Blog da Liz de Sá Cavalcante

Entre no meu corpo

Para que meu pensamento entre no meu corpo e o faça seu, é preciso que eu seja o nada, que há entre mim e o meu pensar. Meu pensar me distancia da realidade. Se o real me fizer pensar, o que vai ser do meu pensamento? Quero que o real seja meu único pensamento. Entre em mim, pensamento, seja junto comigo esse nada, que acrescenta à vida o viver. Nada resta do nada, além de viver. O nada supera o ser. Entre no meu corpo, desfaça minha alma, sem eu sentir, faça com que eu morra sonhando com uma alma que eu possa amá-la. Amar para ter alma.

A lembrança do depois

A lembrança do depois é o hoje, sem passado. Não dá para eu ser a lembrança do depois em morrer, então vivo, como se a morte fosse o não vivido em morrer. A lembrança do depois me aproxima de mim. Tudo era apenas lembrança, e, agora, há essa lembrança de depois, que destrói todas as lembranças, para eu ser esse depois. A lembrança do depois não pode ser eu, é uma realidade isenta de mim. Nada ficou no olhar, na alma, somente ficou a lembrança de depois. Se o depois se desfizer da lembrança, o que ainda serei? Pensar é ausência de lembrança. Eu poderia pensar, na lembrança de depois. Se eu tivesse mãos, não escreveria mais do que já escrevo. Se a minha vida fosse as minhas mãos, seria plena, como se escrever fosse apenas parte de mim, e eu não fosse vital ao que eu escrevo. Mãos são lembranças que se tocam, se ajudam. Escrevo sem as palavras, não as sinto, quando quero as sentir, sinto apenas a mim. Por não sentir a palavra, me tornei palavras para as minhas mãos. Mas, as palavras fizeram de mim algo que não é só. A solidão depende das palavras. O depois é a existência de alguém que inibe a fala com a morte, e assim escreve. Quero escrever mais do que sou, e assim ser feliz, em folhas desfeitas por serem escritas na alma de quem as lê. Preferi escrever a ter alma e ser feliz. A palavra não tem nenhum significado, ela sou eu, que significa a falta do significado da vida, que me tornou possível, a vida possível, por amor às palavras.

Reconciliação com o nada

Não devia me desentender com o nada, existo como nada do nada, mas, para o nada, eu ainda sou eu. Não posso disputar o nada com o nada. Reconciliar é deixar meu corpo num nada submerso. Não se pode ver o nada, nem esconder o nada, apenas para estar com ele. O nada quer o meu nada, mas despreza o nada de si. O que o nada do nada tem de melhor do que o meu nada? Alegre ou triste, não posso afundar no nada, não tenho corpo, para ser o nada. Amar é mais do que me deixar morrer, é me deixar a esmo, em vão.

A ingratidão da alegria

Alegria, te dei a minha vida e não pude morrer contigo. Como posso ficar como uma rocha e ir tão depressa quanto o mar? Teria sido eu a ingrata? Ficaste feliz com minha dor, não percebi que era teu jeito de sobreviver. Para mim, tanto faz, ser triste ou alegre, morrer emocionalmente ou viver emocionalmente, não me sinto eu. Alegria, me deste alegria, eu não quis nada que viesse de ti, não acredito que existes, que é possível ser feliz. Não há nada para ser, mas sou. Sou como se me percebesse. Não há nada a se perceber em mim, mas existo pela falta de ser percebida, que é a minha percepção. Meu olhar se transforma em sentir, meu sentir se torna vida. Então, não morri? Mas, o que sou para a vida do meu sentir? Serei a vida do sentir? A sombra do corpo não é a morte. A morte é a falta que o corpo faz, sendo a morte. Eu sou a morte do meu corpo, influenciada pela morte. A vida mata da mesma forma que ama. Estou encantada com a ausência de alma, é como resgatar a vida sem nenhum artifício, sem lhe dar nada em troca. Dei tudo à vida na forma de poesia, somente assim posso retribuir tanto amor. Seu amor é a certeza de que morri.

Pertencimento

Transcender não é flutuar, é pertencer à vida, sem me pertencer. A vida nunca está distante do meu amor. O que me impede de amá-la? Esse pertencimento sem vida, que não é vazio, é poesia! Sou resultado da minha morte, mas não sou minha morte. O vazio é uma morte estruturada, onde nada desaparece em morrer. O silêncio é a fala da morte. Não quero sobreviver a nada, nem mesmo à morte, mas quero que ela fale comigo, prefiro falar com a morte a falar com minha solidão. Para amar, não preciso deixar de ser só. No fundo, ser só é falar, e algo me responder, como o amor de um sonho, que vivo na realidade. A eternidade é um sonho. A falta de sonhar não é o real, é o sonho. Não sei quando sonho. Sonhar não precisa do tempo, nem de mim. O silêncio é um olhar que permanece, para o pertencimento da alma, que é apenas te perder, como silêncio, como palavra, como um despertencimento do nada, que me faz sofrer.

