Blog da Liz de Sá Cavalcante

O princípio do fim

Na alma, é sem alma. Sem alma, nada existe. O absoluto não é a alma, não é Deus, é o que não vive. A alma nada pode acrescentar ao ser, é o vazio, em forma de colorido, de imaginação. A vida da imaginação é o colorido do vazio, nunca será uma imagem real do vazio. Ficar no abismo é ter a vida como um sol infinito. A vida é o abismo de mim, que substitui minha voz perdida, sem abismo, sem vazio, sem o nada do ser.

A descontinuidade da vida é presença eterna do meu amor

A morte me protege do pior: que meu amor seja infectado pela vida, como sendo a falta de um sussurro no suspirar eterno. A lembrança, falta de um amor, de suspirar como respiro. A mudança do suspirar para o respirar é a alma. O que falta no silêncio é a alma, a alma é o fim do silêncio, é o amanhecer mais pleno, verdadeiro. Nada aprendi no silêncio, pois aprender é amor. Amor, não pelo que aprendi, mas pelo sentimento de aprender algo que seja eu. Amor se aprende ao viver o amor. Amar não é teoria, é praticar. Amo se deixo de olhar a vida como vida e a vejo como amor. O suspirar é o meu olhar. Respirar é a falta que meu olhar me faz, por viver.

A alma sobrevive ao nada

O ser sugando o nada, para a alma sobreviver ao nada. Nada é para ter o nada, o nada é a inacessibilidade de ser na percepção de ser, como descoberta da vida. O nada é o olhar da alma, a refletir o tudo, sem a alma. O nada, sem o nada da alma, não existe. Mas, a lembrança do nada existe sem o nada. O nada é que mantém a lembrança viva, como um coração que sofre. Sofre pelo nada, que nada pode ser sem sofrer, sem amor. Viver para o nada, como se eu pudesse ser o nada da minha alma, na saudade de ser só.

Um amor para a liberdade

A liberdade, eternidade da alma, se aprisiona em ser livre. A liberdade é livre se for amada. Eu escolhi ser livre, por ser amada. Amada, como o infinito é amado. Entre lutas e desistências, amei. Até o sol ficou mais lindo com meu amor. Um amor para a liberdade, para que ela saiba o que sinto sem liberdade para amar. O finito é amor, o infinito é amor. A liberdade, exterior ao tempo, quer amar sem o tempo. E se o tempo for a única forma de amar? O que é o amor para a liberdade? Será apenas um capricho? O adeus é livre? Como posso ser livre sem a liberdade? Com que sonha a liberdade? Acredito que ela sonha, que tudo pode sonhar, como o céu sonha. A falta do céu são estrelas, que dançam em meus olhos. Os olhos têm estrelas que as estrelas o céu desconhece.

Presença de ausência não é presença ausente

Um corpo não nasce noutro corpo, é apenas a solidão das almas a se misturar. Tem-se a impressão de nascer um corpo, a vida. Mas, é da morte que nasce a vida. Coisas inevitáveis se evitam sem a morte do meu corpo, para que meu amor desapareça por meu corpo ter existido. Do amor, restou a náusea, que preenche minha alma, ainda viva, agonizando de uma alegria de ausência, que despertou o amor para a vida, para poder nascer minha morte, como substância da vida.

Alma fulgurante (que brilha)

Não daria o valor à vida, se não existisse a morte. Como pude trair minha morte em viver? O que posso ser para a vida? O amar de um adeus ilumina o brilho da minha alma. Apenas dormindo dentro da alma, cessa o meu cansaço de existir. Tudo é a mesma morte, mesma vida, para o meu descanso eterno. A eternidade não é descansar, é descobrir a verdadeira exaustão. Não há o que pensar da eternidade, ela pensa por ela e por mim. Penso, vai além da eternidade, do ser, mas ainda não é pensar, é apenas a minha individualidade, onde não penso, me eternizo. Durmo na alma dos meus sonhos, esqueço a alma concreta, por isso consigo amar, viver, ser feliz. Brilha, alma, para o meu esquecer ser eterno. Essa luz concreta não me emociona, é apenas a luz da vida em ti, alma. A alma dos meus sonhos necessita apenas de sonhos. De que serve uma luz no sonho da minha alma? Se falo de alegrias, é por não ser feliz. Por isso, não falo, sonho, como se nada existisse para mim, tudo fosse sonho. Eu deixo de sonhar, também como um sonho: o sonho não alcança meus sonhos. Existem sonhos de pertencimento e de despertencimento. Pertenço ao despertencer, que não é sonho, realidade ou lembrança, é algo que se perde no ar, me torna só eternamente. A falta de ser é o pertencimento da vida, onde me pertenço. Não existe nada no pertencer e no despertencer, por isso é tão fácil pertencer ou não pertencer a alguém, faz parte do mesmo ser, faz parte de ser esquecida. Alma, brilha mais do que o sol. Uma vez, quis brilhar tanto quanto a alma, sem brilho, mesmo assim, transcendi morrendo, como se assim alcançasse o brilho da alma, consegui apenas ser só. As palavras, os sonhos, nunca viveram para mim, mas as pessoas continuam em busca do meu amor, morri com essa culpa. Foi aí que a alma nunca mais brilhou, sentiu minha morte, foi só pela minha perda, mas não deixou de pertencer e de despertencer à vida. Me sorriu pela última vez, disse-me que não podia morrer comigo, que precisa ser alma, mas me prometeu que seria a alma de quem eu amo, de quem nunca teve alma, e iria começar a viver, pela minha alma. Existe esse alguém ou seria mais um sonho despedaçado com minha morte?

