Blog da Liz de Sá Cavalcante

Nascer universal

Espera de viver é o sol mais lindo, contido na minha lágrima, que não desce no vento, no céu. Orvalho de sol a sorrir por mim, longe do meu abandono de amor. Me abandonei por me amar. O sentir vê o sol eternamente. É sempre dia no amor. O amor me une a mim de uma maneira que penso que já morri. De mim, por mim, mas sem a vontade de ficar no mundo ou no céu. Queria ficar dentro da poesia, em um esquecer eterno. Mais eterno que a eternidade sem luz. Não posso esperar eternamente a eternidade, então me fiz poesia, mas, se eu nascesse da poesia, seria sem poesia, seria encantamento da poesia, em um nascer universal.

Flor dos meus olhos

A flor dos meus olhos floresce no nada saber. Não sei o que é ver quando sei. Sei mais que o saber, sei o que ninguém vê. Sei que existir é triste, como me encontrar na flor do olhar, a enternecer por mim, que não preciso do seu amor como flor do olhar. Olhos nos olhos, ou é tudo, ou é nada. Sei que o que sinto ao olhar é a inverdade do amor. Olho o não existir sem ausências. Descansa olhar, num desamor profundo, apenas para provar que ainda existe.

O sol do sol

Antes do sol havia vida no amanhecer sem sol. O sol da alma é sempre vida. É lindo a brisa passar, é como se fosse o sol ali. O interior é sem sol. O sol do amor é sem o interior do sol: é apenas amor. Esperança, me acostumei a ser seu sol. A lembrança interioriza o sol sem esperança. O martírio da esperança é a fé. Enganando-me de vida, de suspiro, me ergo ao sol sem erguer a morte. O sol se acalma no céu. O início do sol é seu fim, a escuridão cuida do sol, do fim do sol.

O luar da lembrança

Flutuando na morte, abandono o chão em um luar de lembranças. Ver é ter lembranças para ver, numa vida inexistente. O sol arrasta o dia, sem luar. Me perco sem o luar. O luar é uma consciência do futuro. Tudo perdi tendo a consciência de ter perdido. A perda é a consciência, me observa com amor. O amor não diz que ama: sua única e rara força se perde, sem o infinito de você. O universo está longe do céu, no infinito da distância. O sol é perto de tudo até da morte. Nada existe sem o sol. E assim, o luar é esquecido por ser essencial, como uma ausência a dormir sem céu. Céu é dormir em mim mesma.

O semblante do nada

Vou começar a ter uma aparência pela aparência do nada. Não dá para ser pela aparência, mesmo que ela seja o nada. Quando meu interior se foi, que alívio, que mansidão profunda, tão profunda como o amanhecer. Nada a fazer pela vida, pelo céu: apenas sentir esse não sentir. A vida do céu é o mesmo amor da vida do mundo. Aceitei até teu abandono, basta um gesto teu e eu vou morrer. Morrer feliz. Morri feliz ao olhar para o nada: foi como ter a vida de volta.

Perdas são motivos para viver

Vivo sem ser eu mesma. Sou outra distante de mim. Sendo outra, eu preciso aparecer para mim como uma rosa que não floresce, murcha de reconhecimento. Superei as perdas caindo no abismo das perdas. As faltas são o meu sorrir. A eternidade não existe por causa da realidade. Queria ser real como um pedaço do céu, escondido para ser exposto no amor. A imagem da morte é única, rara. Não me recupero da vida. Agonizo com a falta de esquecimento da vida. É preciso esquecer para compreender. A rigidez das palavras é como um deserto de mar. Como a falta do nada. Escrever em sonhos o que não escrevo na realidade de viver. O encanto de morrer cessou em viver. Quero declamar o nada sem poesias, na minha morte. Perdendo a voz no nada, falei como o nada. E tudo se dialoga em versos mudos que não se escutam. Se compreendo o que escrevo? Não! Apenas amo escrever, e assim entendo a poesia pelo meu amor. A vida é uma poesia. Sou poesia sem escrever. Escrever me torna nula, vazia. Não é possível amar sem poesia. A poesia é minha alma. Alma que para o universo para amar. Falta tudo para o ser ser nada. Perdi a poesia dentro da poesia, para me sentir. Sentir e falar amando não é fácil. Esse frio, dentro da alma, é o nascer do amor.

Intervalo sem alma

O intervalo sem alma é a diferença da vida para a morte. O corpo não recebe a alma, como eu a recebo. Corpo e alma são incompatíveis. Quando a alma se derramar no corpo, não haverá necessidade do infinito.

Solicitude

Não chore, não durma, saudade de viver, estou aqui, vida. Se não dormir, já está comigo, atenta ao nada do meu viver, que se espalha no infinito sem alma, como sendo anzol da vida. Refazer a vida como alma sem necessitar ser feliz, apenas me vou como ondas do mar, repletas de amor supremo de morte ou dor. Tudo oscila no nada da escuridão, que contém a vida num sopro de luz.

O som inesquecível da morte

Deixa o amor morrer surdo, sem o som inesquecível da morte. Morrer sem o som da morte é ser esquecida, é morrer, sem morrer por ser esquecida. Mas o esquecer não é a morte: é Deus em mim. Lembro apenas do essencial para não sofrer: que existe algo maior e melhor: Deus em mim.

Sublimar (engrandecer)

Existir somente para si não é sentir, é existência. Alimentar a morte com meu amor me seca, me esvazia. Não me deixe só, morte, sem ti. Amo a vida, o sol, é ausência de morte. Se o sol me amasse, o amanhecer seria ausente, seria decepção. Não me habituo à luz, escrever é escuridão. Fragmentos de vida na alma não se despedem de mim. A vida se despede de mim sem razão. Não há descoberta sem morte. Não posso ficar com a vida para mim. Procurei o sol nas estrelas. O espírito de mim levita na vida. A alegria são palavras. Tempo de estrelas a me transformar. A transparência da lua é o infinito sem o céu. É o nada se cativando. O nada assume a vida. O que não existe por existir se faz amor. O amor era para ser a existência de tudo, não é. Não há amor em morrer? Morrer é a existência do fim, a determinar quem sou, sendo ainda mais, penso na vida, no que deixei sem deixar: e assim permaneço morta. O instante de ser não impede a minha morte, a favorece. A luz tira a luz da luz. A distância é uma luz incomunicável. Não há sombra na luz. A luz é um desamparo, posso chamar de vida: ela escuta enquanto ilumina. E essa escuta transcende na fala, no transcender, na perda de mim. Me faz morrer para eu não me ocultar de mim mesma, sem estar ausente. Minha presença é a do sol, da vida, que me faz morrer.