Blog da Liz de Sá Cavalcante

Trêmula de morte

Morri há muito tempo, não esqueço que morri. Trêmula de morte, meu corpo se sustenta na morte, como um espelho de asas. Fecha as tuas asas em mim, morte, para eu não me ver morta. O amor é uma eternidade que ama, faz todos amarem. As almas sentem o amor como uma despedida. Não sei pensar na alma. A ausência do meu olhar me faz ver a vida. Dentro de mim, meu olhar me possui como se fôssemos a mesma ausência, separadas pela ausência da morte: este é o meu silêncio, minha sombra de existência. Nada resolvo na alma, resolvo em mim. Meus sonhos fazem Deus viver minha morte, se torna a existência de Deus na minha vida. Vou morrer com a vida trêmula de morte, e eu transcendo como um nada de vida. O nada não transcende, enterrou a morte na transcendência de Deus.

A imensidão sem escuridão é o nada

O olhar é a imensidão da alma, em um vazio infinito que esvazia o nada. Sou prisioneira do que escrevo, como um sol que não tem hora para nascer.

Flor de cristal

Flor de cristal em almas de pedras. Flor de cristal, almas gêmeas em minhas mãos frágeis, que se quebra ao segurar as flores, como se fossem minhas mãos essas flores a enternecer de alegrias. Nada é sem flores. Flores que se perdem em um único momento, a pior mansidão. O momento é o único vazio que o meu ser não possui. Vivo os momentos escrevendo. Escrevendo tenho todos os momentos da vida em mim. Há algo que falta aos momentos, talvez seja o perdido, sem estar perdido em mim. O silêncio é o vulto da minha lembrança, que se torna imagens de palavras. Ir sem ficar são imagens sem palavras.

O ridículo da solidão

O nada, salvação da minha vida, vai cessar minha solidão. Morrer é um dom infinito. O salto para a eternidade me faz ter um corpo de alma. A alma é o fim da saudade, sendo a saudade de sangue ou água, é melhor que viver de saudade infinitamente. Saudade é pior que morrer. Sinto saudade do meu corpo dizer sim à vida, em uma incomunicabilidade de amor. Perder o amor no amor é não ter vida para amar. O que se faz por amor é a eternidade que dura. O silêncio uiva a vida, como se fosse o vento. Morte, cresce dentro de mim, como um mar seco. Deus é a vida sendo livre, ausente. Vejo a morte no que falta em mim. Ver minha morte não me faz ter alma. Alma é um rosto universal. Ninguém se vê na alma. O olhar afirma a alma. Tenho a vida na alma como se cada palavra da poesia tivesse na memória do meu amor. A lembrança é um corpo dentro de outro corpo.

Mágoa de vida

Deus não precisa de alma, é puro. A profundidade da alma é a morte. A vida não é profunda. Na morte, não há descanso. Não quero escrever separada de mim. Nadando no nada do meu corpo, não sinto o nada.

O sono da ausência

O sono da ausência é a presença que dorme como uma ausência. O sono acorda sem ausência, numa presença absoluta de perdas. Perdas são ganhos na alma. A presença, ausência de alma, na presença da alma. A alma volta para onde? Não sei onde está a alma. O amor nasce antes do nascer. Pensar é um nascer passivo. Nascer nada pode fazer por mim. Eu fui o nascer do nascer para ser poesia. Nada no agir é nascer. O dormir é Deus a nascer em mim. Ao despertar, estou plena de Deus para encarar a vida. Vivo em Deus. A morte, única ausência maravilhosa. Escrever é um sono sem eternidade. O demônio do partir sorrindo, sem dormir, sem despertar, tudo é apenas silêncio, no nada da solidão. O silêncio sem a vida é ter o amor tranquilo numa morte inquieta como o céu. O silêncio é morte, que se vê o chorar eterno, se joga no fim da eternidade, como o depois de amanhã. Eu amo mais a falta que faz a eternidade do que a eternidade. Não idealizo a eternidade, ela é a razão das minhas perdas, dos meus sonhos, da minha vida.

A demora

Nada se demora no amor, a eternidade da espera do amor demora sem demora. A demora de um adeus fica dentro da alma. A demora é a presença do sol. Se a vida não existisse, eu seria essencial? O meu ser não é diferente das coisas da vida: é a mesma liberdade, o mesmo ar perdido na vida, o mesmo desamparo flutuante de uma alegria infinita, onde descanso no abismo da morte. Dormir no adeus do olhar, é chorar dormindo, no não chorar. Tem olhos para ser você, não para me ver. Você, ao me ver, ainda é você. Você não deixará de ser você por me amar. Recupero a ausência no amor: o meu amor por mim. Eu supus a alma no amor. A essência torna a morte imortal. Nada é amor sem essência. Como conhecer a negação pela transcendência? O fundo da alma é a morte, sem o ser. Se alguém sente o que sinto, eu estou viva. Perdi por viver. Te perdi por te amar. Lágrimas são uma maneira de te ter de volta, me ter de volta. A volta é dolorosa, partir é um impulso, um prazer. A distância é irreal, existe na alma verdadeira. O passado me faz existir, onde não há existência: há um passado. Vivi outra vida, a de me aprisionar, tentando ser a minha vida. A minha vida é um sonho. A perfeição de Deus é a morte. A morte e o nada excluem o ser, para o ser não existir. O ser da alma existe nas canções de amor, que o ser da vida criou. Deus existe no próprio amor, que faz viver a humanidade nos sonhos de Deus. Deus se ama, nos amando.

Permitir-me ser eu

Como me permitir ser, se tudo é triste, tão triste, que não há mais sol, vida, há esperança de existir o nada, ao menos não estou só. As estrelas são só, nada sentem. A poesia é indestrutível. Morre em sua indestrutibilidade. Cansei de estar apenas cansada, como um sonhar maior do que eu. Não acredito em estrelas, não acredito em você. Mesmo morrendo, vivi um dia, oposto ao que sou: o contrário do contrário: o nada. Tentar algo para viver. É inacreditável sofrer como a lua no céu. Nada pode fazer com pedaços de mim. O desaparecer não é ausente de mim, é mais essencial, do que comer, viver, beber, morrer.

Ressuscita-me

Espaireço na morte, onde o vazio faz parte de mim, sem o fundo da alma. Sem o fundo da alma há falas sem ninguém a falar. Espaireço num ressuscitar sem alma. Falar não me ressuscita, mas me faz ser essência. Que essência eu teria estando morta? Nenhuma. A alma é o cessar da essência na falta do meu fim. A falta do meu fim é o amor. Criar a inexistência é amor pela existência.

Pingo de estrelas

Pingos de estrelas a clarear o céu da imensidão do infinito: pura escuridão da alma.