Blog da Liz de Sá Cavalcante

E se eu for apenas o sonho de alguém?

Como o sonho se tornou ser? O que sonho faz parte de mim? Meu ser é a consciência de ser: ele não sabe disso. Saber ser é impossível, mesmo assim sou. O ser é impossível na alma: se dá à alma. O sonho é a falta da alma. O cemitério é a alma das almas, onde sonhar é infinito. O que resta da alma é a vida. Vivo a vida sem alma. O sonho não tem medo das palavras a correr no vento. A palavra é livre, sem precisar do ser. Não há ser nas palavras, mas há palavras no ser. Se sou apenas o sonho de alguém, não há o despertar. Nada em mim sonha nem desperta. Não posso dividir minha alma contigo, mas posso ser tua alma. Dividir minha alma me faria ter alma. O pensar é onde se esconde a alma. A alma não precisa se esconder: é inexistente. Não vou descobrir a vida, descobri a mim. A consciência da alma é o nada. Para haver existência é preciso cessar o ser em alma. Ver sem alma é morrer vivendo. Viver é nunca ser. O não ser vivente não pode ser alma, é despedida do nada. O não ser é alegria, é o céu depois do céu. Na ausência da ausência, morri como presença, mas a presença não morre como eu. É inacreditável a presença. Acredito na presença do fim. O fim sem a presença é autonomia. Parar de viver é o infinito em mim, por mim. Não há infinito no infinito. O infinito é deixar as lágrimas a florescer no abismo de mim. Esquecer a intimidade do céu nas minhas lágrimas. O esquecer é pensamento eterno. Se eu for apenas o sonho de alguém, o esquecer cuida de mim? Meus braços são sonhos do meu corpo inexistente. Os corpos inexistentes são eternos sem sonhos. Quero meu ser sem sonhos. O segredo de um olhar é o ser.

Extremidade

A vida não tem uma vida de amor. O amor da vida, inexistente, me faz viver. Momentos de mim são o fim da vida: este é o começo do mundo. O fim cria a si mesmo. Não há nada entre mim e eu. O que tornou a alma alma foi a minha ausência. Existir é a falta do olhar. Nada tem fim na falta. A presença me entristece, como se minhas lágrimas fossem as minhas últimas lágrimas. E o céu era a luz da minha dor. Mas, quando a escuridão se foi, percebo a minha morte na luz do céu. O sonho na escuridão reflete o céu. A alma da morte é sem céu. Morrer na alma da morte é ter alma. Alcançar o céu não é extremidade: é o que tinha que ser.

Intuição

O céu da alma se foi sem intuição de partir. A vida é um engano, uma lágrima que não desde na alma. Tento viver. Apenas na ilusão não há ilusão para ser. A desilusão é a alma da ilusão. Espero o tempo que for para viver, mesmo se arrancar a minha alma. A intuição de viver me faz viver. A vida caindo das nuvens não é mais vida. Luto, unida à vida, por uma vida sem solidão, não quero levar da vida apenas solidão. Desejo que a solidão seja feliz. Sonhar é ver a alma. A alma não se vê no meu sonho. Para ser feliz, o sonho se materializa em ser. Para recuperar o nada, tenho que alcançar estrelas. Estrelas de dentro de mim.

Poetizar (tornar poético)

O fim de tornar poético é a alma. Para o mundo no amor. A alma do coração é a poesia. A vida surge como morte, como saída do nada. O silêncio amarrotado de palavras faz surgir a vida interior e exterior. O que sofre o real, o meu interior. A consciência já foi realidade: era uma consciência vazia, carente de mim. Fiz da consciência o meu corpo, não a tornei eu. Eu, sem consciência, não sou vazia. A consciência me impede de pensar, de sentir e de viver. Não quero ficar só na consciência: é amor. Tem consciências que são a despedida da alma: a falta de alma é amor. Escrever é um momento inexistente: pura alma. O poético não é escrever, mas a minha ausência. Tem ausências que são vidas que curam. Segurei as mãos da ausência, lhes disse que não tem problema sua ausência: o que me importa é ela ser feliz. Escrevo feliz, ausente de mim. Não sinto falta da presença. Ela não fez diferença para mim. Vou poetizar-me em ausências: serei a pedra, o mar, toda natureza possível, apenas para não ter minha presença. Minha presença é morte, transcende nas palavras. Sinto as palavras sem morrer. Minha presença não me perdoa por eu viver.

