Blog da Liz de Sá Cavalcante

Poemas de escuridão

A morte é invisível, faz as coisas existirem, mas esconde a escuridão na poesia. A escuridão vai além da alma. Sentir a alma pela escuridão é um sentimento de valor universal: é amor! Tornar o importante pela essência é o inessencial, se a essência é inessencial, como a plenitude da noite: ela me separa da alma, da essência.

Desencontro

A luz que constrói o universo o destrói em um desencontro de amor. O amor não foi destruído na destruição. Ficaram as sequelas do amor. O amor não pode tornar-se um sintoma. Clareia amor: a escuridão é definitiva.

Reveste-me do meu ser

Cobre meu amor no que fui e reveste-me sem morte, mesmo comigo morta. Reveste-me de ti, mesmo sem amor por mim. Sem o amor ainda tenho a mim. Penso no que não existe: vai além do amor. Pareço feliz sendo a eternidade das minhas poesias. A poesia impressiona pela emoção, não pelas palavras. Palavras são reais na poesia. Eu ia só até a morte: nada se foi de mim: meu coração é o canto do céu, a preservar todas as vidas: até a minha. Tentei fazer do meu corpo o meu ser. A verdade é boa se a vivemos. Deixa o céu mandar na vida, em mim, sem eu morrer. Transcender é vida, nunca morte. Fizeste poesias em minha alma, pela sua ausência. Escrevi, ausente de mim, encarnando o nada da presença na ausência, minha presença é eterna. A alma merece morrer nas palavras minhas. Ela fala como eu. Mas a sombra do silêncio persegue a alma. Pelo gesto, pelo ar, não pelo ser a alma existe. Não existe alma na escuridão. O silêncio transforma a escuridão em luz. A luz é a falta de palavras, de ser. Encaro a luz como a falta de Deus. A luz é a vitória da morte. A luz se perde na luz. Deixa-me partir na luz da imensidão. Almas de luz sem imensidão das estrelas. Tudo precisa acontecer para não acontecer. O tempo desperta a vida, para o seu fim. A alma lentamente deixa de ser não há mais lugar para o mundo e Deus. O perdido é o amor que falta, sempre faltará. A inexistência é um adeus mudo, apenas a morte pode falar por ela. A fala da vida tornou-se imortal com sua morte. Deus a escuta em sua dor. O sonho de fugir para a fala da vida, foi o reconhecimento eterno que Deus existe. A eternidade é o que vou amar nesse reconhecimento de puro Deus. Tudo é apenas uma maneira de se chegar a Deus. Mas eu quero viver: a vida tem sentido dando amor a quem necessita. O céu é inimaginável para mim. Aprendi a amar o mundo, ele faz parte de mim. O silêncio de palavras me fez renascer pra mim, mesmo morta. É como se eu nunca tivesse estado em mim, por isso renasci como o céu da minha alegria. Não sei o que tinha morrido em mim. O renascer morreu em mim, mesmo assim renasci e foi assim que esse renascer infinito me eleva a Deus e torna o sempre de Deus, o sempre de mim. Quanto tempo passei morta, para descobrir este sempre. Estou viva para a vida, para Deus, para o amor e apenas isso é vida. Amor, amor, amor…

Prudência no sentir

Nem mesmo o amor me separa do real. A abstinência do fim cessa o amor. O amor não é o fim da alma, mas é seu início. O começar é a alma, sem ser início de nada. A morte é de vidro, se quebra: uni os seus pedaços, não é mais a morte: são pedaços desconectados, sem tempo nenhum. Não é preciso prudência para sentir a morte. A morte nasce junto comigo. Não vou partir sem morte, nem com a morte. As mãos isolam a poesia. O corpo não necessita de mãos, não as sente. A poesia sente as minhas mãos, no transcender do tremor do meu silêncio. A vida é o meu silêncio sem o silêncio do outro. Buscar o silêncio é tirar sua essência. O silêncio me veste de mim.

Pertencimento

Para escapar do nada, tenho que ser eu, me pertencer. Vou me deixar na ausência do pensar, que me faz reagir ao meu ser: me faz pensar, diluindo as lágrimas na saliva. As lágrimas na saliva. As lágrimas pousam no meu adeus: que é o meu coração que não vive, faz viver, no pertencimento do esquecimento é pior do que morrer. Por mais que o partir seja uma presença é presença solitária. Faço-me presença na solidão. Eu, sou eu, só. Guardei a minha morte dentro de mim, como se fosse minha alma. A alma torna o eterno real. Nada do que sinto é meu, é da alma. A alma é a desrazão da vida. Não posso ficar na alma para sempre: há amor mais verdadeiro que o da alma. Eu não percebo o perceber da alma e, assim, percebo a alma por mim. Percebo que meu perceber é mais do que alma, é vida. Eu achava que tudo fosse vida. Escrever é um novo mundo. A falta do mundo é o fim da saudade de ser. A escrita me escreve, eu escrevo a escrita, assim, vamos dançando no vazio, até tropeçarmos em nossa dor. Corpos soltos, sem dor, dançam a dor do amor. Ao dançar, é como se meu corpo não existisse. Sinto sua invisibilidade na minha existência. A invisibilidade é o olhar: conquista o mundo sem vê-lo. Vejo pela alma. O mundo é o passado, a vida é essência do mundo. O que falta a alma na sua essência é alma. Confiar são restos do amanhecer. O ser é um perfume, deixa a alma sem cheiro, cor, vida. O fim é o interior do interior. A falta do interior é o mundo que é o interior do nada.

