Blog da Liz de Sá Cavalcante

O labirinto da morte

Faço minha lembrança surgir, a única saída para a lembrança é a morte, é o meu ser. O silêncio refaz meu corpo. Não refaz a alma, a compor a morte no silêncio que ainda falta: o meu ser. Ser, sendo eu, a minha ausência de mim desaparece como o mar, no infinito de mim, como uma sombra a se tornar sol, pela ausência derretida em meu corpo, na presença da alma. Nada sobrou da vida com a minha alma sem alma: minha presença eterna sem vida, sem solidão: é como uma montanha a balançar no vento, e desmoronar no sol. O amanhecer, concretude da eternidade: brinca de Deus. A eternidade é Deus: sentimento do mundo. O sentimento do mundo não é o amor de Deus. Deus ama, como se não existisse o mundo. Procuro pelo que não existe, sentindo o ar da alma no meu não respirar: é assim que cuido da alma, sem arfar na alma ofegante de alma, não posso morrer. Apenas sou, sou como o silêncio de morrer, que voa com os pássaros que levam meus sonhos. Sou presença nos meus sonhos: em mim, não sou. O sol nascendo na morte, eu a lembrar de mim. Isso acontece por não dever acontecer. O meu rosto é estranho, como a perda da morte. Ouvindo o mundo, a vida sem despedida de morrer. Assim, o sol dança, vive em lua. O sol tem o coração de mar. O mar tem coração de sol. Leve o coração ao parar de bater. E o ser sorri, me invade de incertezas. O tempo do vento é a incerteza do amanhecer, como o ar ao vento. O vento para no ar da consciência. O nada se derrama em vento, em ansiedade. Ausência chora em mim. Nada chora por ti, como o desaparecer desaparecendo, no meu corpo, na minha alma, para eu aparecer no sorrir das rosas. Corpo de rosas para a luz eterna. O som do silêncio se perde na alma a me captar sem mim. Essa é minha morte, minha vida, enquanto durar a eternidade para eu não morrer sem mim.

Evidência autista

A evidência do mundo não sabe do mundo. A evidência do nada sabe do nada. Além do profundo, a morte. Minha alma se cura da morte com a morte. Me defendo da morte com minha pele, com o ar da morte em mim. O ar é a morte interior em busca da morte exterior. Do eterno, resta a eternidade do ser. A alma, para ser boa, tem que ter espírito dentro dela. Parecer alma não é ser alma. O abismo do espírito é a alma. Se a voz da consciência for amor, não será escutada, nem pela própria ausência. O mundo dos fracos é a presença. O mundo dos fortes é a ausência. Tudo desaparece sem cinzas. O olhar é comum na ausência. O espírito do olhar não tem vida. Cinzas do morrer é o vir a ser. O corpo se refaz em cinzas. Cinzas de flores como lembrança eterna. Lembrar do vazio não torna uma lembrança, lembrança de mim. Não sou vazia, me vou com o vento. Isolo-me em ventos misteriosos, e a falta está completa, plena. A morte é a salvação do mundo. E se eu for tua vida, depois de eu morrer? Fará da minha morte tua consciência. A consciência do nada foi me abandonar. Dormir me desperta do meu abandono de mim. Meu corpo é um sonho inerte. O amor é negativo, nunca será um ser. O significar é minha morte. Mas, sem significar, também não vivo. O significar é a certeza de que nada existe. Existir é um sonho sendo humano ou divino. O nada me olha como se soubesse da minha inexistência: no fundo não vê nem minha inexistência. Assim, a alma do vazio não se cala, se dá às estrelas. A evidência é o nada como inexistência. O nada como inexistência é existência.

Desmembramento

Depois de morrer, tudo flui naturalmente como um desmembramento da alma. Se fosse para receber alma, morro. Morrendo, tenho alma. Alma é uma forma de ficar na vida. A verdade da alma é o ser. O ser sem o ser é a essência. Não existe essência no ser, por isso, ele existe. A essência não chora, sonha. Não consigo sonhar sem essência. O nada da essência é o sonho dentro do real. Sofrer é um sonho. O ser tira a profundidade do sonho num amanhecer eterno.

