio. Vida, te amo espiritualmente, mas na minha realidade não adianta ter vida em mim. O amor é essencial ao irracional. Tenho febre de realidade, como uma sombra no meu amor, sedento por luz. Posso enlouquecer na luz, nunca serei escuridão. A escuridão é o nascer da morte. Rezo pela irrealidade do irracional. A realidade do irracional é meu desejo de querer viver. Deixo a razão no irracional da realidade: é onde está minha verdade, minha liberdade de morrer. Morrer é o princípio de tudo. Jamais acalentei a verdade, nem mesmo com poesia. A verdade é não viver!

A impotência do espírito

A vida é da alma, o espírito empobrecido, ainda assim, ama, mediocremente, afastado da realidade do amor. Amo somente pelo espírito: sou essencial para ele. Nada necessito, quero apenas ouvir o vento, para eu nunca nascer, nunca morrer. Quero ser o vento do vento. Quero que o infinito seja apenas a morte, sem lembrar do fim, assim, torno a morte viva, como sendo um passado que preciso sentir. A poesia é necessária, mesmo sem amor. Poesia é uma estrela que não encontra o céu, o mar, para sua imensidão. Minha mão de estrelas deu vida ao céu. Deixa teu sentir ser minhas mãos, navegar, já é o oceano, na vida, na morte, no adeus, que não se despede da morte, se desprende de si, não é mais nada, mas ainda é o amor esse adeus, ele não sabe, morreu antes do que sou, de ser amor.

Mesmo assim

Não há aparência, mesmo assim, a aparência existe como sendo o fim da realidade. A vida é um erro, ou é uma ilusão. A vida não se acostuma com o ser. O ser de uma vida, não existe nem em si mesmo. Como estar onde ainda existe a vida? A vida tem que ser inventada. A vida está dentro de impossibilidades. Não importa se vivo ou não, importa que meu amor transcende, expande, cura, chega até a alma. A alma se isola no nada. Apenas a alma se isola de verdade. A alma é a companhia de Deus. Pinto a alma com as cores da emoção uma pintura da vida, para eu viver pela vida. É mais amor viver na pintura da vida, sem a vida, imagino-a como eu a quiser sentir. Sentir é não sofrer.

Direito de amar

O direito de amar é ser amada como sou. O direito de amar pode ser a falta de corpo, falta de alma, ou então pode ser eu. O ar da alma é por onde respiro. O ar da alma me deixa sem direito de amar. Tudo que posso dar de amor é o ar da minha alma, que deixa de ser o meu ar se eu amar. Abro a vida com os pedaços que lhe deixei da minha solidão. Deixaram amor na vida, ela recusou, quer apenas meus pedaços de solidão. Deem-me o direito de amar aos pedaços. Salvar pedaços é mais do que salvar a vida. A vida não alcança os pedaços. A vida não é feita de pedaços, por isso, é sem valor. A alma não descansa: não é feita de pedaços, aos pedaços. Converso com minhas poesias. Minha morte se aproxima da poesia. Não há poesia em viver. Os mesmos olhares, a mesma fé. A morte torna a vida bela, agradável. A morte é morte dela mesma. No nevoeiro, ficou o adeus do olhar como sendo o sentimento que restou da vida. A vida surge no nada, mas não surge no ser. Fecho os olhos no nada para ver o nada como me vejo. Ver perde o significado no nada. Mas o que eu teria para ver se não fosse o nada? Escrever poesia é ser cega no nada e não saber a diferença entre o tudo e o nada. O nada é o olhar além do infinito. Mas o olhar é o fim de tudo. Mesmo assim, o olhar não se determina no fim.