Blog da Liz de Sá Cavalcante

O olhar da irrealidade

Tudo desaparece no ver. O olhar da irrealidade é a transparência do ser. O ser sem realidade é alma se tornando eterna. Nada é eterno para a eternidade, mas tudo é eterno na eternidade. Não há distância na distância, há o adeus onde esqueço a distância de mim, pela espera da distância. Alma é imaginação. A morte salva a alma da alma. Flutuar na irrealidade é deixar de cair no abismo. A irrealidade é alma que permanece como uma canção de amor. Vivo sem alma. A indeterminação é o ser como alma. A história sem o ser revira a alma. O corpo é um pedaço do céu que foi esquecido na existência. A existência é falta de céu. Céu, alma de Deus. Ter Deus no corpo é não sentir falta de alma.

Consciência do corpo

A alma é o nós do corpo. A alma é consciência do corpo. As cicatrizes são flores selvagens na alma. A morte é sem cicatriz. Tudo na morte se renova. O querer morrer não se renova. Querer morrer é chance de ver a vida, em um novo olhar. O antigo olhar é a margem de mim. Apenas a consciência é um olhar de Deus. A consciência do corpo é a sua ausência, que às vezes é corpo, às vezes é alma. O ser e o nada se misturam na minha imagem, como eu a nascer da minha imagem: última esperança de nascer o sol. Sem sol a imagem é vida. Vida, clareia a alma. A lua se abandona em consciência sem sol.

A interrupção do silêncio

Deus é a inconsciência da interrupção do silêncio interior. A inconsciência é consciência de vida. O corpo é um silêncio: sai de dentro da alma para a vida. Às vezes o corpo fala no sussurrar dos movimentos. Algo range, se destrói na alma. A dor da alma dói menos que a dor do ser. Minha vida é alma: embala o céu com lágrimas distantes, ausentes do céu. Meu corpo é o outro em mim. O silêncio interno do meu corpo, é meu mundo que se divide em minhas lágrimas. A interrupção do silêncio derruba minhas lágrimas, no abismo das minhas lágrimas. Apenas meu corpo chora por mim. Há amor nas minhas lágrimas. O tempo é feito de sofrer. O sofrer, se fosse o tempo veria a alma. Não há nada entre o céu e o mundo, que separe a alma de mim. O silêncio vagueia, fluindo no nada. O silêncio é a dor comum da compreensão. A dor incomum é o meu eu. Nada veria do nada, vejo apenas silêncio. Eu, a consciência do outro, vivemos a mesma solidão. O não ser é minha alma. O sonho são os olhos da alma.

O imaginar é mais essencial do que a realidade

A esperança é falível. Expulso estrelas para morrer no meu brilho. Piedade para a morte, se apegou a mim. Estou mortificada com o amor. Se não houvesse vida, não amaria a morte: a vida é pouco para mim. Quero a eternidade de morrer na vida. Nunca na morte. A realidade é como se o céu entrasse dentro da realidade, da plenitude humana. O amor é capaz de fazer a plenitude desaparecer, para a paz ser real. Tão real que ando sem paz, a esmo, procurando o que apenas a paz pode me dar. Nada me estimula. Já sei o que é a vida. Depois da morte o que há? Nada, mas me sentirei satisfeita, feliz, não por conhecer tudo, mas por fazer parte de tudo, e em tudo deixo um pouco de mim.

Alma doce numa amarga tristeza

Te vi sem te ver pela ilusão de ver que é apenas eu, no meu fim. Fim que eu conquistei, amei. E até o perdi. Perder o fim na alma é decepção. Ganhar fim na alma é o êxtase da inconformidade. Amo pelo nada me separar de mim. O que se ama no fim não é amor: é vontade de viver. Viver para encontrar o amor, mesmo como fim. O amor surpreende o fim, o ensina a se aceitar: nem tudo está perdido no fim. Amar o fim entre tantas coisas para amar, me desprende da alma. Me faz ser eu sem ter aprendido a ser eu. Assim, sou mais eu ainda, tanto na vida como na morte. Não me peça para esquecer o fim, seria me esquecer. Não tive uma vida, tive um fim. Mas não sou o fim de mim mesma. Sou a poesia que me faltará sempre a escrever. Mas ela já são meus olhos, meu corpo, alma. O fim da poesia não é outra poesia, não se começa um sentimento noutro sentimento. Cada poesia é um universo. A poesia é onde aprendi o sonho de ser feliz. Mesmo morta continuarei a sonhar: vou fazer poesias no céu, onde minha alma serão minhas mãos. Posso estar em qualquer lugar desde que possa escrever, sonhar, amar.

