Blog da Liz de Sá Cavalcante

Irremediável

Começar a viver no irremediável é viver de verdade. Saudade é conseguir andar no precipício como se fosse o chão. Saudade é a força contínua de ser alguém no amor que sinto em viver. A saudade de mim recupera meu amor por mim. Sinto saudade de mim quando estou com os outros. No fim, torna-se saudade nos outros. O que ignoro sem perceber que ignoro é a realidade. Realidade é me ver quando estou só. Ser só é aprimorar a vida. O sol de cada um faz a alma nascer, estando nós todos de frente, vivendo o sol de cada um em todos. Ausência é o ser em si mesmo.

Vida nova em uma vida antiga

Minha consciência me separa de mim por não pensar o não ser de mim. Tudo fica em mim no tendo sido. Meu ser é um ficar permanente, mas esse ficar nunca será alma, quer apenas o meu amor. Minha consciência é uma vida nova. Compartilho meu corpo com o resto de mim para amar. Internamente não sou eu. Se a vida fosse vida, não haveria o conviver.

Reclusão da alegria (Cativeiro, prisão)

Vida, vivo pelo seu olhar em uma reclusão do nada, da alegria. Não elaboro a alegria na vida, mas no nada, que resolve minha alegria na minha morte. Morte são cinzas do nada. Vida, me olhe, mesmo que eu nada signifique para você. Ver-te, vida, faz-me viver. Você, vida, vendo-me é a minha eternidade. Pela eternidade somos duas almas separadas: eu e a vida. Almas nunca se unem. Deixa minha vida vazar como a minha pele, que se abre expulsando meu corpo de mim. Sem mim meu corpo vive. O céu e o infinito são duas almas encontrando-se na morte do ser. Como unir a alma aos acontecimentos da vida no olhar? O olhar é o consolo de eu ser eu. Ao olhar sou o mundo inteiro. Sinto-me desconsolada de tanto amor.

Ver

Ver é apenas uma sensação confusa e vazia. Ver é não ser, mas o não ser é a lembrança que não pode existir sem mim. Guardo o não ser na alma. Ver é o infinito, é o vazio. Nenhum vazio é o fim. O tempo é o vento sem descobertas. O amor é mais do que ele contém. O amor cessa no olhar, nunca na alma. A semelhança morre na sua ausência, não na minha. Ver é dar razão a minha ausência.

Percepção

A percepção não me percebe percebida. A percepção que não existe são meus olhos, massacrados por uma percepção angustiada. A passagem para o nada são os meus olhos. O nada responde a minha vida. Hoje tenho ideias pela escrita. As ideias são como a certeza de viver. A percepção é a falta do ser, confunde-se com a vida.

O privilégio de sonhar

A sensibilidade do adeus é o privilégio de sonhar. A vida é um buraco dentro de mim. Queria que a alma fosse os meus buracos, as minhas faltas. Faltas preenchem meus buracos vazios. Pelos buracos em mim não morri. A minha distância de ser só é a falta de mim. A falta que eu sinto da falta acende o sol. Assim sei que meus buracos não são o meu amanhecer. Amanhecer é a falta de amanhecer. O dia não é lindo. A vida é linda. O dia esconde a beleza da vida. Vida, transformaste morte em saudade. A saudade é a única eternidade. O tempo partiu para ser vida.

Inalcançável

Vou cessar a consciência no amor encerrado. Não dei um fim ao amor. O amor é o fim. Deixo o amor no amor para ficar comigo. O amor é distante de si e nada lembra do amor. É como um mar sem lágrimas. Nem tudo está perdido: há o silêncio. Mesmo sem o silêncio, é uma paz sem vida. A morte é uma calma que devolve o mar ao sol. Nada é o que é. Eu sorri, desesperada, para sentir uma alegria que já sinto. Sentir não é uma verdade, é apenas um fato. Nada repousa no infinito, nem morre no infinito. A morte não alimenta a alma que não tem força para morrer. Se entrega ao nada, sem mim, em mim. A morte é uma imagem. Essa imagem nunca será alma. Ela é mais que alma, é aflição, desespero que não há na morte. Não preciso me acostumar à imagem da morte sem deixar de olhá-la, admirá-la. Sonho mortes que já me pertencem. Me vi morta no espelho. Lágrimas que prendem a alma na sua falta de imagens. Vou ter alma sem ter uma imagem. Sabe a alma que não posso lhe oferecer uma imagem. A imagem nunca seria minha e da alma; é apenas esquecimento.

A inessência é a vida

A inessência é o infinito da vida, que se divide entre o antes e o depois de mim. Antes de mim a inessência sempre amou, e até o depois de mim acabar como o meu fim. O fim é o reconhecer que não tem fala, amor. O caixão do silêncio está aberto de sol, alma, alegria. Agir em silêncio é cativar a alma. A vida supre o silêncio ficando dentro do sol. Dentro do sol o silêncio definha, perde as forças como se fosse falar em silêncio absoluto, onde a ausência cessa, desfazendo o sol. Não há silêncios, nem palavras de sol. Estou dentro de mim quando o sol penetra na alma. O fundo do ser é o seu silêncio. Na alma o silêncio ganha vida. Começar o dia sem o dia é sonhar além do amanhecer.

À espera de mim

Como entregar a alma à morte com ela à espera de mim? A vida não é totalidade do ser, é o ser em fragmentos onde não me sinto só, como na totalidade do meu ser. A espera de mim é a vida a partir. Partir é compreender meu amor pelos outros. Se o sonho é a consciência de mim, não flui no nada, se torna sono de uma vida inteira. Não sei se deixei o sono em mim. Pelo torpor da eternidade o amor dorme ­– eu o sinto no meu despertar: é apenas meu sorrir. Sorrindo me ausento a dormir entre estrelas. Dormi dentro de mim para estar desperta. Como uma noite e eu, vivemos uma para a outra em sonhos despertos na inocência de sermos felizes, onde durmo tranquila. É como se a paz do amanhecer fosse minha paz, ainda dormente de mim. Ainda não acredito que todo esse sentir seja meu sentir: amor! De braços abertos para o infinito, defino meu corpo como a vida que sempre terei e já tenho dentro de mim.

O tempo como abismo

A linguagem é a incompreensão do ser, e assim nasce o vazio. Pelas palavras que amo, sinto o gosto da vida. Palavras têm a cor da vida. A cor se desbota em poesias. As cinzas das palavras são palavras. A palavra é o meu limite de ser. Não sou apenas eu. Me transformo em ar, submissão, agonia, vento. Não posso me transformar no que não sou. Ser nunca se transforma em ser. Há cores que encardem a alma. A alma foge em flores de areia a despedaçar o céu de amor. Ir vivendo nada, sendo em vida, é como amar uma sensação perdida, que não posso sentir de novo. Tudo é uma única vez, nada se repete. A vida sou eu me repetindo. O tempo como abismo é o meu olhar que dança no abismo de ser. Eu refiz a alma em algo estranho. Não presenciei o nada no nada, e sim em mim. A vida não me conhece e deságua a alma na exatidão do sentir.