Blog da Liz de Sá Cavalcante

Tempos perdidos

A alma é a desigualdade de ser. Expressar a inexpressividade é o amor da alma. A vida do todo é o amor. O amor parece essencial, mesmo em tempos perdidos. A ausência é sem tempo, isenta do tempo, assim como de noite chove. O tempo sem ausência devora a lembrança que me esforcei para ter. A ausência refez minha lembrança como o fluir do mar no fluir do meu ser. O amor não se esgota no seu fim. Deixei de ser para amar. Deixando-me, aprendi a ser.

Vida do espírito

São o amor, vou tirar a morte da vida e colocar flores na minha dor, e deixar de morrer: esta é a vida do espírito. Vou transformar a vida em espírito por meu amor à vida. Não há o que chorar no espírito. O espírito se afastou da alma para viver. O que vivo eu amo, por mais que ame a vida, não a amo o suficiente, para me emocionar com o amor. Tudo é morte, o resto são sonhos abandonados por uma vida inexistente. Porque a vida não pode ser amor? Quando é que o amor é um sonho? A ausência é uma lágrima de adeus. A verdade existe apenas no amor. O silêncio inconstante do não existir consolou-me de mim. A palavra não existe sem a vida. O meu amor é precoce. A alma é este nunca partir de dentro de mim. A parte de mim que está inteira é leve como uma folha de árvore que cai no chão. Como saber o que é viver? Vivendo. Se eu deixasse o sonho ser o que quiser, a poesia me escaparia num suspirar eterno. E essa eternidade existe na folha que cai da árvore. Essa folha é minha eternidade, pois ela não sonha.

Vida

Estou feliz apenas por estar feliz, ao conhecer a alma, todo encanto, milagres, são possíveis, como o nascer da esperança viva, que não existe reprimida ou adormecida em mim. Sacudo tudo em mim, me sacudindo, me sinto ainda viva, como a minha esperança renascendo como o sol, a alegrar minhas dores, tristezas com esperança se tem tudo: posso ver o fim do mar como um amor infinito, onde o sol se fez mar, e a alegria tornou-se eterna. Cada dia estou nascendo um pouco, mas não nasço completamente, por isso, sei que a minha solidão, é um milagre de Deus em mim.

Tensão

Estou tensa, não consigo chorar, esvazio a dor sem chorar, morrendo calada, no silêncio de morte da ausência. A ausência sabe o que dizer a mim, prefere que eu morra, deixa de ser ausência com morte e se torna vida. Nem lembra de mim, do que sofri por ela. Dei a minha vida por ela, achando que assim eu seria eu. Nada desaparece na ausência, vi a luz da morte sendo presença na ausência, nunca será uma presença ausente. A alma da morte faz bem às outras almas: é como se o sol começasse a sorrir, mas é apenas a lembrança do antes. Não é a lembrança do amanhecer. O amor é o sol depois do sol. O amanhecer não pertence à vida, pertence aos sonhos. Toda esperança é o amanhecer. O amanhecer não sobrevive à realidade, mas sobrevive ao ser. O ser ama pelo amanhecer. Pelo amanhecer, o mundo, a vida, existem e, assim, há paz.

Desassossego

Sinto o não sentir. A alma existe no concreto: eu a cheiro, a amo, e por isso a ignoro como uma vela nunca acesa. É tanta luz, não há espaço para a escuridão dos meus sonhos. Tudo é luz, realidade, que se confunde com a realidade do ser. A falta do ser. A falta do corpo não determina a alma, mas é alma. A alma já nasce alma, eu não nasci eu, me tornei eu pelos meus tormentos. Lembrar de ser já é ser. O cessar é a alma no puro sentir. Nada está na sombra do amor. Exausta de sombras e imagens em mim, quero apenas ser real, como uma flor em pétalas. Quero a saudade clandestina que torna o sofrer meu sofrer. Não tenho ilusões no meu olhar de ilusões. Adormeci na ausência de um adeus, que me afasta da falta de mim. Deixo minhas mãos serem alma, pela paz temida, para poder morrer de mim, ser cura para as minhas mãos de sonhos. Procurei minhas mãos: elas são minhas poesias concluídas por serem só. Vagando de uma poesia a outra, não me sinto perdida, triste. Sinto-me eu, mãos calejadas de sonhos, os torna vivos, reais. Enfim, posso morrer, na paz de Deus.