Impenetrabilidade da solidão

O vento arrasta o precipício, por ele ser só. Sem a solidão, o precipício ainda existiria. A morte une a vida a mim. A vida existe pela morte.

Fluidez na dor

Morri sem a ausência no sentimento de viver. Vou fluindo na dor em busca de ausência de não morrer. Na dor tudo se suporta, vou viver na dor, é minha última vontade, meu último suspiro para todo o sempre.

É a substância do meu ser que me faz viver ou é apenas a saudade de viver

Substância é apenas saudade da vida, onde me deixei viver, a fluir no nada. Fluir é pertencer ao nada. Nada sou sem o nada. A poesia perde suas palavras em receber amor. Nada pode faltar ao amor. O amor é a falta de mim, numa perfeição absoluta. Todo absoluto é uma falta, uma perda. Vivo apenas a perder. O subjetivar é uma perda narrada pelo amor. O tamanho da minha solidão é o ar. O silêncio é o chorar do mar. O nada do mar não chora em suas ondas de ausências. Minha ausência é um distante perto. Me perco, o nada me encontra. Me sinto segura no nada. Escrever é ver o nada em mim. O fim de escrever é o ser sem a vida, em um encontro de eus, onde não há vida, morte, sentimento, há apenas este momento de escrever, que falta na vida.

Aprimorar

O nada aprimora o ser. No ser, falta apenas o ser. Me machuque apenas com faltas, única forma da presença. Mas, se ela for apenas ausência, me liberta. Estou cansada da minha presença. Se ao menos ela fosse presença do nada, ainda teria mãos para escrever, mesmo sem inspiração. Apenas em ter mãos, seria como escrever, ser feliz.

A cor do nada

O ver do nada sou eu. O equilíbrio entre o ser e o nada é o amor da morte, a colorir a cor do nada. A alma estagna no olhar. A sombra do olhar é o agir da alma. A cor do nada suspende a escuridão na minha dor. Sofrer com a cor do nada é a imensidão. O infinito busca a cor do nada, como quem busca a vida. O céu na cor do nada é a alma. Se a alma é apenas um instante, para que a vida? O céu é o fim da alma. A alma não pode me fazer morrer. O olhar é o fim do amor? O olhar é ausência de tudo, no fim do nada, onde começa o sofrer. O nada falta do desespero da vida. O silêncio é desespero eterno. Ver é ausência nesse eterno ver. O ver é a superfície do fim. Esse respirar é o meu fim. A morte é o ser no mundo. Não entro dentro da poesia, nem ela dentro de mim. Somos dois sois sem mundo, sem palavras, sem vida.

Solicitude (interesse, atenção)

Desligo-me da morte, esquecendo a vida. Falo os nadas do meu pensamento: concluí o viver. Corpo no corpo é sem ser. O corpo no ser não é corpo. É um passado sem alma a se tornar um fantasma do meu amor. Essa moleza de alma é o espírito, a vida. Nós duas não podemos renunciar o nós inexistente. Morrer é respirar por mim. Morrer não é renúncia, é pertencimento. Amor não é inconsciência. Desamor não é inconsciência. Inconsciência é nada sentir. O real escapa pela natureza de ser, onde se morre a sentir. Sentir é um fato concreto da ilusão. A ilusão se perde em si. Em si mesma, a ilusão não é ilusão. Pelo sonho, encaro a vida, tão distante quanto uma ilusão.

O eterno no ser

O eterno no ser é o nada. O eterno no ser é uma ausência boa, prazerosa, onde não importa a falta de lembranças. Lembranças recorrem ao nada do fim para ser lembradas. O eterno no ser é a morte: me diz que posso ficar onde estou: na solidão do meu amor.