Eternidade sem vida

O desaparecer da transcendência é o mundo. A morte que se vê em mim não vê do outro. A alma é a realização da vida numa ausência absoluta, que é viver, que é poesia. Eu escuto a voz da vida como se fosse minha presença. O sonho não tem voz. O interior não escuto sua voz: converso com ele em mim. Encontro a alma na falta de alma: no meu olhar frágil: ele necessita ver algo sem solidão. Solidão é uma força, a morte a carrega em si. Nada mudaria na morte: mas não quero o morrer, o fim. Quero o lado bom da morte, de descobrir outro eu. A alma é para si o outro em mim. Capto a alma sem o meu fim: é o fim de mim, o cessar o fim. Não consigo deixar de olhar de não ter alma. Ver na alma cessa a transcendência da alma: a torna apenas alma que foge de si de vida em vida. A vida é um olhar perdido no olhar de alma, que desata o olhar do mundo: é assim a irrealização da vida. A eternidade sem a vida é me perder para mim no meu suspirar. Meu suspirar é minha fala arrebatada pela morte, no amor que lhe dei. Na morte, a vida é um suspirar que se vê na morte. Não há suspirar na solidão. O espelho envelhece antes de mim. O espelho não é só. O ar se multiplica em vidas inexistentes, que estão vivas no ar que respiro. Respiro vidas inexistentes. Transcender é o vazio da alma encontrando a vida neste seu vazio. Viver torna a alma imortal. A minha imortalidade é sem alma. A escuta é o partir da alma. A alma partiu antes de mim, sinto-a viva. A saudade, única alegria da vida.

A diferença da vida para a morte

A diferença da vida para a morte é que existe apenas abraços com vida. A morte abraça o céu. A vontade de pertencer ao nada é apenas meu olhar a falar comigo, me vendo.

O que vivo é imaginação?

O que vivo é a imaginação ou a minha permanência de tudo, me faz não acreditar na realidade? Como a realidade pode ser amor? Como a falta do amor não é irreal? O sonho é real. Irreal é apenas a morte. O tempo é a ausência de Deus. Há Deus na minha vida, não há Deus na minha morte. Deus é vida. O respirar de Deus é minha vida. O sopro de luz escurece a alma. Ter que viver não é viver. Aprendi a ser só sem a morte. Me mostre sua alma e não saberei mais quem você é. Ou saberia? Não sei se sou eu ou é o meu saber que se anula. O sol não se faz sol, pois se torna saber. O sol é o saber do amanhecer. Mas não vejo o amanhecer pelo seu saber, mas pela sua beleza: é a beleza superando o saber.

Reviver

Quero tirar só minha alma de mim, sem ajuda da solidão. Tudo isso para reviver a alma sem sonhos, com a alma sendo real para mim, até na sua morte. Não há morte na alma, além do ser. A alma faz nascer vidas. Até o eterno parece com um adeus. A tristeza não parece com um adeus: tem fim. A insônia do adeus é o sono da vida, do amor. A alma é a profundidade do adeus. O adeus é o amanhecer. O corpo sem corpo não é a alma, é uma saudade preenchida pela saudade. Pela saudade, há vida, mas ela se torna vazia. Nada se torna o que restou: a saudade, entranhas da carne do corpo, a incorporar o nada. Através do espelho, meu nada chora por não me ver, embora eu exista na sua imaginação. O espelho atravessa minha alma em busca de mim. Encontra minha ausência na forma das minhas poesias. O espelho procura por mim nas minhas poesias, que me tornam inencontrável.

A perda do tempo

A perda é o tempo que resta na perda do tempo. O mergulhar do tempo é a perda de mim. O tempo é saudade de ser. Nem a saudade pode resgatar o que perdi no tempo. O seu tempo não é o meu tempo. O tempo de esquecer é eterno: tem suavidade das lembranças. O concreto é o tempo. O sol é a saudade da alma. É preciso colocar amor nas pessoas que não se perdem, por não quererem amar. O amor me convida a amá-las, como se eu não tivesse interior para ter consciência desse amor inexistente em ti, que não posso tornar amor, mas posso amar sua falta de amor, para que não morra ainda e seja feliz sem nada sentir. Até sua falta de sentir me faz viver. O tempo não foi perdido, deixamos de vivê-lo em nós.