Blog da Liz de Sá Cavalcante

Olhando-me no que sou

Dentro de mim, apenas dentro de mim, há realidade. A realidade são apenas pensamentos. Sofrer não é ter a realidade de volta. Há tantas coisas no nada, que as coisas materiais dão um vazio em mim, mas precisam existir, para eu esquecer o vazio no vazio, e as coisas materiais poderem ser vazias de verdade, não apenas em mim, na vida. Escrever não me confunde no vazio, sei que existe vazio sem palavras, que minhas palavras também são o vazio. Do nascer até morrer, sou vazia. Meus pedaços não são vazios, são a minha despedida. Fragmentos do nada se preenchem com meu fim. Fim de uma vida inteira. Descansei onde não há: no meu interior! Foi pior que morrer. Meus olhos se fecharam, não para sempre, mas para mim.

Plenitude subjetiva

Minha alma se mistura com a alma da vida, sem nada querer, amar. Não preciso da vida lá fora, preciso da alma da vida, como sendo a falta de lembrança tua. Como lembrar do que não existe e nunca existiu? A ausência cessou sua presença ou ela nunca existiu? Sei que não deixo de amar, ausente de mim. Mas é impossível amar a tua inexistência, que é como flores no mar. O mar, um dia, terá tua ausência em Deus, onde poderá me amar como eu te amo. Doce ilusão de morrer, ao menos não me perdi de mim.

Ver é uma imagem

A imagem das coisas não é o que imagino delas. Olhando, deixo de amar as coisas, as pessoas. Vejo sem buscar uma imagem. Vejo tudo sem uma imagem. De uma imagem, não posso fugir: a da morte. Ver é a imagem, nela cessa a morte, pela imagem da morte. Tudo sem imagem é com alma, amor. Por isso, para mim, tudo existe sem imagem. Não quer dizer que a imagem esteja distante, inacessível, e sim que não quero vê-la, cessaria sua essência, alma. A poesia é uma imagem sem imagem, vejo o que quiser nela, sinto-a na falta de mim. A falta de mim é a imagem da poesia, que faz a vida desaparecer nessa imagem.

Afetividade

Deixar a fala na fala, minha afetividade é fala que não se escuta. Escutaste a vida, o céu, as estrelas, menos o meu amor. Amor é o dia, é a noite, sem nada precisar acontecer na vida. A vida é apenas amar. Nada é o depois, o depois não existe, como o hoje existe sem ti. Nada adere ao que faz viver. Mas o que faz viver já aconteceu? Como vou saber? Vou saber pela alma do teu adeus. Não ouvi falar na alma como se fala no outro. A alma é um ser dentro do meu ser, onde o respirar somos nós duas juntas, eu na alma, a alma em mim. A vida pode acabar, se estamos juntas, na vida que tivemos juntas.

Se ainda me amasse

Pedaços arrancados de mim, sem derramar teu sangue, sem dizer teu nome, no maior do desespero. Não falo, mas penso. O sangue cessa sem ausências. Perdi mais do que a vida, perdi-te. Nunca tive, foste apenas a minha idealização de ti. Deixa-me lembrar do nada, como se pudesse me lembrar de ti. Ausências se perdem no nada de ser. Sonho de amor, volta no tempo, desperta o abandono em mim, para que eu perceba que não era sonho, era náusea. Custei a viver sem sonhos, agora meus sonhos sou eu. Se ainda me amasse, eu não seria eu.

