Blog da Liz de Sá Cavalcante

Suplício em viver

A vida tenta ser eu. Não consegue. Tudo se foi pela vida existir. O começar é o que a vida nunca terá. Esse começar é a falta de ser. Não necessito ser, mas a falta é essencial para mim. A falta me faz criar meu ser em mim. A essência é a falta querendo ser mais falta que a própria falta. O céu é a falta de Deus. O olhar é o céu sem o céu. O vazio do céu é a vida plena, perfeita. Tudo admiro, amo no vazio. O suplício do amor reveste meu corpo de vida. O céu se cobre com meu corpo, pra se sentir humano. O céu me torna humana sem ser humano. O vazio é humano, a tristeza, o infinito não são humanos. O amor não é humano, é divino. Reagir ao infinito não me faz viver. A vida não consegue se despedir do infinito: por isso existe sol. O sol substitui o infinito. O céu das lágrimas é o fim do sofrer. Sem sofrer, a eternidade das lágrimas pertence ao sofrer. Apenas a vida transforma a eternidade em várias eternidades. O que termina na vida não é a vida, é a eternidade. A vida continua sem a eternidade. A vida é mais do que eternidade, ela é real. A liberdade da vida, é o seu coma. A liberdade não é a vida. Se a poesia está bem, fico bem também. A permanência é uma voz que não se escuta no interior de mim. O interior é surdo, vê no escutar, é o nada. O nada, escuto na alma. Os sons se perdem ao escutar o nada. Escutar não me importa, importa para mim é o nada.

O sol do sol

Conheço no sol seu poder de se esquecer em lembranças de céu, nunca serão sol. Quanto mais nuvens, mais vejo o sol. A nuvem separa o sol da visão de ser. Quem dera houvesse amanhecer no amor. Tocar amanhece em vão, como o desaparecer da poesia na leitura. Lágrimas do nada, não é sofrer: é viver! Transformar a poesia em um momento de nada é arte! Sol no sol é me inspirar em uma poesia já existente: não em mim, na vida. Morri sem o sol, no sol do sol, de um sublime amanhecer: nasceu da minha dor.

Entusiasmo

Tudo me entusiasma, até o sofrer. O mundo, a vida são a morte sem sua alma: prazer eterno de viver. Dizer tudo para minha alma escapar como amor. O mundo satisfaz apenas o mundo. Meu entusiasmo de viver satisfaz a morte. A morte rompe barreiras, elas filtram o amor. Já consigo olhar para a morte sem morrer. Sou feliz só. Por que procuro alguém na minha alma, como se não fosse só? Ser só é a poesia em mim. A poesia é a falta de vida a brilhar dentro de mim, como a falta de sol, que não pode ser nada, transparece em si sem faltas, mesmo sem existir. Nunca amanhece, é sempre noite, assim como as poesias se perdem nas palavras, até silenciarem, em busca de sol. O sol da noite é a poesia.

O espírito do fim

O espírito do fim tem alma: diferente dos outros espíritos. O espírito é o movimento da alma no movimento do ser. Se o espírito se mover ao respirar, ele morre!

Excesso do nada

A essência do meu ser é a minha morte. No excesso do nada não há morte, não há nada. Não consigo amar a alegria, não faz parte de mim. Nada tem fim no excesso de nada: ele é o infinito em mim.

Soterrada

A alma da minha voz está soterrada no que fui um dia, não distante de mim, perto me sufoca. Me vi despencando da minha voz para morrer, onde não entendam minha morte, apenas compreendam que morri, compreenda também que aceito sua falta de amor, contanto que me deixe morrer. Morrer para nascer nos seus sonhos. Escutará minha voz como um sonho, estou bem viva para viver nos seus sonhos. Mas tudo está perdido, até como sonho, nunca aprenderemos a nos amar juntas. Talvez nunca tenha existido amor. Não dá mais para saber, tudo foi como um sonho.

Exprimir o silêncio

Não posso escutar o silêncio da alma, escuto a mim. Não posso exprimir o silêncio com o meu silêncio. A realidade não é tristeza: é a reconciliação do ser com o nada. Vejo pelo nada a realidade de ser. O ser é uma realidade vazia. Estou dentro da realidade vazia, feliz. O vazio é minha imagem de esperança. Tenho essa imagem de esperança, pela falta de fé. O nada é a minha esperança ressuscitada. Esperança de morrer, alegria eterna de um sonho, que não se afasta da realidade. Sem a realidade, sou eterna, não apenas do amor que sinto, mas pela própria minha eternidade, que é a eternidade de todos nós.

A proximidade de ser só

Nada se aproxima de ser só. Ser só é a definição da vida. Não há nada na vida, sem a proximidade de ser só. Se o amanhecer é uma vertigem, o que é o sol? O amanhecer vive uma distância sem tempo. O tempo do amanhecer é o amor. Tornar a distância de mim, perto do que sou, é morrer. A palavra nasce para cessar a tristeza da vida. Nada é nada na tristeza. O sonho de uma lembrança não é uma lembrança. Vivo a lembrança no talvez da vida. A vida tem lembranças diferentes do ser. A liberdade do nada é ser livre sem o nada. O deserto de mim é a falta do nada. Sem a falta fosse um nada, eu seria um ser. Falta muito para a vida ser nada. O que sonho pode existir? Quem em mim é sonho? O sonho é o tempo, é conviver com a minha inexistência, como se a inexistência, sendo um ser em mim, eu tivesse que viver. A falta é viver sem vontade, na vontade de Deus. Quando eu sacudo o vento da minha tristeza, vejo que não me resta senão ser infeliz para o sonho ser feliz, como se eu tocasse a alma, me queimando por dentro de mim. O sonho não vive a alma: conserva a alma dentro de mim, sem suspirar uma única vez. Suspirar é sem alma.

A diferença do silêncio para o amor

A diferença do silêncio para o amor é um instante de nada sem solidão: transforma a vida em vida. Apenas na infinitude eu vejo a vida. Sem a vida, não há infinitude. A falta do meu corpo é amor. Um instante sem dor é a infinitude que resta. Não há infinitude maior do que a dor, cessa a infinitude que resta. A morte me dá uma força descomunal. A infinitude é um ser.

Nadificar o nada

O amor arrebenta a alma no não ser do amor. No ser, existe apenas o ser entre parênteses. A alma transparece nela mesma. O tempo foi um acidente. A alma corrói o espírito. É preciso unir vida e imaginação na alma, nadificando o nada, como uma carícia na alma. Nadificando-me até não esquecer o nada, me esquecendo. Somente o nada é amor.