Blog da Liz de Sá Cavalcante

A alma é irreal

A alma é irreal pelo amor que permanece. A alegria cessa o tempo na alma. O tempo da alma sou eu. O tempo esperado é o tempo obtido, é o amor, o mesmo amor em tempos diferentes. O nada surgiu da irrealidade da alma para que a irrealidade da alma tenha um significado. A Flor de Lis se arrisca sem o mar da ilusão que resseca a alma sem ilusões. A ilusão de não estar perdida é a alma: desencanto da vida. O céu se perdeu na própria alma, fez-se meu amor. Não posso unir o mar a terra, sou insignificante como as estrelas que não duram o céu que as veste. O irreal é infinito, opaco, deixa a saudade igual ao ser. O céu investe na realidade sem Deus. Deus é cada estrela perdida num céu em chamas. Não há céu na tua esperança, nas tuas atitudes dúbias, confusas. Eu estou partindo o céu ao meio, sem ter esperança de me encontrar na minha morte. A permanência, falta de esperança, me vê como sou! Não vou me enganar por ser diferente do céu. O céu se igualou a mim, mas esqueceu da minha eternidade, que voou mais alto do que o céu. Nada mais ruiu, destruiu-se, foi só.

O infinito do infinito

Não sei onde começa ou onde termina o infinito para vivê-lo. O infinito é uma maneira de me dar a vida sem me esquecer. O infinito pode ser uma imagem, uma lembrança. O infinito é ter sido eu. Não esqueço a vida pelo infinito, nem que, para isso, eu necessite morrer. Um dia as palavras perderão o sentido, então me entregarei à vida morrendo. As palavras nunca poderão ser o infinito. O infinito é inexpressivo. Do infinito irei morrer.

Quase eu

Se o fim se fecha, sou quase eu, com o fim guardado no meu amor. Tudo acontece no não acontecer, como se o amanhecer fosse o fim sem fim. O fim amanhece de solidão. A solidão é apenas esquecer. Como saber se a vida é boa apenas por existir? Sinto que falta algo na vida. A falta de viver acaba com toda monotonia, todo amor. Viver é monótono pela esperança. Ninguém tem a vida dentro de si. O sentimento de morte não morre, torna-se saudade de morrer. Voltei a mim pelo nada, pela plenitude. Momentos mais plenos que toda plenitude. Deixo guardado um pouco de mim para a morte que criamos juntas sem nós. O céu espera o sagrado como quem espera a morte. Se a morte não é esperança, depois será.

A vida é meu único mundo

Choro tão bem que pareço sorrir. Sorrir para que a vida seja meu único mundo. A morte é tão profunda que não precisa de um fim. O prazer infinito de morrer cessa o fim.

Mágoa

Quando eu destruir meu ser, terei mágoa de mim. Destruir-me não me destruiu. O silêncio tem mágoa da minha voz, minha voz adormece o silêncio na morte. O silêncio rompe a morte no vazio. A morte não sobrevive ao vazio. Esquecer-te não elimina a morte em mim. A alma pode se proteger da morte se ficar só. O tempo intensifica a mágoa. O que permanece em mim é apenas mágoa. Faça de conta que existo para você. Assim, dilacero-me mais rápido. Ver a plenitude é a liberdade do silêncio. Morrer me lembra o silêncio da alma, traduzir o silêncio na alma é o vazio, a plenitude. Tudo pode ser silêncio. A insaciedade da alma é o amor. Pintar a vida de alma não torna a vida cruel. A alma pode ser boa. A inexistência da alma é a alma, mas a inexistência só não é a alma. O silêncio da alma é um abraço de amor.

A gratidão da imagem do depois

O depois não é a morte, é a gratidão da imagem a desfazer a alma numa canção de amor: foi assim que a vida se tornou vazia. Não me deixem sair de mim sem morrer. Façam do meu corpo uma tábua de salvação. Não morram jamais, para que eu morra em paz.

Consciência do mundo

Reflito pela consciência do mundo. O mundo não tem consciência, mesmo assim reflito pela falta da consciência, que é a consciência do mundo. Tirar a consciência que não existe no mundo é não pensar, não amar. Tudo vive só pelo amor. Não existe um mundo qualquer: existe o mundo para o meu mundo. A vida é fé no nada. É muito pouco o mundo para o meu amor. O prazer de viver não dura nada. Nada satisfaz o prazer. Se eu me descobrisse, seria irracional, meu pensamento seria apenas o sol a desvanecer como chuva. O sol se estagnou em poesias além da poesia. A alegria sofre só a sua alegria como se a noite se aproximasse do dia. Se a alma se aproximar, não há êxtase que suporte a força da alma. A poesia é apenas poesia, não pode ser tudo, não pode ser alma. Traí a poesia amando-a. A força não é alma, é poesia, por isso é uma força vazia, de onde não posso nascer. Senti que a vida não é mais minha, é da minha morte, que fará mais bem à vida do que eu: que sei apenas escrever, não sei morrer. Escrever me faz esquecer a vida. Não há rancor em morrer. É simples como ter fome. A ansiedade é o mar a cair num abismo, sem céu, vida ou morte para me proteger da minha ansiedade, mais infinita que a luta da morte pela vida.

Sei o que é amor, pois o sinto

Nem o amor sabe o que é amor, eu sei. A separação do corpo e da alma é o amor. O medo da alma não é medo da morte, é medo de me sentir. Morre o sentir sem medo de morrer. O sentir é apenas uma maneira de encontrar a eternidade. A eternidade pode ser o sentir? Na alma, a eternidade é apenas o fim.

Extravasar (botar para fora o sentir)

A vida tenta encontrar o céu na altura de si mesma. Algo existe sem ser verdade do existir. Deixo-me como uma promessa de depois. O depois termina existindo como ser. Há apenas o depois, não há vida. Vida, escolheste-me em mim. Pelas poesias saio da vida em mim, comigo. O tempo não se perde na morte. A morte é o único tempo de se morrer. Vejo a morte em cada lembrança em cada lugar em que fico ou estive um dia. Existe lugar na vida para mim, pela minha honestidade. A alma não sai de dentro de mim, eu a empurro sem conseguir olhar para a alma, olho para mim, me sinto eu me empurrando. Empurrar me apertando em mim é meu corpo na alma. O sol da alma é o esquecimento. A alma não dura mais do que ser. A lembrança é a eternidade da alma. Sentir não significa ter alma.

Inesperado como o nascer do sol

A sensibilidade é o nada que tem abraços de sol. A ausência é um sentimento puro que evolui na morte. Sem ausências não há vida. O inesperado é a ausência de corpo e alma. Não sou ausente. Minha ausência é o amor. Apenas a ausência se explica, se conclui. Há algo mais verdadeiro que o amor: a vida. Pela vida posso pensar na morte, no amor não posso. O amor da alma é minha ausência. Minha pele é alma mais escondida que a alma interior. Escrever cessa meu sentir esgotada. Percebo que não senti, sonhei sentir. A falta que me faz um abraço divide a voz em dois mundos: o da vida e o da morte, ambos incomunicáveis, como se fossem a mesma coisa, a mesma solidão. Na incomunicabilidade, vida e morte se comunicam. O amor se deixou amar, cessou o amor, nasceu a vida.