Blog da Liz de Sá Cavalcante

Sem superfície

Sem superfície não afundo em meu amor por mais velho que estiver. Amarrotada em mortes, que nunca senti. Sentindo a morte, escuto a vida por dentro de mim. Ela me faz deixá-la, no aperfeiçoamento do sentir: torna-se imperfeita no meu sentir.

Incessante

Tudo que existe é o pensar sem o incessante de mim, de morrer. São precisos muitos nadas para amar.

Saindo de mim para mim

Não sangro saindo de mim, sangro ao voltar a mim, deslizando em nadas, descubro minha alma sem sangrar. O mar invade o mundo no nada, na poesia. Ver o mar é ceder ao nada, mergulhar no mar é ser o nada no mar do amor. A ilusão se perde no vazio de ser. Não éramos nós, era a continuidade da vida num vazio sem amor.

Variações de alma

Amo a morte, amo o essencial. Amo a falta de fim no fim. As variações da alma sem nenhum ser. Por isso, o que se vive do amor é o amor sem o ser. É como se algo além do ser estivesse ali: o vazio, a dor. Não vivo, me absorvo em um infinito impossível. Alma é a morte vindo. O meu fim está dentro de mim, por isso, não morri. O martírio de sonhar é como um sol a se apagar por um instante de vida. O existir não existe. A alma é o existir morto, existir é quase um ser. É quase uma alma fora da alma. A alma exterior à alma é o tempo. O interior da alma é a morte. Sem o interior, a morte não pode morrer ao morrer. Morrer é o interior.

O infinito impossível

É preciso nascer da luz para ser luz. O que foi derramado em poesias nunca mais eu terei: a sua essência. Mas, mesmo sem essência, compreendo a poesia. Nada se perde na poesia, por ter perdido a essência em um infinito impossível. O desejo da alma é desaparecer nos encantos de ser, e ser um encanto para mim. O amor existe, mesmo sem nenhum ser. Por isso, o que se vive do amor é o amor sem o ser. É como se algo além do ser está ali: o vazio, a dor. Não vivo, me absorvo, em um infinito impossível.

O todo no nada

Não vê a morte do alto do céu, por pensar estar a me ver, mas não me vê como eu te vejo. O todo do nada é a ausência de nós. A ausência de nós em nós é o meu suspirar eterno. O meu suspirar é o meu outro ser sem porvir. O porvir é a perda da vida nos meus sonhos. O sonho é o real, o real é o sonho. A vida tem alma, a alma do sonho é o teu adeus. Achei teu adeus na minha alma, no meu amor. Amor que dura onde nem seu adeus permanece. Beatitudes de morte não ficam no passado. Estão sempre ali, a cuidar do meu consolo. Soluços de vida são meus sonhos. O todo do nada é o fim dos meus sonhos em um todo no nada.

Névoa

Vejo em névoas de alma. Minhas mãos são névoas de alma na minha poesia no outro. Construiu a alma sem a alma. Penso alma na alma. A alma se fez só ao destruir a solidão.

Sonho de luz

Vou morrer antes de morrer, antes de mim. E o sonho de luz se desfaz em poesias, para acordar o sol. O ar mata a alma, purifica. Nem a morte cessa a ausência, o fim da ausência é Deus no ser, Deus em Deus. A realidade não é presença. Presença é ser só: é conseguir ser só, sem a presença do nada.

Ainda estou aqui (para pai)

O que está unido no amor, no ser, no mundo, no céu e é onde ainda estou aqui: na morte, na vida, no que vier, no que não vier, é a mesma sombra de adeus, ternura de reencontros: é o meu eu em mim. A morte obedece à vida, é escrava da vida. Dessa escravidão nasceu a liberdade: nasceu Deus. A razão, inexistência de tudo. No amor não há inexistência. A inexistência é o silêncio que não posso ocultar, ser a inexistência. Não posso ser a inexistência. O meu amor, inexistência da vida. Pulsos de alma, cortados com amor. A igualdade do agora e do passado, do ser e o nada, é o amor. O amor não pode ser amado. Nada morre em si. Morre no outro. Como receber do outro sua morte? Ninguém sabe o que significa morrer, nem a própria morte. Na morte, como a falta do adeus a mim. A alma não conhece minha dor, me conhece melhor do que eu: me vê feliz. A alegria é um pedaço do céu, que Deus guarda para mim. Mas o céu, não tem o teu sorrir. Ainda estou aqui na morte, onde não pode me encontrar, mas pode sorrir como se fosse eu. Sou um pouco você. Sou você.

Sinceridade de sofrer

Extrair a alma do nada é amor que se faz só. O amor se faz só, por ter um ser com ele. Dar ao nada o meu amor e não receber, me inspira a ser eu. Me mostre quem sou sem o meu ser, e conhecerá algo mais essencial: minha ausência, meu olhar. O adeus é a sensibilidade do nada. Meu ser existe na falta de pensar: é ausência, a falta de pensar. Não é ausente de mim, essa falta de pensar: é uma presença que participa. A presença é pessoal, íntima. Mas a presença não é íntima de si mesma. A presença é a inexistência de vida, de ser. Fisicamente sou presença de alma. A alma traduz o amor sem presença, na eternidade do adeus. A alma são duas: a da morte e a da vida. Nunca se encontram: assim, nasce o sonho. Apenas o nascer não nasce. Sobrou da alma, a vida. A certeza da alma é o nada da incerteza. A alma fala por mim. É demais viver. A vida é o outro em mim. Sem o outro não há vida em mim. Ser é para ser a vida. A vida que existe no outro, mas ser é vida, até o outro existir. A vida é o negativo do ser. O corpo nada quer de mim. A alma me suga. O corpo não consegue se fazer corpo no ser, nem em si mesmo. Não há corpo no ser, não há falta de ser. Simplesmente não existe ser. Mas ainda há o ser da alma, dentro da falta do corpo. Meu ser é substituído pelo passado.