Blog da Liz de Sá Cavalcante

O comum da dor

Arranco meus pedaços para não ser mais eu, não me aprisionar em mim. Não estou nos meus pedaços, estou na minha dor, sem meus pedaços, para tentar ficar inteira. Meus pedaços não me deixam ficar inteira, assim como a noite necessita do sol. As coisas não vividas são o interior do vazio.

Delicadeza

Alma dança sua morte, com a delicadeza de quem vive. Delicadeza sem amor não é delicadeza. O céu é exigente com o ser. Deus, concilia o ser e o céu. Mas não concilia a morte e o ser. Não há como conciliar Deus com Deus. O despertencimento da alma é amor, é Deus. Mas sei que vou morrer, no despertencimento do nada, vai ser como ter Deus na minha morte.

Sofrer de corpo e alma

O ser cessa a alma lhe dando vida. Não penetrar em mim não quer dizer insensibilidade. Penetrar é insensibilidade, não sai pelos poros da pele. Sonhar é me rasgar de alma. Aprendi a ousar, ter alma. Alma é insegurança. Nada se refaz no tempo, se refaz na alma. A ternura da alma é amor. Tenho a oferecer apenas a minha morte sem céu. O tempo cessa sem a vida. O tempo cessa de vida. O ressecar do sol é a lua. Sofro de corpo e alma, sou uma mistura do sol com a lua, de mundo e céu, de vida e morte. A vida se encontra na morte, no céu, nas estrelas. Então por que ainda desejo o mundo sem necessitar dele? De corpo e alma, vou viver. Viver é uma vida com paredes. Ler lendo a vida derruba as paredes da vida. Não escolhi viver, escolhi ser eu para lembrar de ti. É mais do que vida, do que morte, é um adeus. Adeus em lembrar, em pensar em ti.

Tempo de alma

Dou vida ao meu amor, se eu tiver amor para dar. O tempo da alma é meu amor, que se contrai na continuidade da vida. A falta de tempo também é amor, não se encontra no tempo, não tem vivências. O tempo da alma é morrer por dentro do meu corpo. O tempo é Deus. O tempo da alma é sem Deus. Sem o tempo, Deus se ocupa do meu amor e ama sem tempo para amar. O tempo são essas palavras: não fica em mim, encontra teu caminho. O tempo é o reconhecimento do nada, onde sei que eu encontrei meu caminho.

Supondo a vida

Lembrei-me de esquecer, supondo a vida, o céu, as estrelas, as ausências, tão amigas, fiel a mim. Apenas a ausência me escuta. Crio o nada para me manter viva. Morte, sai de mim: tenho que conquistar meu corpo, minha alma, em vida. O benefício da morte é nunca a alma ser um adeus. Para ver não é preciso imagem. Imagem é o que tenho dentro de mim. A alma é o exterior do meu interior. Eu não crio a imaginação. Ela me cria sem cor, sem estabilidade. O ranger dos dentes é a fala de um adeus. Nada se fala sem adeus? Por isso, o silêncio? Penetrar no vazio é ter a segurança de ser feliz. Ao morrer, vi que essa alegria é eterna, não é mais vazia, é fazer da alma a vida da inexistência sendo feliz. A alegria das almas não nascidas é o não nascer na eternidade do amor, sem o vazio de nascer. Procurar o vazio no abismo de mim é não o encontrar.

A morte nasce de mim

A morte nasce de mim para eu ter liberdade. Incluir é o nada a respirar. Não há palco, plateia, para a estreia do meu coração. Mereço sofrer pelo nascer do meu coração. Morrer com meu coração a nascer.

Iluminando-me

O que há na verdade para compreender? Eu compreendo a luz e a escuridão sem necessidade de luz ou escuridão. Quero apenas que o meu desaparecer não afete luz ou escuridão. Luz e escuridão se misturam, nasce o olhar. Meu amor mudo, torna-me o que vejo. Ver é nunca encontrar. Ver é estagnar numa lembrança. Nada se vive em alguém. Posso viver por mim. E o que faço com a realidade do outro? Nada é inesperado até mesmo o morrer. Mas essa previsibilidade envolve o nada. Meu ser morre sem morrer. A morte imaginária é capaz de se deixar levar no mar seco. A morte imaginária é o tempo que me resta, mas não é tudo que sou.

Vários fins

O tocar enfraquece a alma e a despersonaliza como alma por não ter vários fins. Fora do corpo tudo é real. Assim, há vários fins, se pode escolher um fim.

A diferença entre o ser e a morte

O nada salva uma vida. A vida não tem morte, por isso, morri. Morri sem a distância da vida: apenas isso é real. Apenas o amor cessa a morte. Fundamentar a morte é a diferença entre o ser e a morte.

O mundo da vida e do ser

Se o tempo fossem minhas mãos, não seria sem palavras a remendar minhas palavras. Palavras são o mundo no silêncio da vida. A consciência não me compreende. A espera é um adeus. É fascinante morrer de uma espera, seja ela mundo ou ser. A natureza é a morte do ser. A natureza é a morte do ser. A natureza do ser não transmite sua morte. Deixa pelas cinzas eu notas o que fui um dia. Sentir a dor é cessar a dor com meu ser. O mundo, o ser, são a mesma coisa, sem objetivo de viver. Ruínas de vida a não esmorecer. Destrói-se como quem está a se amar.