Blog da Liz de Sá Cavalcante

Melodia do abstrato

Me escuto sem pensar no sentir. Mudei pelo devaneio de um sonho, como se eu fosse a melodia do abstrato. Minha voz fala cantando poesia. A ausência escuto pelo reconhecível de mim. Quando o silêncio penetra na canção, tudo é irreconhecível, se escuta. O puro interior se ouve, se ama, sem o interior. A sensação de vazio, deixo o leve acessível, como a única sensação vivida no fim da vida. O amor continua essencial, mas quem pensa em amar ao morrer? Eu seguro a melodia no seu abstrato, e pelo abstrato sinto a poesia, a música, concretamente, mesmo com melodia. A melodia não é a música, por isso é uma maneira de me distanciar da música. Música é o que crio dentro da música. O céu é uma canção de silêncio. O silêncio é o que procuro na música: o meu silêncio da música é uma oração de vida. Música é onde o vazio se liberta do vazio. O que não é música é vida. Por isso a imperfeição da vida respira música.

A falta de um adeus é morrer

O ser se frustra, não consegue ser o amor de ontem, é esse agora, que não pode ser amor sem o amor de ontem. Mas o agora procura o ontem, libertando-se do ontem. Ontem é sempre não ter sido. O que sou hoje não depende do ontem. O tempo é o ontem, tento resgatá-lo como se fosse esse agora. O agora é a ilusão de ontem. O ontem é ilusão, se tiver sido vivido. A permanência é a falta dentro do sentir, onde o que flui da permanência é sem permanência. Permanência, para mim, é me ver sem sofrer. Sofrer é permanência que vivo só. Criei uma permanência distante de mim. A permanência distante, isolada, é o meu amor. Amo minha permanência na falta do silêncio. A perda da voz não é o grito, é o ser. O devastador se torna amor. Apenas o amor pode deixar de amar, sem desencontro. O céu, canção no nada de ser. Canção que nunca estará perdida, como um céu que está perdido. Nada se conquista numa canção perdida, conquista apenas esse nós com a alma suspensa. Nada na alma é continuidade do ser. Mas a alma continua sendo um ser que não há em mim. Mesmo assim, continua em mim como vida. Vida, nunca deixará de amar. Vida, foste uma alma ausente. Eu sou a presença da tua alma. A presença é a única vida entre mim e a vida. Vida, existiu mesmo sem coragem. Tua única coragem foi existir, como uma flor esmagada na lembrança. Não há lembrança sem uma flor. A lembrança é a origem da vida. Há vidas sem origem, sem silêncio, sem palavras, sem chão. Não pise na flor do pensamento, apenas por querer pensar. A inexistência existe. O meu ser quer sua inexistência, não a encontra. Encontrar a inexistência na alma, é ser novamente eu, sem esse além devassalador. Difícil deixar o além sem amor. O amor não está além de si mesmo. A falta de um adeus é morrer sem o além, não morri só, morri com a poesia de um adeus. Vida, esquecida em um adeus, que permanece em meu corpo, sem as entranhas da alma que se perderam em ser.

Translucidez (transparência)

Quando a realidade surge, a transparência é apenas o sol tentando amanhecer. A verdade é o nascer do sol em um sorriso, nada é mais verdadeiro do que isso. Quando o amanhecer for descoberto, ainda vai existir a verdade? Tento captar o amanhecer pelos meus sonhos. Sonhar é amanhecer, por isso nada amanhece em meus sonhos. Amanhecer pela vida é uma poesia que não está no amanhecer, está em mim. Eu sou meu amanhecer, com ou sem poesia. O significado da vida é a poesia. O silêncio é a pele da alma, a poesia é arrancar a pele da alma na ausência do silêncio. O silêncio é pele que não se rasga, não queima, não se isola do corpo. Deixar-me sem pele, apenas para possuir o corpo, é uma vida triste. Vida é pele. Mas o cheiro da vida impregna a alma, me faz voltar à realidade de morrer!