A conciliação da alma com o espírito

O que sai de dentro de mim concilia alma e espírito numa solidão profunda que é solidão, que é espírito. Nada do que se move vive, por isso não pode flutuar no imaginário. Tenho pressa em viver, até o não vivido. Posso viver a morte nas recordações. O inesperado, o surpreendente aconteceu: a morte me emocionou na minha falta de emoção, que é emoção, é amor. O amanhecer machuca a alma na solidão de Deus. Deus é a espera de ser. Deus ama e nós tentamos amar, acompanhar seu amor na minha própria invisibilidade. Vou aparecer na visibilidade do céu: essa visibilidade do céu não tem a minha invisibilidade, o meu amor.

Sem saída

Não há cura para solidão. A solidão é a alma, onde nascem coisas boas. Não consegui ser alma, ser só. Sou só no que escuto, vivo, amo: não em mim. Sou poeira varrida no tempo, sem o vento a me acalentar, me espalhando em um amor sem fim. Poeira é vida. A morte limpa a alma. O desassossego da alma não mexe em mim. A ventania é um sossego contra a solidão. Não sei pensar, sei ser só, como se a cada instante eu recuperasse a minha alma. O devaneio da alma não faz sombra na ausência. Falta de um adeus a estremecer a eternidade da alma. Tudo na alma não cansa o corpo que recolhe as cinzas da alma, como se fossem estrelas do céu. Nasci para ser alma, abandonando o absoluto de mim. Preciso me despedaçar para não morrer. O azul do céu escorre em alegrias desconhecidas.

Ambivalência da falta

As nuvens clareiam o céu da imensidão do infinito. O amanhecer endureceu em pedra para não morrer. A poesia sem amanhecer é alma. A alma sem poesia é espírito. Apenas o espírito me tira e devolve a alma. Vou morrer por ter alma. A ambivalência da falta é a alma. Custei a aproveitar minha alma: a via como ameaça. A alma dorme na minha morte: tem lindos sonhos: são a luz da alma, onde meu amor não precisa renascer na sua morte.

A consciência da inconsciência

Respirar me deixa na consciência da inconsciência. Nada a dizer: tarde demais: eu sou eu. Alma é que não mostro, que existe sem precisar ver no ver eterno. O entendimento não esclarece a alma, a confunde em ser ou não ser uma ilusão. Diálogo é alma. A alma me fez acreditar na ilusão de ser. Minha memória nesse há algo, além de mim, é uma sensação vazia que sinto como uma esperança infeliz. A memória esvoaça no céu. Se faz lembrar como algo estranho, onde tenho o nada em mim. Não lembrar não é consciência, é o meu ser. Não se tira uma vida sem lembrança.

Sumiço para socorrer

Sumi para socorrer a alma do amor que lhe tenho. É melhor ficar na morte do que na alma: a morte tem luz própria. Começar na luz e terminar na escuridão. A luz é o meu sofrer. A luz não compreende minhas poesias, mesmo assim, sinto luz nas poesias. A insanidade de morrer é a alma, saindo de dentro de si. Saindo de dentro de mim, a alma voa como o vento. O vento em alma é o sol acostumado a natureza do ser, teve que ser sua própria natureza. Para o ser ser o nada, falta muito. Sou incapaz no ser, capaz na alma. Chorar o nada é ter alma. Posso negar ser eu que vivo, amo a vida. Mas até minha negação, vive, ama. Sofrer não é doença. Me recuso a sofrer com negação. Faço do meu sofrer algo positivo. Ajudo os outros a não sofrer sofrendo. Guardo a morte no sagrado de mim. Sou mais inalcançável do que a morte. Mas quando amo, transcendo de amor. O dia é coincidência. Não quero defender da vida, de viver. O olhar da alma se mistura no meu olhar. O ser do ser separa meu olhar da alma. Não há uma próxima vida. O olhar é a vida que eu quis. Olhar o admirar é me distanciar da alma. O olhar é inseparável de si mesmo. Ficar sabendo do olhar é não saber de mim. Meu desparecer, é a minha alma. Não é fácil desaparecer, ter alma. Aparecer a alma é acrescentar vida às estrelas é ser mais feliz que sonhar.