A alma abstrata

A alma abstrata é a vida da alma real. O sol queima por dentro de mim, numa realidade sem alma, por isso consigo me lembrar do real em plena realidade. A alma é só sem abstração. A solidão da alma afasta o nada. Tudo pelo nada de mim. A solidão protege o real do irreal: de solidão em solidão, me constituo. Se eu não me perder, me perderei mais ainda, como se fosse a alma em volta de mim. Mas, a alma se fez só, como o sol que não aparece. A vida destrói sua própria imagem, como se ela tivesse um lugar no próprio passado. A ausência da alma é a alma; a ausência de mim jamais será minha alma. A infelicidade faz existir o não ser, como se fosse o ser, e o ser como se fosse nós. Me deparar com um ser inexistente é mais real que me deparar com um ser existente. A falta de adeus não é falta de existência. O tempo é uma falsa existência. O mundo é mais existência que a vida. O mundo é eterno, a vida não é. Posso fazer da eternidade minha existência. O eterno esconde a eternidade na existência. A ausência é realizável na emoção: maior ausência que se pode ter, que torna a emoção contornável. Amo apenas ausente de mim. A falta é uma ausência do ser para a alma. A ausência supera o ser. Não há ser no ser, mas o ser é um ser.

O nada é substituído pelo nada de viver

O nada não me deixa só, as pessoas é que me tornam só, como se não existisse mais o nada, para me fazer companhia. As pessoas não têm o poder de afastar o nada de mim. Nada, nem a vida, nem a morte, pode afastar o nada de mim. O nada é a minha essência! Não posso ver o choro, mas posso me ver a chorar. Me tirem tudo, menos o nada, razão de eu viver. As pessoas, a vida, são apenas um momento. O nada dura eternamente no que sou, e isso me faz ser também.

Esperar pela vida é pior do que morrer?

Não se morre sem a vida. A vida depende da morte para existir. O que posso esperar da vida, além de morrer? A morte e a solidão são a mesma coisa? E o que é essa solidão em vida? É padecer sem morrer. Minhas mãos são a espontaneidade do mundo quando escrevo, como se eu fosse as mãos do mundo, nas mãos da vida. Quem é só pode se imaginar viver, como a sombra da inexistência, que torna o olhar uma sombra do nada. O depois é a imaginação tranquila, nunca realizada. A imaginação quer chegar ao nada, mas é impossível. Pelo amor, o nada se realiza sem a imaginação. A imaginação é fria, destruída, frágil em sua frieza, como um vidro que se quebra. Tudo se pode esperar do imaginar, menos que desista de imaginar. Imaginar é ter alma. Nada posso esperar da vida, descanso numa imaginação morta, como se me faltasse algo por não viver. Consigo imaginar as coisas sem mim, sem o indefinido da minha morte. É como se minha morte tivesse uma definição pelas coisas vivas, que não estão no ser, e sim nelas mesmas. Apenas a imaginação perturba o sonhar. A alma é minha única esperança de ser feliz. Como o nada pode partir sem mim, se eu fui o partir da esperança do nada? Partir é viver, é ser o partir dentro de mim, não por partir, mas por ser só.

A humildade da vida

Ser só não é uma condição, é destino. O agora não é vida, é a dimensão do infinito, que leva o amor para longe. O amor é a distância do meu ser, para o meu ser. Sem o amor, não há distância, há a proximidade sem amor, como um sorrir que precisa acontecer, se libertando da vida. Me libertei da vida, pois a vida não tem libertação. Dialogando, se chega à consciência do nada; sem dialogar, se chega ao vazio. O vazio de estar comigo sem palavras me tornou palavra. Sendo eu, numa alma incapaz. Ser não substitui a alma, o amor da alma. Não sou exterior a mim, para isso é preciso existir. Existir, para que exista o mundo no exterior de mim. O interior de mim é sem mundo. O mundo interior é o nada no meio do mundo exterior. A realidade não tem interior nem exterior, não é o agora, nem o antes, nem é o depois. É um tempo único, que não dá para viver. Vivemos num tempo fugidio. Nada é inseparável do nada. Necessito da falta de amor, assim como necessito respirar, viver. Não quero ir além de ser: isso é morrer, pelo que aconteceu em ser. Para preservar meu ser, tenho que ir além de ser, não sendo meu ser.