Blog da Liz de Sá Cavalcante

Essência

Esquecer a essência é ser eterna na essência para a essência. Dentro de mim, a entrega do nada à vida. Dentro de mim a vida acontece. Tudo sonho no acontecer. O acontecer é o que foi perdido em mim por surgir. O nada é um lugar para o mundo. A essência desvenda o mundo, a vida. Estrelas voam na vida sem céu, sem paredes de sonhos. Meu olhar, em estrelas áridas, se banha de luz. Luz de estrelas no meu amor. Reconhecer as estrelas no meu reconhecimento é ter alegria eterna. Quando o reconhecer não traz alegria, é porque vi meu interior a me amar no silêncio das flores. A alma concretiza o silêncio das flores. A subjetividade são flores. A paz do nada é o sol no céu, a minha paz é viver.

Um fio de luz

A vida, para existir, precisa de um fio de luz a penetrar a escuridão. O intervalo entre um ser e outro é a vida. O ser não está dentro da vida, está dentro de si. Por não ter alma, morri tanto, que estou viva. A alma me une à realidade do existir, como um encanto de luz. Nenhuma luz tem em si a realidade de existir. Existir, enquanto a ausência é luz, essa ausência me faz viver em um nascer eterno. A lembrança de nascer é a ausência, esquecer que nasci um dia é morrer, o tempo deixa de cuidar de si, se dedica à morte. Morrer é fazer de si a pergunta que apenas a vida responde, não pra mim, para o tempo. E assim o tempo se foi, em respostas transparentes como mágoa, como a solidão do mar, que é o desejo de partir no tempo que se foi. O tempo não era lembrado quando existia. Sinto o tempo na falta do tempo. O depois é sem o tempo, não é vazio. Vazio é amar só, sem poder fugir em estrelas que nunca fogem de mim. Eu fui uma estrela para a poesia, longe do tempo, para ser o tempo.

A flor encarnada em flor encarnada (fez-se corpo, carne)

Flor encarnada fez-se corpo, carne, na minha morte. Aboliu a tristeza, a solidão da Terra, onde a plantaram. Colher flores, para ter um jardim, é desmaiar na tristeza infinita, de ter ou não ter as coisas da vida. É efêmero, não dura nada. Por isso cuido das coisas da vida. Para que um dia eu permaneça, mesmo sem nada. Dei tanto, terminei só. Tão só, pareço não viver. Deixa eu permanecer só, como uma estrela a desaparecer do céu.

Imperdoável

Sonhos fazem meus olhos abrir em flores. É imperdoável não me ver como sou: adulta. O meu olhar foge da realidade, pela luz do saber. O adeus sobrevive à vida de amor. O amor não sobrevive ao adeus, não sobrevive a mim. Tenho a cor do adeus e a consciência como permanência, emprestada da vida. A permanência se separa da vida, quer apenas é permanecer. Tudo é vazio, cansativo, sem a permanência: ela é que faz eu fugir da minha cor, da minha poesia, do meu ser. Meu ser não é permanência, mas é permanência do meu ser.

Aspiro a vida

Alma vazia na plenitude da presença. Aspiro vida como quem mantém o ar aceso, como uma vela apagada pela penumbra da vela. Escrever é acender a vela em mim. A perda continua, sepulta o sol em nuvens douradas de aflição. O tempo, memória sem adeus, é despedida sem o ser, por isso, não é um adeus. Apenas o ser é um adeus. Um adeus inútil à vida. Ao longo da vida, o adeus se arrasta no céu para não sentir o adeus do ser. Para sentir é preciso olhar o céu, sem pedaços de mim. É preciso sentir a morte, como algo natural. Assim, vou deixar de sentir o sentir, cuidar dos pedaços de mim. Escrever estilhaça os pedaços. Eu sou o abismo de mim. Sofra para que eu sinta meus pedaços. A vida é um fio que se rompe, como se fossem minhas mãos. O abismo das minhas mãos cessa meu corpo. O amor tem mãos de sonhos. Mãos nunca tocadas sonham mais, vivem mais, além do ser, além da potência da vida, da energia das mãos. Mãos possuem meu corpo, unem o corpo a mim. O som das mãos me tira da solidão como se a poesia fosse eterna. Poesias são a falta das minhas mãos com o som das mãos que são apenas som, vulto da imagem de um corpo. Corpo são apenas mãos. Mãos preparam a vida para a vida. Aspiro a vida como se o ar importasse. O ar é onde a vida desaparece. Sem o ar a vida é apenas ar. Minha consciência não é consciência de mim, é consciência de poesia. Consciência, te ter foi minha única consciência, tua ausência é minha inconsciência. Consciência é água, mata a sede, a sacia. O fim da consciência é a vida.

Destruição

Fora de mim, não morri. A falta da minha morte é destruição. A destruição da falta de eu morrer não me deixa viver.

Pedido

Que nem a vida, você ame mais do que eu, que a tua alegria seja a minha alegria, que o esquecer seja feliz, como eu poesia. Que o céu se liberte do ser. Perder o céu não é perder Deus. Posso ver teus olhos sem ti, sentir tua presença por ti. Ser e aparecer são dois seres, dois sentimentos diferentes. A alma não se parece com nada, não pode aparecer. Meu único pedido é que a alma não me esqueça. A morte tem fim, a alma é eterna.

A tristeza tem fim no amor

Eu não tenho fim no amor, a tristeza tem fim no amor. Se começa algo pelo fim. Que fim é esse que não tem um começo? Perto do fim, perto da vida, esquecida no amor. Estou só no meu respirar. Tudo permanece dentro de mim. A angústia é um bem para a alma, é um não chorar. Ver é o oculto que nada sabe por ver, mas pelo não ver. Não ver é alma que se entrega à luz, sem vê-la. Tudo é inessencial como a alma. Como a alma me vê, sem luz, sem escuridão? Tento abraçar a luz sem vê-la. Sei que a alma existe: a sinto no meu respirar.

O que há de eterno?

O que há de eterno no amor, é o nada. A eternidade é a saudade que sinto de mim. O passado não existe na vida: existe em mim. Esconder a realidade da realidade é não poder criar um passado inexistente numa imaginação inexistente. O sol se desmancha de amor, era minha única eternidade. A eternidade que dura é o ser: por isso, não permanece no ser.

Muitas vezes

Muitas vezes a vida quis o mundo perto, mas o mundo quis ser mais que a vida, como uma borboleta que encontra uma rosa. A angústia é vida sem o medo. Penso no medo como sendo algo que nunca perderei. Muitas vezes, preciso me angustiar e vencer o medo. Penso nas cores do céu, a ser pintada pelo meu medo. O medo é não poder regredir. Não sei mais de mim e possuo a esperança do céu.