Blog da Liz de Sá Cavalcante

Negação abstrata em si mesma

A negação nunca é concreta, pois está dentro de mim. Uma alma feliz é a negação do nada. Eu estive no nada da alma como se estivesse no céu. Ofereço minha alma ao que se foi sem nunca ter sido. Para ser é preciso fazer da alma ausência absoluta de ver. Não me ver é afirmar quem eu sou. A morte é um adeus apenas na alma. A morte se foi sem vestígio do nada, do ser. Fiquei só sem morrer.

Dia de mar

O mar se foi distraído num dia de mar. O mar não precisa de olhos para ver Deus. Não precisa de amor: precisa ver Deus. Apenas Deus virá de Deus, pelo anoitecer das estrelas. A cada segundo, as estrelas se misturam com o céu. O céu tem sabor de estrelas. Tudo encanta as estrelas, a pureza de um coração que sofre, encanta as estrelas, as acolhe. A liberdade absoluta das estrelas, se perdem como o mar. É necessário seguir as estrelas para ter um destino melhor, mais humano que o céu. Dia de mar, na mansidão da minha melancolia que fez eu perceber o mundo, a vida melhor. Sorrir é o nada na imensidão do infinito. Deixar o céu se aprofundar nas estrelas, é descobrir o amor, de uma maneira natural. Tratar as estrelas é estar dentro da alma de cada estrela, como sendo a busca do sol. Dia de mar para a solidão ser maior que o céu que a vida, que este nós inexistente. Até a sua presença desaparece sem amor, por um dia de mar.

A percepção não existe

Apenas os objetos têm a percepção de existir. A percepção cessa as lembranças, como se as lembranças pudessem ser percebidas como ser. Mas o ser nunca adere ao que pensa, por isso meu ser não percebe que pensa, penso ser meu pensamento, imaginação. Lembranças são percebidas se tocadas pela alma. Eu resgatei o nada da lembrança: continuei vazia. O vazio é não morrer. Acredito em mim: isso é ser feliz. Amor significa vida, vida para mim e para o outro. Minha sensibilidade me afastou da vida e a segurança me tornou distante de mim. A falta de percepção é a vida no ser. A verdadeira vida é a distância de mim. Nada é mais distante do que eu de mim. A distância me aproxima da alma, como se o sorrir fosse meu. Sorrir é vida que não está ao meu alcance. A unidade é a sobrevivência da alma, num único ser para mim, para mim, sou um único ser em busca do outro. Nada digo para mim, nada amo para mim, e sim para o outro. A alma é o nada multiplicado, mas o nada nunca será a minha vida. Vida, não pode ser o sol, não pode ser o dia, nem pode ser sua ausência. A ausência é uma dor que permanece, mas não sinto a dor, sinto a pureza da ausência, como um resto de mim. A realidade não precisa da minha vontade. A vontade é interior, nunca será um mundo. O mundo é a falta de um interior que isola o irreal. Não há realidade sem o irreal. O irreal é mais necessário que o real. O real não domina a realidade. Não há realidade no sofrer para sofrer, preciso criar outra realidade: diferente de mim.

Síndrome dos sintomas

Tudo penso ser. A vida não é sintoma, não é amor para a alma permanecer alma, ela tem que ser apenas um sintoma de esquecimento, de fim. A essência não é o ser, é a perda do ser. Não pensar não é pensar em nada, pensar em ti é pensar em nada. Tantos anos faz sua ausência, que até o silêncio se calou fundo, não te quer mais, nem quer seus pensamentos, já que não sente meu sofrer, melhor mesmo se calar quando há tanto a me dizer: a sua insensibilidade não permite. Fico sempre à sombra da tua ausência, não se pode ser feliz sem amor, sem ver o outro. Nunca demonstra quem é, como vou saber de você, sentir sua falta? Não há falta, abandono no desamor, não me sinto em ti. Saudade, às vezes, é uma maneira de esquecer. Me sentiria só sem saudade, sem esquecer. É inacreditável tanta ausência. Ausência não é sintoma, é falta de alma, que ninguém pode preencher. Já quis dar a minha alma para você, você não cuidaria dela, como não cuidou de mim. Agora, nada tenho para te dar. Sua solidão, seu prazer. Mas não vou ser como você. Não desisto da vida, de ser feliz. Não te sinto quando me deixa, sinto o vazio de não perder nem ter. É o ser que torna a morte ruim. A apreensão da morte é o ser. A vida não espera nascer para surgir. Surgi no nada, não nasci ainda. Perceber não é a verdade. Nada há a perceber, amar em ti. Lembro da palidez da chuva quando o sol aparece, é assim minha tristeza. Se a morte sentir seu desamor, o que me restará para sentir? Não vou poder sentir nem mesmo esse nada entre nós.

