Blog da Liz de Sá Cavalcante

Simplicidade do ser

Tudo nunca mais, não como derrota, mas como outro eu, na simplicidade do ser, onde é simples ser só. Não vim à vida, entrega-me a solidão como um encontro de vários nadas. Me relaciono com meu ser, sem me comprometer comigo. A falta de mim me fez amar, me fez viver sem mim: foi a melhor coisa: não ficar até o fim em mim. Até o fim meus olhos vão me ver, vão ser meus. Verei o âmago da alma, não mais me sentirei só. Não tem problema de me deixar: tenho a mim. Ter a mim é não ter nada. Para que ter mesmo que seja a mim? Para sofrer?! É repugnante, insensível sofrer. É desleal sofrer. Lembranças são minha única maneira de viver. Vivo aos poucos para permanecerem as lembranças. Lembrei, esqueci, até viver de lembranças, elas fizeram por mim, para não me deixar morrer, me tornaste uma lembrança qualquer que beira ao esquecimento. Uma vontade discreta de viver se chama poesia. Escrever é fácil, é suspirar. Voar, na realidade, é ser tão livre quanto a realidade. Eu me tornei a realidade da realidade. Apenas a realidade me faz viver a realidade. A realidade é infiel ao amor. A realidade é uma forma de me esquecer. O tempo adivinha quando consigo viver. O tempo está dentro da poesia. A poesia sou eu. Única eternidade sou eu: este é o fim da poesia. Palavras não precisam da vida, precisam de mim. Preciso, às vezes, apenas preciso de mim, ser suave como o nada e resplandecer vazia, como o amanhecer, amarrotado pela lua. Céu, a ti te dedico o melhor de mim: minha vida.

Alma ferida por a morte a amar

A solidão precisa da alma para viver, eu não: dou minha alma à solidão para a alma ficar perto de mim. Não adianta ter sem ter a alma, com ela triste, querendo se dar à solidão. Talvez a alma nunca saiba o que é me ter.

Enternecer

A eterna fala é sem amor, no enternecer do vazio. A fala nasce do vazio das possibilidades. Deveria esquecer a fala falando, mesmo sem amor. Falo só para não me abandonar em um silêncio infinito de amor.

Nuvem de estrelas

Nuvens de estrelas a enfeitar as flores da vida. As imagens deixam de ser sem cessar o que veem. Ver é plural. Um mar de estrelas afunda no cessar absoluto. Afunda sem o abismo do amor, por isso tudo é sonho. Estrelas são o infinito de mim, onde cada poesia é uma estrela escolhida por Deus para ser o meu amor. A vida sem estrelas é triste. Há muitas estrelas, vamos dividi-la entre o céu e o mundo, como um fluir de águas a esquecer o mar, na turbulência do vazio, que torna tudo real, onde a única mudança é a própria realidade. O amanhecer, realidade fugidia, onde morri sem perceber, na intimidade do nada que sol teria agora o nada de amanhecer?

O silêncio sem a vida

O buraco da eternidade está dentro do meu corpo, clareando o silêncio sem a vida. O irreal sou eu na vida, a buscar o silêncio sem a vida.

O som da morte

Silêncio, tenho tanto a dizer que esqueço as palavras. Tanto a calar em morrer, prefiro viver. Viver é como conhecer a alma de uma flor. Nada é por acaso, tudo tem um motivo. O desaparecer da alma é comum no amor. O eco do amor aparece quando eu não capto o amor. É evanescente o olhar que dança desmaiando. Sol que nasce cantando de luz. Preciso de um objetivo para a alma. Meu ser não pode existir para a consciência. Existir é falar para o nada o que quero ouvir. A espontaneidade do sol é o meu olhar. A alma é uma ficção, não tem consistência, valor: é apenas a falta de um olhar, de colo, amor. A alma aumenta a carência, não tem realidade. Alma é o inacabado do ser: por isso, é o fim de tudo. Alma é insegurança, é amor. Alma é insegurança de viver. A minha vida sou eu, não é a alma. O som da morte não tem alma.

