Nada é real para mim, não preciso me atordoar nessa paz irreal: é tão real para mim como um desaparecer sem eternidade. O desaparecer da eternidade é o real sem o real. O desaparecer da eternidade é a alma. O aparecer da eternidade é a ausência da ausência. Abrir os olhos na ausência é o fim. É preciso não existir ausente para amar? A ausência é o amor. É difícil escutar na sombra do adeus, olho para o adeus como se escutasse o vento no sol da manhã. Eu disse adeus ao sempre, para me castigar, me torturar, longe desse atordoamento feliz. A reparação das alegrias que nego não me faz feliz. Tudo é melhor sem alegria: minha tristeza é feliz. Mas não é triste ser feliz. A lembrança é o que a alegria e a tristeza não conseguem: viver. A lembrança vive mais do que eu. A lembrança é o que eu quero ser: não quero o meu ser: fragmentos de uma lembrança inexistente. A lembrança do nada me domina, me faz feliz. As lembranças atingem o real, elas o envolvem. Não lembro mais do real, e sim de mim, de ter sido abandonada até por mim, pelo pensar, deixada numa poesia de amor, de sofrer: ninguém lê. O amor nas palavras é imortal. Não existe o depois das palavras. A solidão da esperança é o céu, apesar das estrelas.
Atordoamento |