Viver sem viver

Viver sem viver é uma poesia que não conseguiu nascer. O interior são lágrimas que se absorvem num adeus. Trazer a morte para mim num adeus de eternidade vazia. Mas o meu adeus é permanecer em mim, como se eu fosse o esquecer de uma poesia. Esquecer é saber como estou. A poesia, no esquecimento, não se esqueceu. Na lembrança, a poesia se esquece, mas não deixa de sentir o sentir da poesia, que deveria ser o sentimento do mundo. Não existe ser de uma lembrança, mas existe lembrança de ser. Ser, para uma lembrança, é eternizar sem lembranças. A lembrança que dura é o ser. O abraço é a lembrança de viver. Seria só se a solidão não me desejasse? Desejar ser só significa desejar viver? Pode-se desejar viver junto a algo ou a alguém? O que eu amo é amor? Onde surge a vida a eternidade cessa. Eternidade é ver no amor o que ainda posso ser. Ser para o amor é não ser para mim? O tempo é o que nunca reage ao ser. O tempo obedece ao ser para que o ser não morra. A morte não gosta do tempo. Não sei se o amor é errado ou é imaginação. Sei que não vivo sem o amor. O amor refaz a vida. A imaginação da vida é mais do que a vida. Eu lutei para viver como se tivesse o sorrir da vida para me dar força nos momentos insuportáveis, tristes em viver: é como se a alma nunca tivesse partido. Partir é me fazer chorar, por isso, não vou partir de mim, mesmo se eu chorar, não vou me separar de mim. Sou inseparável de mim, da alma, da vida, da morte. Por isso, posso chorar de amor, tudo está em mim. O que está em mim não deixa nada partir, é amor. Viver sem viver é privilégio do sonho.

Destino não é vida

Não deixo a vida ser meu destino. Nada fiz ao morrer, não realizei nem mesmo o nada ao morrer. Abrindo-me por dentro, em mortes impensadas para demonstrar que minha morte não é apenas corpo, é alma. Tudo existe por pertencer à morte, não ao nada. A morte não é o único fim. Há o fim por lembrar. Lágrima afasta a morte de mim com a morte. A morte é da altura dos meus sonhos. A morte substitui o ser. Apenas assim há sonhos. Mas o ser não substitui a morte. Destino não é vida, é amor. O mesmo amor que está morto, sem pedaços, mas ainda amo.

A relação do infinito com Deus

A relação de Deus com o infinito é uma relação de morte, de cura. A relação do infinito com Deus é uma relação de vida. O infinito é livre perto de Deus. Deus é o infinito de mim. Corpo e alma, unidos numa única separação, é mais do que o infinito, não sou eu, é Deus. Por mais que o corpo se separe do corpo, a alma da alma, Deus está no meu corpo, na minha alma. O infinito sem escuridão não é infinito. O fim do infinito é a saudade de viver. O tempo é ter sido sem saudade, sem faltas. O silêncio não é a distância do nada. Eu confiei no não viver, como se fosse o além do além. Se o infinito de mim é apenas corpo, morri pelo desejo que Deus me ame, ansiosa, não percebi que Deus sempre me amou pelo seu sorrir, pelas suas lágrimas, que são a vida que tenho agora, que já devia ter tido antes, mas estava preocupada demais comigo mesma.

