Blog da Liz de Sá Cavalcante

Não existo nas coisas, existo em mim

Não consigo chorar por mim, então choro pela vida. Sinto que preciso chorar, mesmo sem nada ter que chorar. Pior que chorar é perder minhas lágrimas para o vazio. Mas a alma não existe, sem o vazio que seca a dor com lágrimas inexistentes, mortes imaginárias. Ressecada sem sofrer, a dor se imagina morrer em mortes imaginárias. Tudo se foi, sem meu olhar em mim. Não tenho mais meu olhar, tenho vida. Somente tenho a vida, para mostrar a mim o que é o mundo!

Pelas lágrimas amo

Amo o amor. Amo o que não se pode viver, num abraço que prolonga a vida, mais do que a eternidade da vida. A alma é um adeus, que protege a vida, que quer saber do mundo, nesse adeus, sem nenhuma despedida, sem fazer-me de adeus. Deixei a alma se emendar na vida, para ela se sentir forte. Há mais alma na perda da alma do que na alma. Não há nada que eu possa demonstrar por uma vida morta, e, assim, há tudo a se demonstrar por mim. Fazer da vida fora de mim a mesma vida de dentro de mim. Mas a vida ausente não é a vida que é presença em mim. Se oculta a vida sem morrer. Morrendo, a vida se descobre nela mesma. Pelas minhas lágrimas, ela esquece que morreu, se sentindo morrer.

No tempo nada existe

Se conformar com o nada, deixar o tempo partir sem o tempo que construí, é morrer eternamente. Mas, nada morre para sempre, se torna o fim do tempo. Viver sem o tempo é a pior morte. É preciso perceber que não dá tempo para viver, ou não existe tempo para viver, apenas para morrer. Morri, pois, ao menos, o instante vive, lembrando a vida que eu devia ter.

Necessário

É pelo isolamento que se constrói o necessário da vida, que é mais do que essencial, é só. A espera da alma em si mesma é a vida do ser. Deus é a falta de um adeus! Somente o adeus é a inexistência de Deus, que me faz viver sem os abraços de Deus. Não há alma que dure em mim, por tanto amor que sinto. Sentir para ter alma. Quando olhei para a alma, a desconheci, foi como se eu e meu olhar fossem o único universo no mundo.

A narrativa do olhar

Nada posso dizer da eternidade, tudo fica na narrativa do olhar. Quantas vezes, vi o que não quis ver. Nada posso ser para a eternidade, sem o meu adeus. A vida se vive no aprender. Aprendendo, desaprendo a ser. A poesia é o único destino sem volta, sem saída. A ausência da alma é algo ruim, que transforma o ruim em algo bom. Nada supera o nada. O nada é o amor absoluto, que se preenche até na dor. A dor de amar me mantém mais viva do que o próprio amor. O amor mata mais do que a morte. Viveria quantas vezes fosse necessário, para saber o que é a vida no amor que sinto. O olhar narra a si mesmo só, como se eu não fosse parte dele. A eternidade não consegue viver no ser, como a morte consegue. Tudo é amor. Às vezes, a totalidade destrói o amor, sem a imagem da vida. Foi numa imagem, que a vida surgiu, quer acabar com a minha imagem, pela infinitude da sua imagem. Por que a imagem tem que se definir como finita ou infinita? Não quero uma imagem, que sempre ficará perdida na permanência. A permanência me isola da vida. Não há permanência sem imagem, sem a falta da imagem do ser. Toda permanência é real, mesmo que ela seja apenas sonhada, faz tudo existir.

