Blog da Liz de Sá Cavalcante

O valor da ausência

O valor da ausência é como deslizar na alma para me descobrir sem alma, e me encantar com a falta de alma. O valor da ausência não tem valor para a ausência, mas tem para mim, que fiz da minha ausência a esperança de Deus. A falta de Deus é sem ausência, na atitude divina de ser só. Nada da realidade pertence à vida. A realidade torna a vida ilusão. Não tenho ilusões de viver, por isso vivo. O tempo é uma vida vazia. Queria ver o invisível sem a inessência da vida. A inessência é visível, a vida não é. A falta de morrer se perde em inessências profundas, mais profundas que a essência. Ler pela ausência é decifrar a eternidade.

O insonhável dos sonhos (que não se sonha, não se pode imaginar)

Imagino o inimaginável. Nos meus sonhos não imagino, nem mesmo o inimaginável de sonhar. A falta que faz imaginar cria a loucura, como se fosse imaginação, sonho. O não sonhar são meus sonhos. Minha ausência é tão grande, que não existo na minha inexistência, que é toda existência possível dos meus sonhos. Sonhar não é existir nem não existir, é a falta do não existir para o existir que permite o sonho penetrar na morte, que é a pele da vida. Escrever faz da alma um isolamento sem solidão. O sol é uma poesia que se desmancha nas mãos de quem o sente. Sonhar, morrer, viver, é o mesmo sonho, que se aproxima do sol em silêncio, para enaltecer a ausência do sol, que escurece a poesia, lendo-a cegamente na falta de mim. A presença de escrever é mais corajosa, forte, que o sol, pois consegue na escuridão ver a sombra que reflete a luz do saber. Sei das sombras, que me tornei sombra da sombra de mim, onde o sol nunca desaparece. Ele vive das suas cinzas, ilumina até suas próprias cinzas, na esperança de ter, alegria, da mesma forma que ele amanhece.

O pensar da ilusão

A ilusão pensa com o meu amor, que, mesmo distantes, se uniram, como se toda ilusão fosse o mar; e o amor, o cessar do mar. O infinito do mar é o pensar da ilusão. Penso na ilusão, como se pensasse em mim. A verdade da alma é o ser, mas a verdade do ser não é a alma. Há muito a se fazer pela falta de alma. Fazer algo é não viver. Fazer do ser sua falta de alma é lhe dar minha alma. O tempo somos nós, em busca de lembrar de nós juntas, ou ao menos de uma de nós. O pensar da ilusão é como o nascer do sol invadindo o tempo. O tempo é um pensar aflito. Nunca pergunto como está o tempo, mas exigindo que ele me realize. O tempo se transforma em realização. O tempo, lugar vazio, que não é vazio. Pensar é ilusão. Pertenço à realidade do pensar, mas não será a mesma realidade da ilusão? Ilusão não é amor. O tempo não é amor. Nada é amor, apenas o amor é amor. Será que o que não penso existe ou será que eu faço o meu pensamento não existir? Escrevo pelo pensar da ilusão, isento do consciente e do inconsciente. O pensar da ilusão é a falta de carícias na alma. E se a alma for ilusão? De que ilusão é feita a alma? Da ilusão deste sempre inconcluso, por isso definido. O pensar da ilusão é o amor da alma. O pensar da ilusão cessa o amanhecer como nada da ilusão, onde a luz sobrevive a si mesma. Onde há luz, há esperança de que o escurecer seja apenas o pensar da ilusão; e o meu ser, luz da luz, vida. Eu dei minha alma a mim, como certeza de que a ilusão não existe. Sonhar não é ilusão, sou eu, meu respirar, meu pensamento, minha forma de amar. Minha forma de conseguir viver.

O sonho também sonha

Haver o nada é nada ser o nada. O nada não existe, é apenas negação do ser. Imagine o vazio no lugar das pessoas, da vida, conversando, amando, vivendo, substitui tudo e todos. A falta e a ausência não existem no vazio, mas silenciam o ódio, o desprezo, ao sofrerem. Não há nada para o vazio fazer, apenas ama, comunica a si mesmo. Tudo que o meu ser pudesse dizer, amar, é inferior ao vazio. O ainda para acontecer é a falta do ser acontecendo. O que não se ama se eterniza. A expectativa supera o amor. Mas o amor não necessita de expectativas. O que não se vê, não pela invisibilidade, mas pelo esquecimento, é amor.