Fogo do céu

O que deixou só não fui eu, foi a minha ausência de ti, que deixou só, como a chuva, como o ar. Ar que respira o fogo do céu por dentro das minhas entranhas, o mar a bramir, gritas, concebendo as minhas entranhas. Eu grito céu, vida, para não sentir saudade, para eu não sofrer. Mas não consigo dizer saudade. Estou vazia, estou em paz.

Sombras de vida

O céu enfraquece as estrelas em sombras de vida. Igualdade de sombras para uma desigualdade de sol. Não existo para as sombras da minha ausência. A liberdade do sol são nuvens no céu. Não te permiti invadir minha ausência sem o céu. Caminhar sem vida são minhas pernas em busca de mim, da saudade que eu tinha de tudo: saudade das pedras de ar, do meu amor, submisso na saudade que não transcende em mim. Eu sou a minha saudade, as minhas faltas. A solidão sobrevive à saudade e à minha morte. A solidão fez da minha morte um mar acorrentado pelo meu corpo morto. Para o mar, a minha morte é apenas ausência. Ausência do nada. A morte é tênue como o sol. É como se eu continuasse a ter esperança. Sem esperança, nada é negativo. Respiro esperança. Faça de mim tua esperança. Desaparece da minha esperança como um céu colorido de sonhos raros, preciosos. Até o mundo desbotar de amor. Desanuviar o sol do céu. O céu abre minha garganta, esqueço a fala. Sorrir solta como a brisa: isso é falar. Falar não é lembrar. Há céu no seu modo duro, seco de ser. O céu existe para quem mais necessita. Sei do desespero da alma, de ser alguém. Ser alguém é ter alguém. Alguém que seja a vida que perdi e recuperei-me na tua vida: alegria, amor, entusiasmo. Mas nunca me amará. Tudo desmaia no infinito. O fim é o infinito, é como retomar o meu ser sem regressar. Apenas a alma regressa no partir da volta de sonhar. Areia de sombras, vultos do mar no meu amor. Estou em ti por ter sido abandonada em ti, não consegue me afastar. Seu desprezo é a minha vida. Passei a vida a esperar o nada, ao tê-lo, não valeu a pena. Sombras da vida sem o meu corpo. A fluidez da morte, no meu corpo de pedra, tenta me sentir. Sentir é apenas o suspiro de respirar. O meu olhar respira, vive mais do que eu. Não estou à toa, amo. Amo, mas amar não é mais feliz do que eu.

Sensibilidade fatal

A alegria atrai a morte. O esclarecer da vida é a sensibilidade de morrer. Acessar a vida no desconhecido de mim. Fazer do desconhecido, uma vida de sonhos. Tudo morre sem o desconhecido. Conhecer a sensibilidade exterior à alma é amor. O amor aparece para não existir, existe assim mesmo. O existir para na essência. O tempo é uma verdade particular de cada um. Não há verdade no fim do amor. A verdade do olhar é sem tempo. A capacidade da verdade de viver é como o sol nascer. Nascer é tão vazio. O dia, a noite, não tem medo da vida. Dias e noites são a vida que tenho. O que importa o amor agora, se estou a sentir por mim? Sentir: saudade da vida. A alma inunda a saudade. Gosto dos momentos tristes: é como ter saudade. Queria que a minha saudade fosse essencial nos momentos tristes. O amor adoece a alma, é mansidão demais, ensurdece o tempo em folhas de mar. Céu é o fim da tempestade do nada.

Exílio da saudade

Falsas lembranças do amor me matam por dentro, me exila na saudade do nada. O nada é sem sol, sem vida, sem mim. O nada me tem apenas na poesia. Violentou a minha alma para não me violentar. Nunca vou te esquecer, exílio da saudade. Eu sou nada sem estar exilada na saudade, que está cravada no meu corpo, na carne da alma. Morri exilada de mim. O nada é uma forma de me expressar, de ficar perto de mim. O desgosto de viver é como uma luz. Preciso ver através da luz sem a vida, sem o peso da vida. O único peso que eu carrego é o do meu corpo, é o da morte, onde não há exílio, saudade. Tudo se recolhe na sombra de conviver.