Meu ser em Deus

Pela falta de Deus na alma, o ser existe. A alma renuncia o ser, como se ela fosse a realidade de Deus, é apenas um dos vários sentimentos de Deus. Mas Deus sente algo por si mesmo? A alma sem Deus é o vazio. Deus não cessa dúvidas, torna as dúvidas eternas. As dúvidas são a eternidade de Deus, sem Deus. Apenas nossas dúvidas são Deus, mas não sinto minha dúvida: ser Deus em sua sinceridade. O torpor da alma é Deus, na presença de Deus. Meu ser em Deus é o que ainda existe em mim. Mas não posso viver apenas da presença de Deus. Deus é o sono. Mas, em algum momento, terei que despertar, para ensinar as pessoas a cuidarem do mundo. Como cuidar do mundo, se não sei o que é mundo? Cuido, sem me notar. A alma percebe o mundo, mas não cuida dele. Meu ser não deixa minha presença na vida, no ser. Confio apenas em Deus para ser minha presença. Deus é a transparência descoberta, escondida dentro de si mesma. As coisas são decididas sem amor, por isto existe Deus: para decidir pelas coisas, pelo ser. As coisas do mundo são do ser, a decisão sobre elas não depende do ser. Minha alma é o mundo. O que fazer no mundo, se o amo como se fosse a vida que não possuo? Nem pelo mundo, nem por mim tenho vida. Quero que os momentos sem vida sejam minha melhor e única lembrança. É a vida que me faz sentir só, ela lembra o que não posso viver, por já estar vivendo. O inesquecível torna-se esquecido por pensar. A ausência do mundo é amor. Pela ausência do mundo, sinto o mundo, é como se nada tivesse exterior a mim, como se tudo coubesse dentro de mim, pela interioridade do meu ser. Mas meu ser não está dentro de mim, se perdeu no mundo! Que mundo é esse que deixa eu me perder, para que nada fique perdido por sonhar? O sonho recupera as lembranças, o ser. Mas o meu ser não vive nas lembranças, é real, não precisa de lembranças, precisa de amor. O amor não é uma lembrança, é o agir, sem lembrança. A falta de lembrança me entristece: não quero amar, sem me lembrar do amor. Não preciso de um mundo para viver, preciso apenas de amor.

A poesia da morte da alma

A poesia da morte da alma faz eu ter voz, ser ouvida no amor. Amor é sem poesia, sem sonhos. Pegadas, longe dos pés, do andar, do que me mantém viva. A poesia da morte da alma não é a poesia na morte da alma. A poesia não precisa morrer como alma. Fico sem palavras ao amar. Abrir o coração para a vida não é dizer adeus à vida. A vida é tudo que permanece, até sua despedida é plena de sua presença. Não existe presença que se compare com a vida. Por que a vida necessita tanto errar, como se fosse meu ser? A vida tem direito de errar, de ser humana. A poesia da morte da alma faz a vida existir, de forma única, especial, rara. A vida se compreende na alma. O amanhecer é uma ausência que me desperta, como fogo que se alastra. O ser incendeia sem o fogo, incendeia por viver. Nada se compara à claridade de se viver, que não precisa do sol para haver luz. A poesia da morte da alma tem luz própria, que não é o sol, nem a claridade de viver: é a luz do interior, acende com a poesia da morte da alma. Sem a alma, o meu interior existe. O amanhecer nasce do amor. O amor não amanhece sem o ser. O anoitecer é o pensamento desse amor. A lembrança torna o amanhecer vazio. Para que lembrar de amanhecer? O amanhecer é que tem que se lembrar de mim, do quanto amei por amanhecer. Não amanheci só, amanheci no amor. O amanhecer me ama tanto, que esquece de amanhecer. O amanhecer é a única realidade, da vida, do ser. Nunca é comum o amanhecer, nem se vive apenas de amanhecer. A poesia da morte da alma faz do amanhecer o renascer da vida, do ser, da alma. Falta o amanhecer amanhecer para mim. Amanhecer para mim é amanhecer na minha solidão. O amanhecer não me deixa ser só!