O sentimento do mundo

Há muito sentimento do mundo, que desfaz o céu no mundo. O tempo não tem o sentimento do mundo, o sentimento do mundo é o ser. Bem mais do que nada, do que o vazio, do que ser, do que amor, do que a existência, é a cegueira do amor, onde sempre me vejo. Já que não posso alcançar o céu, amo, como se fosse o amor do céu, como se eu fosse o céu, fazendo todos felizes. No céu, a eternidade da alegria e este sempre, que se torna fim, onde a alegria é infinita no seu fim, é como a descoberta de mim mesma que une o céu no céu. O céu está lindo pelo meu olhar, que vê a poesia do céu na minha poesia. A poesia é a única coisa que vive sem a poesia. Tudo se escuta no fim da poesia, como se fosse captada no interior. Poesia não é o interior, é a falta de interior, a alma é sem poesia e é feliz. Sou feliz apenas como poesia. Mas, não sou a poesia que escrevi, ela é apenas uma parte de mim, que não se isolou da vida. Minha poesia pode ser qualquer coisa, nada é impossível na poesia. A poesia é o céu do céu, onde a alma se tranquiliza. A poesia cuida da alma, a alma cuida da poesia. Tudo encontra seu lugar no mundo, menos a poesia, perdida em tanta plenitude. Deixa-me ser a alma do céu, esquecida pela alma da poesia. Enfim só, enfim eu!

Dúvida

A dúvida entre ser ou não ser é o amor. Sem dúvidas, sem amor. A morte, espinho que não sai da pele, corta mais do que faca. A alma sonha com meu ser, neste sonho a alma me tem nela. Sonhar traz tudo para perto. Amor é sofrer. Amor, se saíres da minha alma, serei teus sonhos. Sendo ou não sendo, a alma não é usada, por causa do desleixo do amor. Por que o amor não pode se preocupar com a alma, será que assim ele tem medo de ser esquecido pela alma? A existência da alma é esquecer, e, quando ela quiser lembrar, vai deixar de existir? Por que a existência não pode pensar nela? Sempre algo me faltará, por eu existir. Não há como afirmar que o nada é nada, que eu existo. Existir é frágil, se quebra fácil, se desvanece fácil, até mesmo quando algo lhe aparece, não parece ser por existir. Há dúvidas que cessam no existir. Somente há comunicação no desaparecer. Enquanto eu não desaparecer, estou incomunicável até em falar. O desaparecer é uma mancha no céu, que borra o céu, o deixa mais lindo. Dá medo sonhar, pois, se eu sonhar, não retornarei a mim. Pedaços não se desfazem, para tornar a vida melhor. São tantas ausências, que não sei sair de mim. Enxergo o nada na presença eterna de viver. Mesmo sem eu existir, o amor existe. O amor está na existência que não vejo nem sinto: a existência divina. Nunca serei amada, não me entrego à morte. A morte é um desapego sem existência. Por isto me apego à morte: seu existir sou eu. Onde importa apenas me ver morrer com o olhar de morte, que é o meu olhar. Atravessar a morte como se ela fosse o mar é delírio. Ao viver, não sei o que é vida e o que sou eu. Acredito nesse acreditar, por mais que me decepcione, necessito acreditar. Acreditar já é fé. Não acredito numa vida melhor, mas acredito em pessoas melhores. A vida se deixa pensar, como uma despedida, mas não me despeço da sua despedida, que é mais do que eu poderia viver.

Mágoa

Meu amor, devo ao tempo quando o tempo se despede, fica a mágoa de ter existido, onde apenas o tempo devia existir. A existência não significa existir, é uma falta que não pode ser preenchida. Na sombra da mágoa, nas margens da mágoa, está o sol. Ficar um segundo é a única permanência da vida, que necessita ser feliz. A mágoa da permanência é ser só, como se toda permanência existisse apenas em mim. Por que a permanência de sorrir me faz chorar?! Sorrir, para a vida acabar logo, e a alegria de ontem ser a alegria de hoje. Não importa mais viver, importa que dure como falta, que é a impermanência da falta na presença isenta de morte. Na presença está a pior ausência, que torna o mundo, a vida de todos juntos, somos mais do que vida. No deserto da saudade, o sol é eterno. A eternidade do sol desaparece na eternidade de ser, e a eternidade fica sem sol, sem ser. O tempo se abandona ao relento, sem sol ou chuva, apenas o tempo como escassez do tempo, a companhia cessa o pensar. O respirar vive sem mim, como se fosse a curva da vida, na luz do sol. O sol não tem luz, é apenas o olhar que não tenho. Mágoa é a certeza da falta de um olhar que impeça a mágoa de olhar. A mágoa se vê sem mágoa. A lembrar da falta, me lembro da mágoa, do amor. Como dar um fim a uma poesia? A falta de poesia não cessa a poesia, o ser em mim, que não é por mim, pertence ao nada de outro ser. Se ao menos eu tivesse meu próprio nada. No meio do olhar se esconde a vida, onde o olhar se vê, no sol do amanhã. Tudo me faz sentir o não sentir. Mágoa, onde está o teu sentir? No céu? Nas estrelas? Ou sou eu que te faço sentir alegria, essa alegria por mim?

