Blog da Liz de Sá Cavalcante

Atordoamento

Nada é real para mim, não preciso me atordoar nessa paz irreal: é tão real para mim como um desaparecer sem eternidade. O desaparecer da eternidade é o real sem o real. O desaparecer da eternidade é a alma. O aparecer da eternidade é a ausência da ausência. Abrir os olhos na ausência é o fim. É preciso não existir ausente para amar? A ausência é o amor. É difícil escutar na sombra do adeus, olho para o adeus como se escutasse o vento no sol da manhã. Eu disse adeus ao sempre, para me castigar, me torturar, longe desse atordoamento feliz. A reparação das alegrias que nego não me faz feliz. Tudo é melhor sem alegria: minha tristeza é feliz. Mas não é triste ser feliz. A lembrança é o que a alegria e a tristeza não conseguem: viver. A lembrança vive mais do que eu. A lembrança é o que eu quero ser: não quero o meu ser: fragmentos de uma lembrança inexistente. A lembrança do nada me domina, me faz feliz. As lembranças atingem o real, elas o envolvem. Não lembro mais do real, e sim de mim, de ter sido abandonada até por mim, pelo pensar, deixada numa poesia de amor, de sofrer: ninguém lê. O amor nas palavras é imortal. Não existe o depois das palavras. A solidão da esperança é o céu, apesar das estrelas.

Nervos de pele

Não consigo me mexer, os nervos da pele estão intactos: é quando sei que vou chorar por amor. Nervos em pele são nervos de pele. O olhar de nervos em pele assusta a morte: a faz morrer em meus sonhos. O sonho se descobre em mortes límpidas, cristalinas, se rendem ao ser, não ao céu. Muito foi perdido sem morte. O nada substitui a pele em nervos em pele. A apatia são os nervos em pele, absorvendo o nada. O corpo não sofre no nada: sofre como se fosse o nada. Nada se vê no nada: ele é a verdade do ser. A verdade, na verdade, não é mais verdade: é o nada, que libera meu ser para viver. Vivo enquanto o nada existir. Meu olhar se perde em peles de momentos. Apenas o momento são fragmentos de alma, que se mistura na pele: é como viver a realidade e o sonho de uma única vez. O infinito sofre de alma. A alma não é sonho, não é real: é o meu ser a se permitir ser o vazio de alguém. O vazio é o outro em mim. Nada é distante nas estrelas. As estrelas separam o errado do certo, no meu amor, sem a pele. A profundidade é monótona, é apenas pele.

Subverter (modificar algo estabelecido)

O modificar pode modificar a si mesmo? Modificar é deixar de ser, para ser apenas uma modificação inoportuna. O céu é Deus em nosso amor. Nada pode transformar o que não é. Os nervos do sol fazem Deus amanhecer, espalhando amor. O amor é ansiedade mortal. Mas, se o sol fica ansioso no amanhecer, a ansiedade de amar é tão natural como a sede de amar. Não se pode mudar o amor. Nós é que mudamos por amor. É inacreditável amar, de tão especial. Não há nada entre o céu e a terra que dure mais do que o amor sofrido por viver.

Versos sem canções

Versos sem canções são meu amor aprisionado em abandonos da alma. Abandonar a alma para escrever é a miséria do meu espírito, no meu respirar. O espírito morre no meu respirar.

Tempestade de sol

Ninguém pode viver, amar, ser por mim. Nada me esmaga: estou protegida numa tempestade de sol: me apropriei da morte sem lhe sorrir. Sorrir é vida que não se revela na alma: se revela no ser. A alegria dada a mim é uma tristeza infinita. O fim é o por vir de algo maior, uma força descomunal: se arrasta sem força, tudo que pensei ser força era apenas determinação vazia, mas não era indeterminação. A indeterminação existe apenas sem as oscilações da alma. A indeterminação é determinação do vazio, determinação do ser. A borda do ser é sua profundidade, meu refúgio, longe das margens da vida. Apenas meu olhar fica à margem da vida, distante, alheio a mim. O amor é distante de Deus. Apenas a devoção profunda da alma, da morte, é Deus, no meu descanso eterno. A eternidade é sem Deus: o descanso de amar é Deus em um novo amor. Para que o amanhecer, se tenho Deus? Viver é desnecessário, mas é tudo que posso oferecer a Deus. A única alegria que posso dar a Deus: é a de viver. Em Deus, nunca é escuridão, mesmo sem o amanhecer.

Desabafo

Tristeza, me console de mim, faça-me desabafar, pois sonhar é morrer. Onde está a morte, que esperei sem alma? Está na tua solidão? Eu não sou encontrada, sou alma: posso morrer em respirar.

Corpo de alma

O tempo é uma sensação vazia, como um corpo de alma. Um corpo de alma define a solidão sem alma. A alma é indefinível e questionável no corpo. Um corpo de alma é o sempre em mim. Livre para morrer em um corpo de alma, abre os caminhos, os faz chegar a mim. Deus é uma subjetividade na completude da vida. A subjetividade é uma alma inencontrável na alma.

Ternura do desapontamento

A voz desaparece na alma, como lembrança de mim. Voz é o esquecer eterno de mim. Nada é eterno na eternidade, mesmo assim, ela é eterna. A eternidade é separação. O olhar do fim é a união da palavra com a eternidade. Sonhar é eternidade no eterno. Você vive apenas nos meus sonhos, meus sonhos: queriam despedaçar em ti. Querer são sonhos que sofrem. Em vez de olhar.

O despertar ausente

Desaparece com meu amor, para eu não o ver mais, para eu despertar ausente. A morte é suave: é o amor deslizando em mim, e eu nele. Os abraços que não dei são a vida. Afogando, respiro, desobstruindo a alma. Um anjo deformado, destruído de sol, é meu único abraço. Anjo da morte, você ainda pode viver: mesmo sem mim. Vida como se estivesse a me abraçar. A poesia é tão triste, que não soluça, a ausência soluça por ela: assim, a poesia se torna absoluta. O sofrer é a ausência do nada. O branco, se colorindo de lucidez, é o nada. Durmo na inconsciência do meu ser para despertar. O reflexo do amor é a alma no espelho. O sofrer do sofrer é a autonomia do ser. Ver pelo nada é tudo ver: é me ver com olhos de amor. Ver pelo nada é ver apenas a mim. Misturar-me com o nada é de um amor tão puro. É impossível ser mais feliz do que já sou. Misturando-me com o nada, vi a vida como nada, sendo maravilhosa. Estou doente de vida. Da vida. O amor é falta de ser.

Lutar contra o pensar

O início do nada é a vida. O nada é a realidade. O céu alcança o nada. Há um instante que absorve o meu eu e o cessa em mim: o do pensamento. Apenas o pensamento conhece a alma sem amor. Eu conheço a alma no amor que sinto. Pensar pela essência é pensar o nada. O fim da essência é a vida.