Blog da Liz de Sá Cavalcante

Morte sem palavras

A morte é sem palavras, quando o silêncio é pouco para se viver. A alma, o amor, são poucos para o silêncio. O silêncio se realiza na minha morte: é quando consegue me ouvir, ser para mim o que sou para ele: amor, amor, amor…

Na pele do outro

Ficar, ficar… habitar a pele para sair da pele do outro, é ser eterna na pele do outro. Na pele do outro eu sou eu, sem ser para o outro o que sou. O que eu poderia ser para o outro?! Nada! Nada no outro fica em mim, por isso, fico na pele do outro, como se fosse minha pele, e me misturo comigo mesma nesse rasgar-me sem pele de mim, resta apenas lembranças apagadas na minha solidão. Lembro apenas de ser só. Penso ser a pele do outro, o outro em mim. A minha solidão, marcada na pele, como tatuagem, se colore. O outro não sabe da minha solidão. A pele fere a alma, sentida como alma. A única atitude da pele é refazer a solidão em ti: para que sobreviva ao meu amor. A pele do outro é meu frio de viver.

Há uma sombra no meu pensar

A visão necessita da cegueira, assim como o bom necessita do ruim. A morte é o anterior do ser, é quando tudo se acalma, e o mundo é mais mundo. A permanência é um vício que tenho largo nas alturas de mim. A alma é ilusão de quem vive. O olhar é transparência da alma no nada. O fim da alma é o ser. O ser é falta de outro ser, na convivência com o real. A vida me afastou das pessoas, não de mim. A vida fica bem distante das pessoas, do mundo, do além. A morte é o ontem amanhecer. Antes de ter alma ser na alma o que a vida é para mim.

Mansidão nas entranhas da morte

A mansidão das entranhas da morte entra nos meus poros, cria raízes. Minhas vísceras se perdem em morrer. Morrer pelas minhas entranhas. Morre de si mesma. Nunca morrerá por mim: por isso, não sinto sua falta.

Meu ser indivisível

Meu ser indivisível é uma troca de permanência. A alma falha na permanência. A alma não é permanente. A permanência da alma é a falta de alma. A vida é a permanência de Deus. Ser é não ser, assim como o mar se esconde no universo.

Morte indiscutível

Não consigo parar de morrer, por nunca morrer. Arrancar o arrancar de mim, como um sonho. O céu extenua como um sonho. O cansaço do céu é o seu sonho, seu céu. Perceber o não ser em mim é ter alma. O olhar é o nada do pensamento. Não se pode definir o real. Sem o real a vida seria perfeita. Falta muito para eu viver, falta tanto, é melhor não tentar.

Conviver com a morte

Pela invisibilidade nasce o nada, para tornar visível o invisível. Eu, por mim, não sou desespero. Eu, de mim, sou desespero. Do amor nasce a paz de morrer. A paz de morrer está visível: no sol, na sombra de ser, na vida, nos sonhos: no sol de ser. O sonho é o instante inexistente que faço existir. A sensação é a única morte sofrida. Ter sensações é conviver com a morte morrendo.

Profundezas por um sonho

Profundezas por um sonho, sem ser a vida este sonho, um sonho apenas meu. E se ser eu for um sonho, adianta sonhar? Agarro o nada como esperança vazia dele me fazer viver, dá força à poesia lida por alguém. Não é a mesma força de ser só, é força de conviver com a solidão para não afundar a solidão no que ela é capaz. Apenas a solidão transforma a vida em viver, no melhor de mim: a própria solidão. O silêncio de ser só não despreza meu sofrer. É pelo adeus que convivo com a vida: esse conviver é Deus na vida. Há dois infinitos, o nada e o ser, tem medo da vida. Trazer a morte para a escuridão é a vida. Tomo a morte no meu próprio ser para não aceitar as palavras da vida. Para aceitar amar é preciso negar quem sou para mim, que esse amor, essas palavras não se comparam com o meu ser. Meu ser está além do amor, das palavras, mas, mesmo assim, não tem presença: presença são os outros sendo eu. A visão da minha ilusão é o amor visível e inacessível, como uma alma que se encontra em si mesma. Me separar da eternidade é minha alma, minha luz, a torno escuridão. A escuridão é minha alma, minha eternidade, na qual as flores, a vida, são folhas para escrever. A minha visão são estrelas. Realizo a vida com ausências. Mas não me entrego à ausência: nem mesmo ausente. De tanto usar a alma, a alma se torna infinita. Meu corpo é infinito, ao usá-lo na alma. A ausência não é ausente. Percebem-me viver: não sei o que fazer com isso. Meu corpo me impede de morrer, me ama, cuida de mim, como a alma não pode cuidar de mim, me amar. Minha alma não me conhece. Se me conhecesse, me amaria. Me amaria tanto que esqueceria de si, e me tornaria eterna. Não posso morrer, agora não, pois a minha alma me ama. Essa descoberta é vida, não pode se tornar morte.

Luz cega

A luz cega sem luz. Seu não ver é sua luz. A luz não tem alma. A palidez da luz pelos instantes não perdidos é o recomeço do nada, no adeus sem luz. Ser, não ser, é a mesma luz, definida como tristeza. A ambição de ver, ser não evolui o meu eu. Ver é triste como é sublime. Nada! Tudo se vê na essência do nada. Ver é a escuta. Ver é a escuta interior. A morte se torna comum, banal. Ficar é não sofrer por quem morreu? Como sei que sofro? Parte de mim é saudade do inexistente. O inexistente me faz sofrer sem morte. A luz cega me ilumina. Faz que o nada não viva em mim, viva por mim. Enlouquecendo estou salva de mim. Quando o corpo não necessita da alma, preciso me agredir pela falta que faço a mim, é porque existo. A luz cega é o que me une a mim, me protege mesmo vendo e amando a inexistência, como um último sol, última esperança. Mas ainda há a esperança de me ver sem meu sofrer.

Desalento

O sol não entra em mim, mas eu entro no sol da poesia. Não fico vazia por morrer. O sonho se mistura com a alma: nasce a vida. A obscuridade da vida é a claridade do céu. Como nascer de um nascer de ilusão? Por que não é suficiente nascer? Quero ser o nascer de mim, como meu amor. Sou meu amor, pela falta de amor. O amor é rei do sol. O céu nasce de Deus para depois ser céu. A ausência do interior de mim é o amor do céu. Nenhuma lembrança trará o céu para mim. O sol é sem ausências, sem ser perdido no infinito. A vida parece tão distante de mim, como o desaparecer do sol: ainda há esperança.