Blog da Liz de Sá Cavalcante

Sem rodeios

Quando amo, eu amo. Quando não amo, não amo. A vida não consegue ser vida de alguém. Não existe vida, viver é ausência de mim, mas viver não é ausente, então não aprendi a viver. Não ignoro o que sinto, não ignoro o que não sinto. Como pode haver dois amores num único amor? O tempo não passa, vive. A permanência não permanece no tempo. A permanência é superficial, é um mar que se afoga em si mesmo. Permanência não é amor, é dúvida. Faz tempo que vivo, mas nada sinto pela vida. Meu sentir é permanência, sem a vida. Permanência no que compreendo, mas não permanência no que não posso compreender. Permanência é compreender a vida como se ela fosse vida, mas é apenas permanência.

Eternidade

A eternidade se suaviza de forma leve, única, imperceptível, de uma forma tão rara, que não sinto a vida pela eternidade. Amor, não me deixe amar, por haver eternidade no amor. A eternidade é um olhar a mais, num ser sem alma, onde o olhar determina a falta de alma, por onde renasce a eternidade. Eu vejo eternidade no meu amor. A vida vem de uma necessidade sem amor, por isso criei o amor na vida, em poesias infinitas. A eternidade não existe sem a vida, eu não existo sem amor.

Deixar o não ver para a escuridão

Tiraste-me de mim. Tiraste a metade de mim. Estou inteira, assim como a escuridão se entrega ao mar, sem o vulto da morte. Metade da solidão foi embora, na metade de mim. Se a sombra da aparência me fez me ver, é como se me visse sem me ver. A escuridão abençoa a eternidade do mar, que me faz feliz. Para mim, a falta do mar é a minha morte. Minhas cinzas são teu olhar cada vez mais perto, mais íntimo, suave, como a solidão que consigo ter. Segura minhas cinzas no teu peito, para eu dormir com vida, para que o olhar seja o tempo perdido entre mim e minha morte. Mas, o tempo não pode estar perdido como alma. Deixo que minhas cinzas ocupem o lugar que esteve vazio em mim. Nem a escuridão penetra no vazio de ter alma. Não respire minha morte, sinta firmeza no respirar das minhas cinzas, descubro o ar em ti. Aproxima teu respirar no nada, terás minhas cinzas dentro de ti. Deixo o não ver para as cinzas, seja minha escuridão, onde não me faltam cinzas para morrer, mas falta você para mim. A dor do abandono existe: são a falta de cinzas espalhadas pelo mundo. Se o mundo fosse cinzas, seríamos o vento a carregar as cinzas, num mistério sem fim de vida, de amor, de algo mais, que desaparece apenas para que eu te veja, na certeza de que não existe pra mim. Tudo o que existe soprou minhas cinzas pra longe, onde te esqueci, para ser cinzas. Quem sabe, assim, exista pra você? Deixar as cinzas pelo não ver é como te ver pela última vez, apenas como cinzas da esperança sem amanhã. Amanhã, as cinzas removerão a terra, constroem a vida no novo mundo, nem que seja feito de cinzas, é melhor do que apenas as cinzas que deveriam ser o sofrer, assim existe amor.

A vida é triste por existir

A sensação do meu corpo é a mesma sensação de se ter morrido. Quem conhece os segredos da imaginação morre pela imaginação, sem perceber que a vida é feita pra viver. Sou o tempo da vida. Não há nada na imaginação que me faça voltar à realidade alheia. O olhar vê a vida em si. A poesia trincada nas palavras faz da poesia vida. A vida não pertence ao ser, pertence à alma, e é por a vida ser da alma que não reconheço minhas perdas. Sinto ausência feliz, sem dor. A ausência é a permanência do tempo. A alma nunca pode ser a morte de mim mesma, é apenas um respirar mais lento, inofensivo ao ar que respiro. A alma não é a função do ser, é a vida, que nada tem a ver com o ser. O ser busca a alma, distante, perdida, por isso não consegui mais ter alma. Mas o coração da alma vive dentro de mim, como sendo o meu coração. Não busco o amor, busco compreensão da vida, das pessoas, pelo que sofri, que é apenas a minha alma, falando comigo. Não sei o que te dizer, alma, falando comigo. Nem sei explicar como é difícil te explicar. Vou começar te explicando com meu amor por ti. Pode dizer o que quiser, fazer de mim o que quiser, que sempre será minha alma. Sempre irei te amar, mesmo sem amar. Por que a alma me julga tão frágil para ouvi-la? Quantas vezes quis morrer, não morri por causa da alma. Seu silêncio é presença eterna em mim, suas palavras são a minha vida. A fragilidade da vida é minha força, ausência de viver. Quero amar minha alma? Não sei, sei que olho para o céu, vejo minha alma em todo o céu, em toda a alma, em todo o ser, todo o amor. A vida é triste por existir, feliz em ser esquecida em sua existência, que não é minha existência. A minha existência é apenas olhar o sol, me ver no sol. Quem conhece e o conhecido não se conhecem. Mas, ao olhar o sol, todos se conhecem, se pertencem por estarem juntos e olharem o sol. A luz do sol não é essência do sol. É fácil olhar o sol, o difícil é captar sua essência no próprio sol. Se busco uma essência qualquer, mas não é sentir o sol. A essência do sol é única, rara, inconfundível. Trocaria minha essência pela essência do sol. O sol não vive na sua luz, e sim na sua essência. Se o sol vivesse da sua luz, não teria essência. É da sua essência que nasceu sua luz.