Seja eu em mim

Seja eu em mim, mas não seja por mim o que não sou. Não é essencial à vida que eu seja feliz, mas é essencial à vida que minhas atitudes sejam de amor. Sentir amor é me sentir viva, enaltecer o nada, na ausência de vida. Ser em mim é a minha eternidade. Não há oração para a vida, como há para o amor. A alma sente a perda da morte, como se pudesse voltar ao meu amor. Amar é a distância de mim. Quando eu me aproximar de mim, deixarei de amar? A alma não me faz me amar, mas também não cessa o amor em mim. Não posso transformar a alma em dor, então me conformo de ser amor. Escondo minha imagem dentro da imagem da morte. Agora, nem morrendo me vejo. Não consigo continuar sem me ver, sem olhar para minha dor, sem nada saber. Não sei o que procuro sem saber, sem a imagem de mim. Para amar, é preciso uma imagem?! Desaguando em imagens de sonho, vejo meus olhos boiarem sem a minha imagem. A imagem é linda e triste, mas não é como eu, que me dilacero de tristeza, como se eu tivesse uma imagem para morrer. A imagem é como o sono de morrer. A morte desperta na imagem do nada. Dá vida à vida. Esqueço que, talvez, algum dia, tive uma imagem. Quero apenas desaparecer no vento, sem compromisso de morrer. Quero que o vento seja mais leve do que a imagem de mim. Não tenho imagem, nem mesmo dura, de pedra. Construí pedras no lugar da minha imagem, fiz um muro, para proteger o amor do resto do mundo. Assim, a imagem se refez, sem precisar de mim, sem mim. Eu não acredito que deixei minhas esperanças de viver, numa imagem que nunca foi minha. Mas sou eu essa imagem que me fez morrer. Morri sem olhar para a morte, foi quando finalmente me vi, como pessoa, como eu, apenas para morrer. Ao menos, na morte, tive uma imagem, que a vida nunca me deu. Vivi em vão, infeliz, sem imagem, mas morri feliz, como se sempre tivesse tido uma imagem para morrer.

Nascer de um sonho

Como saber o que sente a alma? Por isso, é essencial nascer de um sonho, como se o sonho despertasse comigo, na morte do sonho. Fiquei no sonho, sem sonhar. A única realidade do sonho é o meu ser. O ser, quando está sem sonhos, ama. Medem-se os sonhos pelo amor. Quando o amor se mistura com os sonhos, não sou eu, sou o amor! O amor diviniza os sonhos, os deixa descobrir a vida sem a vida! Há sonhos que dependem do amanhecer para existirem! O sonho nunca está completo, continua em outro sonho! O sonho dura na escuridão do dia, que é o dia em pura luz! O nascer de um sonho supera os sonhos, não sabe o que há na luz, por isso possui a escuridão. A escuridão é um sonho eterno, onde sou feliz, pois ninguém me vê, então essa alegria é só minha. Ela me quis, eu permiti que ela invadisse meus sonhos, num suspiro, sem o silêncio da dor. A dor é o sonho idealizado, nunca se concretiza, por isso faz mais parte de mim do que os meus sonhos. Enfim, suspirei em mim o respirar da vida, que é maior do que o céu, do que a minha vontade de ser feliz!

Pensar infinito é estagnar no que não sou

Meu corpo se decompõe, para se proteger da alma. O corpo não se habituaria a ser alma. Ninguém pode me encontrar como fuga, nem como encontro. Encontraste meu vazio sem mim, na distância do mar, onde o vazio se expande. O inencontrável no vazio é o amor, que nunca é vazio, é só. O amor protege a solidão, num vazio sem fim. As feridas da alma se assemelham à realidade, sem nenhuma dor. Alegria, vieste como sonho, onde a vida te vê, te sente, pelos sonhos que não tive. Sem sonhar, nem a vida é possível. Mas eu quis a vida, no possível de mim. Escrever tira-me toda possibilidade de existir. Escrever não é existir. A mágoa me faz escrever o que não imaginava sentir. A distância de mim é a vida do meu pensamento. Livre, apenas o amor é livre, como se conhecesse meu pensar. Sem a vida, tudo permanece no infinito de mim mesma. A ilusão é uma maneira de perder a esperança na fé. O céu vive na ilusão do infinito, tudo tem fim, até o amor, que continua o mesmo no fim. O fim é o infinito maior. O céu não é finito, nem infinito, é uma paz, longe do tempo, que permanece sem o fim, sem o infinito.