Nasci para amar

Determinações sem vida fazem surgir vida em mim. A vida é a suposição que existe um mundo para a vida, não para o ser. Mas o ser é um mundo inexistente sem escolha. O céu descobriu o amanhecer interior, tão real quanto o céu. O mundo não amanhece, amanheço por ele. Vejo a vida pela indiferença do nada. A indiferença é o amor existindo sem o ser, apenas a falta de amor pode resgatar o meu ser da vida. O tempo distancia a alma do mundo por amor. A distância despedaçada no olhar vazio. Nada separa a alma do querer da morte. Consigo ver a eternidade sem morte pela eternidade de morrer, que modificou tudo que vivi um dia. Se tudo fosse consciência do nada, como o nada existe na consciência de si mesmo? Eu posso ter consciência do nada, vivi o nada, o amei. Mas o que o nada fez para ter consciência de si? Sua consciência não é uma conquista, mas é uma derrota. Eu venci a consciência do nada. O nada é diferente de nada ser. Nada significar é o sentido da vida. Para ter significado tem que perder a alma, como se fosse perder alguém para o amor que sinto. Não estou dentro de mim quando me encontro. A alma é um encontro com a morte ruim, a alma boa é o ser. O espírito refaz a alma com o ser. O ser do espírito é o perdão. A morte é o conhecer eterno. Apenas a morte compreende meu ser. O tempo esclarece o céu sobre eu viver. Grudada em mim para nascer como a vida nasce: de uma poesia. O nada são todos os momentos juntos. Viver é a solução do nada, não para o ser. Para o ser, a vida é um caos, um problema. Pode cessar meu amor, mas a mim não. O ser, para se separar do nada, teve que ser o nada. Para o nada, vida eterna, para mim, morte. O fim é o nada a viver, mais reconfortante do que as lembranças irreais e as reais de mim. Quem lembra não pode ter o nada. O nada tudo pode, pode até se tornar uma lembrança. Ausência, lembrança eterna de depois. A lembrança do depois surgiu antes de acontecer. O amor ama o nada. O cessar de existir encontrou seu caminho, amando mais que o amor. Tem momentos inexistentes, que são a vida pelo amanhecer. Como a alma amanhece solitária, não sou só. Só é o vento sumindo no eco do nada. O infinito é a perda da voz do nada, que ecoa na alma. O infinito existe por sermos todos capazes de amar. Para o tempo, o fim e o infinito são a mesma coisa. Acredito no infinito mais do que na vida. A vida é o meu infinito. O mundo não quer o infinito, quer ser ele mesmo no seu fim.

O tempo foi a vida em mim

A vida e o tempo oscilam entre o nada e as obrigações. A vida, sem o tempo, razão para não ser em vida o que o tempo foi para mim. Não há tempo, no céu ou na vida, que me faça morrer em ti, solidão. A falsidade do desaparecer é o corpo necessitando viver. A alma tem um corpo que não se divide em alma. Confundo o que é corpo com o que é alma. Mas nada no corpo lembra a alma. A alma sofre de alma. Respiro alma para sentir sua ausência. A ausência cessa se eu respirar em mim. Nado no meu respirar, como se o meu respirar fosse água para matar minha sede. Não sobrou alma para o amor. O amor é feliz sem a alma. Eu preciso da alma para amar, ser feliz. Minha alegria é a vida. Apenas em viver sou feliz. Mas sei que minha alegria não me ama. O que fiz para ser feliz? O que chamo de alegria sem a falta de mim? Sou o que desejo ser? Que falta a alegria pode fazer? A falta de uma estrela perdida do céu. Convivo bem com as distâncias de mim. O céu está mais perto de mim do que eu de mim. Correspondi aos sonhos, às expectativas das estrelas. Não me reconheço em mim, como reconheço cada estrela do céu. Conheço até o brilho particular de cada uma, mas não conheço suas almas, seu espírito, mas posso sonhar sem estrelas, sem estar acompanhada da minha solidão. Eu fui a solidão de uma estrela, não sou mais nada. Tentei substituir a estrela pela poesia. A poesia não tem a grandeza de uma estrela. Eu não sou eu ao pensar, então apenas admiro estrelas, tem mais valor do que pensar.

A alma não chora sua inexistência

A alma é feliz como um anjo de luz que me faz viver como alma. A alma se vê no ser, sem espelhos, reconciliações perdidas, como se eu fosse a compreensão de viver. A alma vive o meu ser em mim. A alma chora luz. A solidão preenche as faltas sem amor. Vi a vida noutra vida, nada fiz. Nada recupero da vida em viver. Por isso, viver cessa fácil como uma luz que se apaga, dá lugar à escuridão. O absoluto não é o ser, não é Deus, não é nada. A alma é o começo de ser. O meu fim sou eu mesma para confirmar e concretizar o azul do céu como se pelo céu eu me visse sem além. Não existe além nem mesmo no céu. Mas ainda há o além do amor, que está além da vida, da morte. Mas não está além de mim, estou além do amor.