A minha vida é o meu amor

Manifestar amor em sofrer é sofrer tanto quanto a vida. A tristeza da vida é o ser que não se isola da dor, esforçando-se em sofrer pelo meu ser. Quem pode dizer o que é amor? A inexistência é me matar, de várias maneiras, até ter certeza de que morri, para não sentir o amor. A delicadeza de eu morrer é a morte se perdoando. Não diga que a morte não é nada, ela precisa ser algo para se morrer dela. A morte me dá a si mesma, para eu morrer. A angústia de morrer é a de escrever a vida com morte, mudando o sentir da vida. Se a vida quiser morrer, nenhum pensamento mais será morte. A morte é de todos, uns têm mais, outros têm menos, mas a morte está dentro do ser. O ser não morre interiormente, já morri dentro de mim como ser, como água, sol. O tempo não me deixa morrer como a vida me deixa morrer. Não vou encontrar morte na morte. Ser é uma homenagem à morte. Será que minha vida não quer amar? Eu senti seu amor ou foi delírio? Sei que cheguei até o nada da morte. Senti pena da morte, não de mim. É tão real morrer, que antes estava sonhando, como se algo se aproximasse da minha morte: o meu cheiro no seu cheiro perfuma a morte de lembranças. Viver pela alegria de morrer. O que nascerá da morte, queria que nascesse em mim. Degusto as palavras, como se elas não morressem comigo. Quando o corpo ficar vazio de amor pela lembrança do amor, morrerei com a animalidade do meu ser. As palavras não alcançam meu instinto de morrer. Separar a vida na morte. Abençoar Deus com meu amor, esse é o milagre do amor, que une o divino ao humano. Enfim, a solidão.

Encardida de amor

Encardida de amor, sem deixar saudade no amor. Amei-te um dia, assim como o amanhecer tirou minha vida de mim. Não reagir, dormir a vigília dos meus sonhos. Sobrevivi como uma vela que se apaga, mesmo assim se afoga na luz. A lembrança vai além da realidade, mesmo sem raízes profundas no tempo, no espaço. A lembrança é o silêncio do ser. A alma é o disfarce do ser. Mesmo assim, a alma se encanta com o ser desencantado. Há essências que se perdoam na alma. A alma é uma reflexão sem pensar. Abraço o pensamento com a alma. O sol pensa por mim, sem uma única luz. Sofrer é dizer adeus ao nada. Eu te veria, vida, se houvesse o nada.

A bondade de sofrer

Sofrer na imaginação é o infinito em mim, que descansa sem se imaginar. A bondade de sofrer cura tudo de ruim. A vida se reduz ao ser, que não se reduz a nada. A vida sabe me esperar. A espera é a definição do tempo. O nada não desfaz o tempo. O tempo é uma possibilidade. A grandeza de se morrer por não poder amar comanda a vida por dentro dos meus olhos. Nada no meu olhar justifica minha vida. Imaginar a imaginação é o único amor, a única certeza de não imaginar. Imaginar não traz de volta a realidade.

Problema de reconhecer o reconhecimento

O reconhecimento me reconhece, não o reconheço. Não reconheço o amor, ele me reconhece. Reconhecer é não permanecer. Não sofro se nada reconheço, pois tenho o amor da alma. A alma é meu único reconhecimento. Tudo posso reconhecer pela alma. Vi o reconhecer com olhos do nada, foi como ter amor. Reconhecer não é tudo: tenho que fazer algo pelo reconhecer, como se fizesse por mim. Não há amor que me separe do reconhecimento de mim.

O que em mim se diferencia da vida?

O prazer de morrer emocionalmente me faz não desejar a morte. Até que nada mais me dá prazer. Meu ser aprisionado ao que não existe, por isso é livre, como o respirar da ausência, que me asfixia. Há tanto para ser sem a vida. Tudo é diferente da vida, por isso não me diferencio da vida. Sou movida pelas aflições, como se elas fossem amor. A vida é anterior ao ser; no ser há apenas o nada. A devoção da alma são gestos, atitudes, que escondem a lembrança do infinito, que não me servem se vou morrer. Morrer num desmaio de vida. As palavras não me impedem de morrer. Morrer sonhando é dizer adeus para sempre. Despedir-me das coisas inexistentes é acreditar na vida pelas coisas inexistentes. A inexistência não é a inexistência das coisas; a vida é a inexistência das coisas, do ser, nem a poesia pode mudar isso. Permita-me dar minha vida, seria como se não lhe desse nada. A alma é culpada por existir. A alma não devia existir, mas existe, não entre o céu e a terra, mas dentro de si mesma. Amo sem alma, como um pássaro a voar. O que em mim se diferencia da vida é o meu amor.