Perdida na alma

A consciência de ter alma é ficar perdida na alma. O ser pode sair de si, mas a alma, se sair de si, por pouco tempo que seja, morre. A alma é eterna no seu ficar. A eternidade é o olhar da alma, que se entrega ao que perdeu com amor. Se julga perdida a alma, ela é a terra, o ar, o mundo, o mar, a dúvida de amar. O ser não tem essência, é puro ser. A essência é vazia, é a morte.

O idealismo da consciência

Pensei que não viveria sem consciência de mim, nunca sou ou fui consciência de mim. O idealismo da consciência é Deus. A imaginação domina a vida, torna a consciência de Deus possível. Invadir o nada, pensando ser a consciência de Deus. Tudo isso é querer acreditar não apenas em Deus, mas acreditar na esperança de ser só, de deixar Deus em Deus. Minha fé é um abismo de luz, que me ilumina, torna tudo pela minha luz. Quando percebo a luz de Deus, vejo que sou escuridão. Vivo sem o meu ser, respiro o irrespirável: o meu ser!

Apreensão da alma

A apreensão da alma é não necessitar se preocupar em ser. O ser para o ser é a atenção da alma. Vivo a alma, como se fosse o resto de nós, que se encontrou sem alma. A alma é por onde desaprendi a viver vivendo. O real da alma é sua ausência sem alma. Até eu conseguir ter alma, já morri, antes de ter alma. A morte e a alma são a mesma coisa. A distância não é distante de mim, como alma, mas como distância, quem influi no real. O acalento do real é a distância. Ser só, na realidade, é a distância que não existe por dentro de mim. Se meu interior fosse essa distância, não seria tão distante de mim. Compreender não é ficar perto da alma, é me separar dela. Tudo que aprendi na alma é esquecido pelo sentir. Sentir é a alma dentro do nada. O nada me faz sentir-me eu. O nada, matéria do corpo. Eu, o que o tempo não separa. Por dentro em mim, compreendo o amor, exterior a mim, o ser se compreende, como um saltar de vida. Nada da vida é o chão. A espontaneidade da morte tem o direito de agir como quiser. É espontânea, como umas carícias de alma, amor. Eu não inventei a morte, já que ela existe, posso torná-la amor à vida. É preciso morrer às vezes, para sentir saudade de viver. A morte me impressiona, onde ela é simples, como olhar o sol, como correr na areia e sentir a brisa do tempo. Escrever é a parte que falta no morrer. Por que não posso morrer no que sinto? Como voltar à realidade depois de morrer? O sonhar é um começo da realidade, que é apenas o começo interminável do nada. Se preocupar com a alma, sem lhe dizer adeus, é conseguir amar o que falta na alma. Eu não tenho consciência, procuro pensar, o vazio cresce, a ausência é absoluta, como se eu pudesse pensar nessa ausência. A ausência é o pensar da alma, onde não necessito pensar na paz dessa ausência. A ausência do mar é o mar, a ausência do amor é amor, não sou ausência de mim, nem a ausência consigo ser. Há uma infinidade de ausências para não me sentir só, ou ficar na presença solitária do nada, como se fosse minha ausência. A ausência é a alma da alma. Não existe alma sem ausência. A alma nunca será presença de nada. Quem tem alma não precisa ter presença. O início é o fim da alma, posso confiar e aproveitar apenas essa ausência, como se tivesse no meio do nada. Por mais que eu queira necessitar da alma, é impossível, assim como é impossível ter o fim do sol dentro de mim.