Faísca da realidade

Esperança não tem amor, vida, alegria. Esperança é perder tudo sem perder. A vida se fez sol, por isso o sol se esconde da vida, pela minha esperança que não é só como o sol. O sol somente nasce da agonia do agora, sem o depois. Se a vida fosse apenas silêncio, não haveria pensamento no ser. Até o vento balançando uma árvore me faz pensar. A morte junto a mim, ou sem mim, deixa de ser morte. O desaparecer da alma é como a vida que não se abandona, apenas esquece que é feliz. O desaparecer da alma é eternidade da vida. O agir não nasce como o amor, no ser. Desaparecer é ser infinitamente. Nada se soma ao infinito, o infinito diminui a alma. A alma de viver não é a mesma alma de ser. A alma desfaz o mundo pela vida. Viver não tem o ser, o viver é infinito, perdido em mim.

Vida, alegria de não existir

A existência não é vida, é morte. A vida não vive o que existe em mim. Quando o existir do não existir se fizer real, ainda serei eu? O mundo precisa existir no vazio. Amar sem relacionar com a vida, sem a vida. A fala do outro não é o que sinto, sinto-me sem falar, a ausência de vida, como eco do silêncio. Falar é deixar o que sinto, sem auxílio de vida. A morte é para toda a vida. Não importa se a vida é luz ou escuridão da morte, o que importa é que ela não existe, sua luz, sua escuridão não faz viver. A vida sem alegria de existir esquece a vida como luz e escuridão, para existir. Deixo o momento ser vida, para que ele necessite de luz, escuridão, até que a vida seja a luz e a escuridão dos meus dias.

Desmoronar

A coragem de viver ou morrer é apenas o fio da morte a se romper sem meu respirar, sem que eu me apague totalmente. O amor não pode morrer mais do que a morte! Quero descobrir a vida sem a vida. Vida é saudade de pensar como me sinto. A dor é um vício. Nada é tão só como a morte. Se você vivesse a minha vida, seria como o sol, nascendo pra mim. Viva comigo a minha vida, o meu sentir, pra que eu não sinta falta de mim. Caminho sem caminhar, para a vida me seguir. O caminho não é o mesmo, deixado pelo amor. Não há alma mais bela do que a morte, que empresta sua beleza para a vida. A vida não é bela como a morte. Quando o afastamento da vida é real, posso morrer. Vou morrer como se cantasse minha alma. Desmoronar, presença da vida que vai além da dor. A vontade é como o sol nascendo. Quando o sol não nasce, a vida me sorri. Encanta-se o sol por iluminar a vida, como se a vida fosse o sol.

Discordância da vida

A alma é o desânimo do meu ser. Há momentos que são mais de salvação do que de vida. A alma está no que bebo, no que respiro, por um instante perdido, sem perdas. A única perda é sem a salvação de viver, mas cheia de esperança. No lugar do amor, um abismo sem fim. Preciso escutar o outro ser pela esperança do amor. Escuto o coração, o amor, não o ser. O nada da ilusão é o mesmo nada da realidade, onde tudo se desfaz, no nada das lágrimas. Para me libertar de criar, tenho que não chorar o nada da alma. O chorar é a inexistência da inexistência, onde o sorrir é apenas o ar, a brisa, o adeus do que não é possível. A alma não chora, declama palavras, como se fossem poesia. É difícil dar um fim à inexistência. Deixo a existência não ser eu. Morri porque esperava algo da morte, até perceber que ela é apenas sombra do meu passado. Não se pode morrer duas vezes, meu corpo não está preso na sombra, ele é essa sombra que encanta a imagem carente de sombra. A vida é a sombra da alma. Algo da morte está em mim, está em toda imagem. Tudo, em toda imagem, é morte. Socorrer a morte é me salvar de mim. Morrer faz parte da imagem, como o mar que transborda seco. A alegria de voltar ao mar, renovação da vida, que também é morte. É morrer no desapego eterno de morrer. Morri, quando não quis mais morrer. Talvez, seja a maneira que a vida conseguiu me amar.