Ler é desvendar o impossível para amar em paz

A vida me trará para este agora, nesse sempre que não é amor. Amor são momentos de alegria, nunca se perdem, se encontram em qualquer coisa, qualquer lugar, em qualquer vida. Escrever é uma maneira de ter essa alegria apenas minha. Viver não tem começo, meio e fim, por isso separado da alma. Essa separação deu autonomia à alma, para criar uma vida apenas sua. Se eu leio a vida pelo nada, é porque sonho. O sonho é excesso do nada. Os acontecimentos do mundo não são o mundo, são apenas a incerteza da vida. A demora são as coisas, a concretização do nada é o fim da morte.

Apenas a dor cessa a dor

A dor não cessa com a dor, nem mesmo eu estando dentro da alma de outro alguém. Nada me faz me sentir eu, não sinto a alma, a vida, o amor em mim. Ainda não há vida, deixa a vida nascer pela escuridão da alma, que não é obscuridade da alma. Para a vida nascer de novo, tem que ser pela luz do nada. A luz do nada está em todo amor, todo olhar, toda vida. Sinto falta da luz do nada, mesmo com a luz existindo. As trevas da luz incendeiam o nada, iluminando a luz. O existir é uma luz que se apaga, para existir na existência do meu olhar. Meu olhar somente existe no não existir, fuga para não morrer. O sofrido não é morrer, sofrido é a aflição de morrer. Deixo mais do que minha vida ao morrer, deixo o meu amor. Mesmo meu amor não sendo mais meu, vou amá-lo para sempre. A alma é um momento de ser da vida, deixo as consequências para a morte. O afastamento da alma não faz com que eu sinta o meu ser. A presença do nada faz com que eu sinta a alma no meu ser. Tudo que era apenas alma é apenas a sombra do amor, mas não é o amor o que eu vejo, nem a sua sombra: é a falta do tempo sem mim.

A vida é um obstáculo que a alma tem que vencer

A alma vence a vida com amor. A vida não se sente derrotada. Não se unem, mas se querem. Deixo a alma girar como morte, até cair na vida, brotar do chão que a terra invadiu. A alma do corpo: é sem melodia, é apenas barulho. A alma da alma: é silêncio. Não vou tentar trazer a alma para perto, como se toda alma fosse o meu silêncio. Perto de partir, longe de me deixar. Escrever na alma o que a poesia não possui: o amor eterno por ti, alegria. A vida escreveu no meu corpo a ausência da minha alma. Me sinto mutilada, a alma morreu como se fosse poesia. O que me ausenta de dormir não é este ficar, é sim este morrer. A vida é absoluta, como uma morte sem voz, sem explicação. Vulto do nada, me traz a morte pura, verdadeira, que esconde o infinito do resto da vida. Mas, a morte se pronuncia, sem voz, fazendo-se agir, numa vida onde apenas se fala. Quem sabe, ao falar, as minhas lembranças conversem comigo. Falar é nada saber. Não importa se a vida é em vão. Meu sorrir traz de volta a vida. A vida é o que o tempo lembra de si mesmo. Talvez, a morte não queira olhar para mim, mas olhei para a vida apenas por ver a morte. São olhares, momentos, diferentes, que se encontram na alma, no inacabado de ser. Morte, olhe com vida, mesmo que não olhe para a vida. A alma, único olhar…

A vida é para os que não vivem

A morte é tão gentil, doce, com a vida, nem parece morte. O tempo foi marcado pela minha ausência, tornou-se a minha presença. A alma dos que não veem liberta a alma do nada. A alma encanta minha presença, adivinha-me onde não existo. É capaz de não existir também, para ficar perto de mim. Existir não é sofrer, é ficar junto da alma sempre, onde existir é tão possível quanto ser. Quando a alma se tornar uma estranha, vou querer morrer. Lembrar-me-ei da vida, quando ela partir. Não quero amar sem a vida. A leitura é a eternidade da alma. Mas a alma não faz a leitura de si mesma. Para deixar a alma me esquecer, tenho que a amar mais do que a mim.

Alguém para o meu eu

Alguém para o meu eu, não para mim. A alma é uma circunstância da vida, não devia existir. A vida é a inexistência da alma. O tempo não tem vida, existência, mas é por onde se vive a vida. A distância está escondida na alma. Vivo sem alma, mas não vivo sem a distância da alma.