Cinzas da solidão

Jogo as cinzas da solidão na minha morte. Corpos se fundem na solidão, perdem sua alma. A perda da alma se mistura com a perda da mistura dos corpos: os separou para sempre. Nessa mistura, simbiose de uma vida, nasce a saudade. A saudade trouxe minha alma de volta para mim. Perdi a vontade de ter alma. O agradar da alma me desagrada. Sem a alma, não pareço nem mesmo comigo. O vazio são cinzas da solidão. O vazio é o apoio do céu a se sentir como me sinto. O amor é o céu. Minhas mãos, cinzas da solidão, a moldar o céu. E as cinzas desaparecem no céu, na solidão do céu. E o céu se tornou mais céu, como se eu pudesse abraçar as minhas cinzas. Devolve-me minha alma em cinzas, como se fosse a presença de alguém em mim. Sem cinzas, sem presença, sem adeus. Cinzas, recomeço do nada, faz da vida saudade, onde recomeçar não é vazio. É vida nesse adeus-presença. Abro os olhos para a vida e cesso meu amor por mim, sem razão de ser, de existir. Enfim, eu nas minhas cinzas onde me entrego à falta de saudade, e assim não perco a fé em mim. O declínio da saudade é nunca mais de me fazer existir. Sou minha existência. A fé abala a vida. Ainda tenho minha existência, que, para mim, é a minha vida. Minha existência vai existir, mesmo depois de eu morrer. Assim, minha existência vai ser a vida de todos. Não morri, me multipliquei.

Entre o sono e o sonho

Entre o sono e o sonho, o vazio da morte. Entre a vida e a morte, a poesia de ser eu. Eu para mim. A alma tem sono de infinito. Eu tenho o infinito no olhar. A alma é o infinito de Deus. Deus é o fim de si mesmo. A alma é a morte e o despertar de Deus. Não consigo sair do meu olhar, mas o olhar sai de si mesmo: para me ver. Ver é o abandono do abandono. Mas o fim não é o abandono. O abandono do fim não é abandono: é amor. O abandono do céu é triste, sem ausências. O céu se une em seu abandono. Nada vem do céu. Nada é fácil. O céu das lágrimas é a prioridade do sentir. O sonho desvenda a alma. Não há alma nos meus sonhos. Ter alma é ficar pendurada na morte. É melhor morrer do que ficar pendurada na morte.

Vida plena sem o prazer de viver

Para me sentir plena, não preciso viver: basta eu suspirar como um pássaro ferido, ser as asas de um pássaro. A vida plena cessa sem alma. A alma tem que amadurecer sem ela mesma. A alma não ama sem alma. A infinitude é a fragilidade do meu pensamento, que é todo o meu corpo, toda a minha alma, na minha inconsciência de vida. Guardo minha morte no meu amor. O que vivo é o que sou? Ou é o viver que vive em mim? Não preciso de mim: preciso apenas do ar da imaginação para respirar numa ilusão perdida. A realidade é irrespirável, como uma canção muda. Sair pela alma na inconsciência da vida. Voltar para a alma na consciência da morte. Mas nenhuma consciência ou inconsciência cessa minha alegria, cessa apenas o meu ser.

Emoções

Não há emoção em viver: me emociono com a falta de emoção. O conflito da alma com o corpo é a emoção. A eternidade é a perda de emoção no ser: nasce o amor. A perda da eternidade é o amanhecer. A alma resgata a morte, refaz o nada no tempo. Sou a tua ausência no meu amor, que divide o tempo em cada um de nós. Cada um é um pouco eu na lembrança da ausência. O céu demora a existir: a ausência está sempre em mim, por isso, prefiro viver.

Fé na morte

A ausência é eternidade da vida. Afundo nas minhas cinzas, sem a profundidade de ser. A ausência de alma me torna o infinito de mim. A ausência é o desejo mais pleno: vem da alma para o ser. Posso morrer, mas o sentimento de morrer não existe. O espírito é onde não há falta de ser. Ao imaginar a vida, vivo na realidade transcendental: do espírito. A realidade do espírito não transcende em mim. Morre em mim, na fé da morte.

O concreto no sonho

Sou o ar da alma, a necessitar da alma no concreto, no sonho: isso é ausência. Ausência para ver a luz nas trevas. A ausência me faz viver na voz da consciência: é a própria ausência, personificada em morte, na minha morte.