Seja eu em mim

Seja eu em mim, esta seria minha última eterna poesia. Se eu morrer, não sou eu que estou morrendo, mas, sim, a distância de nós, que morre por nós, esquecendo de nós duas. Pela proximidade do amor, seja eu em mim, mesmo sem amor. O amor não é tudo, não faz viver, alimenta apenas a alma. Se a alma nascesse de mim, saberia quem sou, mesmo sem você ser eu em mim? A alma necessita que você seja eu em mim. Mesmo na alma, nunca será apenas eu em mim. Será possível construir a vida no amor, nesse muito, que muito nos falta? Quem sabe assim nos amaríamos enfim, mais sozinhas do que sempre? Pela solidão, perdi a vida, foi como perder alguém, para alguém, mas não pude perder minha vida em ninguém. Se a vida fosse minha única perda, morreria feliz. Perdi mais do que a vida nessa alegria de ser, existir. Qualidades se podem demonstrar. Mesmo ocultas e mortas, ainda são qualidades que determinam a vida pelo amor que sinto, que não devia sentir o amor como algo morto, uma qualidade sem valor. Amor é viver para morrer, o resto é ilusão. Fantasia de quem não quer aceitar o amor. Mas não é melhor viver em devaneio poético, que o amor existe, que morrer acreditando nisso? Ao menos, morreria feliz, sonhando, estar amando eternamente, como uma poesia, que não viveu o amor, viveu sua eternidade.

A objetividade não é realidade

O ser existe, pensa ter vida nele. A existência é o fim da vida, do amor, que pensei ser vida. Nada faz falta à existência, nem mesmo o amor pode surgir como existência. O amor nasce do amor. A dor, a tristeza, o passado, a alegria não substitui o nascer do amor, onde o hoje não necessita existir para amar o amor. A luta é a quietude que se torna o ser. O ser sem calma não é ser, é alma. O ser é o sentir da alma, a alma é o sentir do ser. A alma brinca de ser, o ser brinca de alma. Essa brincadeira é o cessar da vida. Simular a alma é ser imortal. Nada existe sem a inexistência, mas existe o acreditar que algo existe. Nada precisa existir, nem mesmo a vida precisa existir no meio do nada. Falo no meio do nada, não há silêncio no nada. Falo, respiro, para o nada ser nada. Não sei mais onde está meu amor, e onde está o nada. O nada desfolhando-se até florescer como vida. O nada é a reconciliação do amor na vida. A imagem do nada é eterna. Os dias fazem com que a vida não aconteça. A plenitude não se preenche, se dá, plena como a luz dos dias, que afoga as mágoas sem continuar a existir. Existir é uma forma de não se dar. Existir é o céu que se dá onde se dá. O céu é a passagem que se falta na vida. A vida não alcança o céu. A margem do céu é a nuvem quem distingue a solidão da escuridão. A consciência é o silêncio, por isso quero sair da consciência ao falar. Mas, nada me faz sair da consciência. Mesmo sem consciência, o ser muda pela consciência, ela o faz ser real, é realidade, não sendo a consciência, mas é a intuição do nada, que torna a consciência nula, para ela existir como sendo a alma. Nada pela consciência, é como se ela fosse útil apenas para sentir. O sentir é pensar nas estrelas, no infinito, para não ficar alheia a mim. Tenho dúvida do que é sentir, como tenho dúvida de senti-lo. Objetividade é uma maneira de não perder o sentir para o sentir. Não há realidade na objetividade. Cresci para me sentir como sou. Vale a pena crescer e esconder o que sinto no que cresci? Crescer é não ter nenhuma realidade, para ser eu de verdade. Ser é estagnação, minha ausência não é real, é a realidade me abraçando. Vivi mais realidades na minha ausência do que em mim. O amanhecer é a ausência de tudo, que clareia as trevas da alma. A morte não faz enxergar a realidade, cessa numa ausência tão plena que trocaria minha ausência pela ausência da morte, que é a razão de ser.