Blog da Liz de Sá Cavalcante

Flutuações da alma

A alma não se contém em mim, como o mar suspende suas ondas na primeira ausência de luz. Luz é ausência, machuca a solidão, cria o outro em mim, por mim. Palavras embelezam a solidão com responsabilidade. A responsabilidade do céu é fazer da solidão poesia. O céu flutua em minha alma. Tenho que saber de mim, do céu, das estrelas. Para saber de mim não preciso me sentir. Senti coisas mais difíceis do que me sentir: senti a pureza do céu no meu amor. Amor que move as ondas do mar, como uma canção perdida, entregue ao nada da solidão.

Algo pode ser eu sem mim?

A vida vive das minhas lágrimas, do meu sorrir. Sonhos não são sopros de dor, são reconciliações com o nada. Nada se esqueceu de mim, não existo. Eu ia me sentir diferente sem os sopros de dor, acordam o amanhecer nos meus sonhos. O sol é um pedaço de nada, um universo interior para consolar minha solidão. Meu nascer infinito, do que não nasce, sonha. O infinito, sem nascer, é a margem do que sou. Essa margem do que sou desvenda a falta de infinito: é como andar descalça no fim, sentindo o infinito no céu. No céu dos meus pés flutuam sem amor. Não me refiz em céu. A saudade é um céu afastado de mim.

Imensidão

Não há imensidão no amor, por isso, ele é verdadeiro, maravilhoso. Nuvens de fumaça a esculpir o céu. Na alma, manchas de um passado vivo. O inexistente é o passado onde eu ainda sinto o nada como concreto. Amor, palavra sem passado, o amor é feliz. Feliz como se tivesse um passado. Meu passado é o que me acontece se não me sentir o vento, o sol, a vida, são meu passado, no amor que sinto agora em que eu sou eu, e a vida é a vida. O vento, marcado pelo sol, faz calor. A voz não alcança a fala, alcança as estrelas: ondulações de uma voz perdida no espaço da minha sombra. Sombras de ar a me encher de bondade. Respirar se torna amor.

O céu na voz humana

O céu na voz humana é solidão da alma. É impossível a alma no céu, ela está apenas no que sinto. Sentir sem sentir o adeus da alma no meu respirar, é amor. Olhei para a morte, vi apenas a mim, numa solidão que me acolhe sem morte, sem sofrer. Não me sinto condenada à solidão, e, sim, destinada a ela. Eu e a morte vamos sair da tristeza, dessa vida triste, cruel. Se ao menos a morte me amasse, seria feliz, sem o céu, as estrelas, ainda fazem parte desse mundo. O mundo é uma vida à parte. Olho para o céu, faltam vidas, muitas vidas no céu. Respirar é a continuação do céu a penetrar na poesia, me deixa sem ar, feliz como se tudo fosse poesia, mas não é, é apenas eu, a respirar a solidão. Enquanto eu respirar, não serei só. Sou feliz como a poesia, abandonada pela vida, retorna a alegria por mim. Especialmente por mim.

Significação alienadora

Derrama em mim a morte, que ela seja meu corpo, minha vitória. Não sinto minha ausência na morte, sinto a ensurdecer da poesia, que clama por mim. Nem tudo é morte, nem tudo é poesia. O despreparo de morrer é mais que o céu, é a espera infinita, me abençoa como se fosse o amor do céu por mim.

Separação é uma coisa corporal

A alma une até a morte com a vida. Nuvens deixam o céu calejado de se sentir. O céu quer sentir algo diferente, está solitário, carente, quer me sentir, me amar em sua solidão absoluta, extrema. Quero que o céu me ame comigo em vida. Infelizmente, eu me contento com a clausura do meu corpo. Sem o céu para me acalmar dessa vida tão fria. Separo-me do corpo para ter alma. Alma, foste o pior de mim. É tão desconhecido ter alma.

Ternura

Laços de ternura invadem o céu com as lágrimas de Deus. Essência não é vida, é o que o amor renuncia por mim. A ternura da agonia liberta a alma da alma. Afundo na superfície dos meus sonhos. Alma, expulsa meus sonhos para me ter sem ilusões, subterfúgios. Expulsa meus sonhos, como se fossem ausência de mim. De mim, a ausência não nasceu. Expulsar meus sonhos para haver sol. A ternura do sol me faz acordar mais do que o amanhecer. A alma é um abraço infinito. Ver não é ser. Ver é o infinito. Sem meus olhos, nem por isso vivo menos, sou menos do que sou.

Inexcedível (não superar)

Tudo que sofro, não importa se há poesia em sofrer. A poesia desponta num destino de amor. Destino é te ver, vida, para mim. Superar o que não há é como ser alguém. Ser alguém para a vida é renunciar a mim. Eu sou a renúncia da vida no amor que foi escolhido por ti, alegria, sem mim. Ver é alegria. Vejo pela tua alegria. Vou descobrir minha alegria por mim mesma. Ser feliz no amor é raro. O sonho escorrega dos meus olhos para te ver no aparecer da inconsciência. O nada é a falta no respirar por mim. Um momento de céu faz eu não me arrepender de viver. Viver não é ser só, apenas para preencher as faltas com as faltas do céu.

Contingente (criar a partir do nada)

O nada cria sem em si. Espero que o tempo perdido seja o tempo de alguém que o ame, que não o tenha como perdido e considere esse tempo uma vida plena. Que nada eu teria sem a vida? O que não consigo ser é distante do nada, perto da vida que compus para o nada, por não criar a minha vida do nada. Criar é a vida do nada, nascendo para mim, como um abismo sem fim de flores. O tempo não é a morte. O tempo do olhar é o nada. O nada enfrenta o olhar pleno de luz. Não há luz, nem escuridão na morte, há apenas a imensidão do céu a adivinhar o que não vou viver.

Situações de vida

Não há necessidade de viver em mim, apenas escuto dentro de mim, para não me preocupar em viver. Viver tem que ser especial, tão especial que sorrio, sem perceber. Nada espero de uma emoção, tudo espero de um amor. O inesgotável se esgota ao amar. Nada separa a alma de mim: nem eu mesma. Eu, amando a mim, não é solitário e sim irreal. Deixei de me amar para viver o real. Reconheço minha morte como sendo tudo que vivi, dos outros, fico apenas com o céu, as estrelas da minha solidão. Procura no meu sorrir tua solidão, e me perderá para sempre, vida, mas não te perdi.