Blog da Liz de Sá Cavalcante

Me projeto em meu ser

A angústia toma-me por uma falta sua. Antes de eu morrer já conhecia a morte de mim mesma. A percepção destrói a morte, sendo sua morte sua própria inimiga. A morte envolve-me. Preocupo-me em não morrer. Preocupo-me em morrer. Tudo me preocupa. Nos momentos mais difíceis, a morte ajudou-me sem abrir a minha alma. Mostrar a vida ou não mostrar a vida. Olho pelo olhar do nada, onde estão todas as vidas. Escrever não é coragem. É refúgio, é uma saudade meio torta, defeituosa, por isso, real. Precisa faltar algo em mim para eu ser inteiro, como uma flor a despedaçar-se no belo para ser linda, como a volta da flor. O inesquecível é que a flor é uma flor apenas para mim. Existo. Vivo como uma flor, flor de pedra, que se endurece ao amar. Amar a flor é amar-me. É urgente amar. O talento do amor é o tempo da flor desabrochar ao meu olhar. Meu olhar são flores vivas. Devo a ti a flor do meu coração, da minha alma, do meu amor, em um instante perdido, em viver sem flor. Flor é a lembrança eterna de depois. O depois da flor é um jardim de um esquecimento atual: o futuro. A rosa é como um sonho de ver-te, alegria, nas minhas faltas, que são presenças de amor. Minhas mãos sufocam-me. Não consigo segurá-las em flor, em alegrias. O corpo penetra nas rosas, onde o único suspiro são rosas. Afrouxam-se vidas em um sentir de rosas, na eternidade que me cerca: é mais céu do que o céu. Nada me torna eu perto da flor, na qual a eternidade amanhece, eu sendo seu sol, seu amor eterno. Nada de ilusões. Sou o que foi destruído na beleza da rosa. Rosa, não necessitava ser tão bela, bastava que suspirasse por mim. Eu tinha que ser bela para sentir a beleza da flor. Ser para a flor do meu ser, o meu ser, é ser para sempre eu para os eus vários do mundo.

Estímulo

Perceber é morrer. Nada percebo em ser só. Ser só não é uma definição, é uma presença, um amadurecer eterno. Por onde nasce o mar, o sol, a aflição me deixa sem amor. O amor sente o nada em vez de amanhecer, de amadurecer. Amadurecer é partir no melhor de mim. O melhor seria não partir? Nunca vou saber. A imaginação é renunciar a mim como irreal. Reconhecer que sou real é mais irreal do que tudo. Meu ser é uma sensação que mata o que não existe. Existir é o passado no agora. Não sei o que sou agora, logo agora que estou vivendo. Viver aprisiona o aprisionado em mim, faz-me seguir em frente. Sem defesas, venci, vivi. A alma não tem alma. O além do ser é a alma. O além de mim é a poesia. Encanto o céu com poesias. Não resta estímulo em viver. Viver é inexatidão do ser. Não existe antes ou depois de ser, existe a vida no ser.

Reação ao sobreviver

Sobrevivo à reação de sobreviver. A separação do corpo e da alma é o amor reagindo ao meu sobreviver. Viver é apenas um véu, esconde o ser nele mesmo. O amor faz eu não reagir ao nada. A impressão de viver é mais forte do que a vida. Mais profunda, mais real. É necessário rejeitar o amor para a alma ser dona de si mesma. Em mim o amor existe. O amor é eterno se não existe. A consciência é ausência absoluta de mim. O tempo cessa no meu pensar, não em mim. Da ausência de mim nasce a vida.

Separação virtual

No olhar, a separação virtual transcende e une a alma, no nada da falta de desespero. A separação virtual na alma é o amor da poesia em um desprender de vida. O sol derrete nas minhas mãos frágeis. Torna-se lua. A lua dos meus olhos não é tristeza, é amor. Amor sem alma é um amor único, raro, o ser pelo ser. A separação virtual devolve minha imagem a Deus. Renascer no fim da vida sem despertar de sonhar, de morrer.

Irremediável

Começar a viver no irremediável é viver de verdade. Saudade é conseguir andar no precipício como se fosse o chão. Saudade é a força contínua de ser alguém no amor que sinto em viver. A saudade de mim recupera meu amor por mim. Sinto saudade de mim quando estou com os outros. No fim, torna-se saudade nos outros. O que ignoro sem perceber que ignoro é a realidade. Realidade é me ver quando estou só. Ser só é aprimorar a vida. O sol de cada um faz a alma nascer, estando nós todos de frente, vivendo o sol de cada um em todos. Ausência é o ser em si mesmo.

Vida nova em uma vida antiga

Minha consciência me separa de mim por não pensar o não ser de mim. Tudo fica em mim no tendo sido. Meu ser é um ficar permanente, mas esse ficar nunca será alma, quer apenas o meu amor. Minha consciência é uma vida nova. Compartilho meu corpo com o resto de mim para amar. Internamente não sou eu. Se a vida fosse vida, não haveria o conviver.

Reclusão da alegria (Cativeiro, prisão)

Vida, vivo pelo seu olhar em uma reclusão do nada, da alegria. Não elaboro a alegria na vida, mas no nada, que resolve minha alegria na minha morte. Morte são cinzas do nada. Vida, me olhe, mesmo que eu nada signifique para você. Ver-te, vida, faz-me viver. Você, vida, vendo-me é a minha eternidade. Pela eternidade somos duas almas separadas: eu e a vida. Almas nunca se unem. Deixa minha vida vazar como a minha pele, que se abre expulsando meu corpo de mim. Sem mim meu corpo vive. O céu e o infinito são duas almas encontrando-se na morte do ser. Como unir a alma aos acontecimentos da vida no olhar? O olhar é o consolo de eu ser eu. Ao olhar sou o mundo inteiro. Sinto-me desconsolada de tanto amor.

Ver

Ver é apenas uma sensação confusa e vazia. Ver é não ser, mas o não ser é a lembrança que não pode existir sem mim. Guardo o não ser na alma. Ver é o infinito, é o vazio. Nenhum vazio é o fim. O tempo é o vento sem descobertas. O amor é mais do que ele contém. O amor cessa no olhar, nunca na alma. A semelhança morre na sua ausência, não na minha. Ver é dar razão a minha ausência.

Percepção

A percepção não me percebe percebida. A percepção que não existe são meus olhos, massacrados por uma percepção angustiada. A passagem para o nada são os meus olhos. O nada responde a minha vida. Hoje tenho ideias pela escrita. As ideias são como a certeza de viver. A percepção é a falta do ser, confunde-se com a vida.

O privilégio de sonhar

A sensibilidade do adeus é o privilégio de sonhar. A vida é um buraco dentro de mim. Queria que a alma fosse os meus buracos, as minhas faltas. Faltas preenchem meus buracos vazios. Pelos buracos em mim não morri. A minha distância de ser só é a falta de mim. A falta que eu sinto da falta acende o sol. Assim sei que meus buracos não são o meu amanhecer. Amanhecer é a falta de amanhecer. O dia não é lindo. A vida é linda. O dia esconde a beleza da vida. Vida, transformaste morte em saudade. A saudade é a única eternidade. O tempo partiu para ser vida.