Blog da Liz de Sá Cavalcante

Pressa em viver

A ausência nunca será presença. O tempo é ausência, presença como areia ao vento. A ausência é saltar no infinito para te ver, vida. A vida não quer ser vista, se adaptou a mim: ao meu não ver interior. Apressada, a vida foi ficando. Foi assim que a vida não permanece. Permaneceu sem a pressa vazia de ser. Ser não é viver, não é ser. Não é existir. Ser é ser feita de ar, sem ser feita, carregada de corpo. Nem a alma, carrega o corpo em si. Tanto silêncio, nenhum ser, por isso, não sei o que é ilusão e o que é real. Sei o que é o silêncio sem vida, sem ar. Basta o silêncio, tudo me falta no silêncio. O silêncio ampara a falta, me torna um deserto de palavras. Queria ser o silêncio em um conhecimento eterno. O que é normal no conhecimento? Nada! O desconhecer é natural. O olhar, a margem da escuridão, deixa a morte vagar perdida, dentro de mim. A margem da margem é a vida. O sol fica à margem do céu. Vivo do vento.

Nada me faz viver

Nada me faz viver, por isso, meu abraço é de amor. Por isso, o meu abraço é de vida. A alma é um instante vazio, que se perde no inútil tempo, pelo tempo captar a alma, é que ele é inútil. Alma é o cessar do tempo para nascer o universo. Nada me faz viver, por isso, vivo. Vivo como se eu pertencesse aquele instante, de pura alma. Queria tê-lo não concretamente, eu preciso desse instante em sonhos, mas ele se concretizou. E eu devo ao sonho, a minha realidade extremada. Escrever dá vida ao sonho. Em vez de sonhar, escrevo. Para escrever com alma, preciso abandonar a solidão. A solidão não é alma. O amor me impede de sentir a alma. O silêncio é a alma do ser, as palavras são a alma do nada. Sem meu ser tenho alma. Não há o que escrever nas palavras, elas já foram escritas, no tempo da minha inexistência, por Deus. A alma e a inexistência de Deus? O que faço eu na inexistência de Deus? Vou amá-lo ainda mais. Não sei onde vai. Sei que não está comigo, vida, mas a minha proximidade com Deus nos une. O sol não caminha, mas está vivo. O sol caminha na alma.

A aflição do amor é viver

O amor se aflige até mesmo sem viver. Eu fiz do amor uma lembrança que apenas eu sinto, mas não é solitária, me faz existir. Nada existe sem solidão. Meu corpo desaba, minha alma treme. Eu quis a alma um dia, mas perdeu o sentido ter alma. Reparo a alma com indiferença, com amor. A alma me comoveria, eu a amaria se fosse sozinha. Mas a alma tem o mundo ao seu dispor. Queria ser a ausência da alma, e a tristeza seria suficiente na minha paz, seria suficiente para eu viver.

Rompante de lágrimas (rompante = irreflexão)

A irreflexão se refletiu irrefletida em lágrimas suaves, é como refletir. Espero morrer, me refletindo na morte. A morte me orienta em todas as direções. Me pus às lágrimas para sair da tristeza. Não há tristeza nas lágrimas. Meu sonho de tornar as lágrimas amor é apenas morrer, como se toda reflexão fossem lágrimas. Estou inconsciente por não chorar. Tudo se sofre sofrendo. É quando a insignificância tem valor. Apenas o céu significa algo para mim, por isso, não quero morrer para o céu ser a minha existência, minha única ausência, meu único amor.

Compulsão por sentir

Sei tudo do nada, não sei de mim. Preocupo-me com o meu sentir: não faz doer nada. Se doesse sentir, eu seria feliz, sentiria em carne viva onde a pele se decompõe em lágrimas frágeis de se ter, para magoar o amor. Não me torture sem lágrimas, sem mágoas. Ame-me, mesmo que esse amor seja apenas a mágoa de não te ter. Ardente compulsão por sentir, me faça me amar, amar o céu, ter forças para esperar ser amada por ti. O céu esperou e espera sempre por mim, então te espero, vida, como quem espera o céu, a morte, ou como quem espera viver!

Roda viva

Amo sem alma como alguém que se encontra apenas nessa roda viva. Eu a chamo de viver. A lembrança, roda viva que acaba em tristeza, não acaba com o fim. Gira, vida, no meu parar, que é ficar. Roda viva, alma, solidão, morte, nunca para. Estou encantada, esta roda viva sou eu, mesmo sem sonhar. Gira meus sonhos, para eu não me sentir morrer, e ser feliz.

O fim do nada

A noite capta a vida sozinha pela sua tristeza. Eu não capto a vida, não quero ser triste. Tudo passa, a morte permanece. Se não existe alegria, amor na morte, também não existe alegria, amor no ser. Ficar um instante na morte é atravessar a alma, deduzir que, depois da alma, nem a morte há. A luz do sol não invade o amor, é escuridão da alma, não a deixa existir, ela faz de conta que é a escuridão: é sua diversão. Escuridão é te ver como se visse minha alma, que é a minha identidade. Não há o que sofrer sendo. O fim do nada é a alma. Queria ser o fim do nada: consigo apenas ser eu.

Suavidade

Não aprofundei a suavidade da morte. Convenci-me no lado bom da morte. É leve morrer: é como te ver sorrir!

Para amar é preciso morrer para viver

Está dentro de mim essa morte que se torna luz. Perceber é vazio. Não perceber é ficar na plenitude do céu. A plenitude do mar percebe a plenitude do céu. O mar se mistura à plenitude do céu. O sol é o olhar do amor na plenitude de ser só, sem o mar, sem o céu, sem a esperança de sonhar, como se sonhar fosse ver o céu. Eu nunca vi o céu pelo meu amor, mas vejo o céu pelo amor do céu. O céu é o sofrer de Deus no meu ser. Sonho com a morte, em sonhos mortos, caídos de morte, sem o desespero de morrer. O que me aflige na morte é a sua ausência de mim, onde canto lágrimas que não choram, padecem no meu amor. A alma, às vezes, faz bem a si mesma: esse momento de perda é vital na alma. Olhar de perda para o vir a ser sem perda: ser apenas um olhar na multidão de palavras. A esperança é sangue nos meus dedos, que veem como sentem a vida. A simplicidade é amor. Dedos se soltam como mãos de amor, que, ao tocar o nada, torna meus dedos, amor para as minhas mãos, que se procura em dedos alheios. Dedos se espalham sem vida, em meu corpo débil de prazer em viver. Vidas me tornam um não ser. É tanta vida que não posso ser.

Devaneios de nascer

Não nasci ainda, mas, em sonhos, estou viva. Antes da vida, não era o vazio, era o nascer de mim, acabou com o nascer do devaneio. O nascer do devaneio me deixa solta no meu nascer. Nascer para não pensar. Pensar não traz de volta minha morte, minha vida. Morte, espelho sem alma, tem imagem do possível. A imagem do impossível é a vida. Se eu perder o impossível, eu vou morrer. O imaginário é a imagem concreta da morte. Se a morte existisse apenas na poesia, tudo seria mais triste ainda, mesmo assim, quero viver. A escuridão do céu são as almas dos que vivem.