Mergulho no nada

O nada, raso em meu mergulhar, onde não há ausências, perdas. Meu olhar raso, vazio, triste, perdido no infinito, capta a vida, num mergulho finito. A lua despedaça o infinito, com a sua grandeza de alma. O infinito não é mais só: está despedaçado. Não há nada pior do que morrer sem poesia. A poesia me torna um ser, um ser para a poesia. O fim da alma tem portas nas ausências, desembaraçadas pelas perdas. A perda é definitiva. Sorrir é a perda de mim? Não há saída na consciência. A consciência é o fim das perdas. A consciência é o fim do ser, da ilusão de ser só. A permanência nunca é o agora. O agora não existe, mas eu existo. O nada toma minha ausência de mim, a tornou consciência, onde tudo é possível. A alma é o passado. Cheguei ao fim da vida ao morrer. Mas a vida não tem o meu fim. A minha morte sendo o fim de tudo.

O absurdo de sofrer

É absurdo sofrer como se eu existisse. A apatia da alma em mim é amor na insensibilidade absoluta. Sofrer é amor? Defino o sofrer como a ausência, a falta de alma no meu amor. Com o meu amor, a falta do amor é meu ar. O voo da morte se debatendo no céu, como um sonho. Apago minha alma na luz do sonho. A primeira luz se perde em céu. Não quero prender a luz nos meus sonhos, como se ela fosse a lua da imaginação. Meu corpo se movimenta de solidão, mas não vive de solidão. Poesia, quando não puder te ensinar mais a sonhar, entre no meu corpo, onde se isola sem coerência. Deixe-me em meu corpo, e então pode me esquecer, como faria com uma estrela sem luz.

A eternidade da eternidade

Escrevi na escuridão sem vazio, alma, ser. Escrevo o nada. Cesso o sonho na presença do sonho. Nada importa: tudo é eternidade da eternidade. O sonho não é o mesmo sem o fim.

Lagos da consciência

A transparência não é consciência, é mais do que isso: é um lago da consciência que retribui ao nada sua própria consciência. Não tenho consciência do céu. O céu está dentro de mim. O que ilumina é a falta de consciência. Minhas poesias se desmancham no lado da consciência, como se houvesse ideias de poesia. Poesia é amor. Me arranca de mim, poesia, me faça viver. O sol aparece na poesia, onde a lua são minhas palavras, no sorrir profundo de ser alguém para mim. A lua penteia as palavras. Transcender é a memória do nada, é o nada, me dando vida.

Dispersão

O pressentimento de morrer é o nada sem o nada, numa dispersão absoluta e absurda. O que imagino é o real misturado com o sonho. A paz é imaginação. O sonho às vezes é imaginação, às vezes é apenas certeza. O excesso não é de escrever, é de viver. Não há alma no sonho, na alma, é uma ilusão. Apenas a morte é penetrável, como uma pele que se abre sem se partir ao meio. Sonho com uma morte impenetrável, em que posso lhe falar de tudo. Mas a morte me escutará? A morte não me escuta no céu, me escuta em mim. A morte é o desejo de ficar sem a eternidade da vida. A eternidade do ser não é a vida, sou eu mesma. Pertencer à vida não me faria ser, existir. A aparência é possível do ser. O nada não é nada, é a sabedoria divina sem a dispersão de ser. Sou dispersa ao lado de alguém, fica apenas o momento ainda intacto. Sou livre na liberdade da alma. Falta a beleza, o sentir. O bocejar da alma é o mundo. A verdadeira existência é o nada. A falta de existência me faz perder o nada sem perdas, como algo que não era meu, então não existia para mim. Me dilacero sem o nada: única lembrança, referência de vidas. Vidas que são opostas ao nada. O fim da vida não é a morte, é o ser. A morte é a alma a falar comigo, preenchendo minha vida da morte. Não há eu para morrer. A escuridão se aproxima do nada. A morte retorna à morte, saindo da morte.