Injustificável

Quem abandona é abandonada pela vida, o pior abandono. A alma é essencial à vida, se a vida nascer da alma. O ser é o nada, o nada é o ser para a alma existir. A alma é tudo ou nada. Nada faria sem a extremidade da alma, tudo faço sem alma. Idealizo-me na alma. A alma sabe viver. Vivo só o que não sou. Não sou essa tristeza em céu aberto, inconsciente do amor, das promessas de alegria que fiz para mim. Nada sou sem amor. Meu amor vale a minha alegria, a minha alegria não vale o meu amor. Não vale a pena ser feliz apenas por amor, tenho que ser feliz por mim. Em mim, o amor é como flutuar no chão. Preocupo-me com meus sonhos. Agi como se os sonhos não existissem, dando lugar à saudade de ser. Se ser é inútil, tenho ao menos essa sau…

Minha alma são espumas do vento

Espumas do vento se misturam com as espumas da minha alma, transcende como o mar. Ir além de mim, do mar, para ver o mar, é me transformar no infinito. Apenas o infinito pode enterrar a morte. É quando o infinito deixa de ser eu e se torna vida. A vida se torna o infinito. O infinito que falta não está perdido, nem mesmo com a morte. O infinito separa o mundo real do mundo da ilusão. Eu não tenho a ilusão de desaparecer. Estou confinada e condenada a ser apenas eu. Não posso ser nem minha poesia, que nasceu de mim. Preciso saber quem sou sem mim. Falta emoção para o vento pousar seguro no céu. Vivo contra mim, contra minha insegurança apenas para chorar o nada de mim. O nada chora mais do que minha alma. Vida, seu mundo, meu mundo. O vazio sangra, não chora, o que devia dizer deixo a vida saber de mim. Nada posso fazer pela vida nem por mim, mas ainda posso amar. Amar a quem? Escuta meu sofrer. Preciso amar, me sentir amada. Nada vai te despertar. Minha morte é um sono infinito sem ausências, é saudade do que devíamos ser. O sono sente minha alma. Até mesmo o sono é distante de tudo, o sono é a vida. Estou alheia ao sono, à vida, mas estou alheia a mim, à vida. Mesmo no sono dormi, como uma semente sem terra para nascer. Pareço viva sem sono, o que perdi eram apenas sonhos que precisavam das minhas palavras para não ser perda. É inacreditável morrer. Morri, meus sonhos se tornaram meu corpo morto. Por isso, não se decompôs nem apodreceu. Meu corpo torna-se vida depois de morto. O silêncio torna-se canção, amor. O desespero calou a canção. O silêncio afundou em si, a canção tornou-se poesia. Então os abraços tornam-se eternos, sem sombra do passado, apenas silêncio e dor e o agora é morte, é confiança de um futuro.

Excesso de morte

O amor é pior sem morrer? A morte busca o amor, o ser busca o ser. Essa busca é pior que morrer. A busca é pior que morrer. A busca é um infinito particular, em busca da não destruição universal. Morrer é sem ilusões. A angústia é o infinito sem sofrer. O amanhecer é angústia eterna. Mesmo assim, amanheço. A vida deixa o amanhecer vazio, como se não houvesse a plenitude: esquecer do amanhecer. A realidade não é o vazio, a realidade é o que sou para mim. Se me imagino uma estrela, sou essa estrela, de onde nasce a solidão pela vida. O nascer da solidão é sonhar. Divido-me entre o sonho e a realidade, pareço não ser só, pareço ser a única entre a realidade e o sonho. Tanto o real como o sonho são poesias. O tempo é a falta do real e do sonho. O que vejo não é real nem sonho, mas existe na inexistência apenas o amor percebe a inexistência de um sonho, pode cessar o sonho. Mas o amor é inexistente, como se assim pudesse durar. O excesso de morte cessou. A inexistência surgiu a existência, abraçando seu nascimento: a morte.

Pungente (comovente)

A estrela comovente, mesmo sem brilho, sem amor. A estrela torna dispersa a dispersão, é apenas este instante que arde em mim. O desaparecer tem que vir de dentro de mim, como uma luz que nunca se apaga. Esse amor incondicional pela morte que existe é a única coisa que não é estranha para mim. Eu sou uma estranha para a morte, por ter intimidade com ela. Renunciar ao passado é renunciar a morte. A subjetividade é a morte.

Infortúnio (tristeza)

A morte é o espelho da alma, que danifica o ser que já apodreceu na falta de poesia, de sonho. Não sei em que estado ficou o sonho para ser sonhado. O sonho me dá medo. O céu não tem medo do mundo. Sonho com a eternidade. A decepção não se decepciona. A decepção não tem culpa. Traga-me o nada, como se fosse a minha ausência esse nada. Mergulho em mim pelo nada. O destino é contra a realidade num existir eterno sem plenitude. A imagem sem eternidade é vazia. Nesse momento, a eternidade não importa, tudo que quero é a imagem iluminando o meu olhar. Assim, mantenho a liberdade distante de mim por uma imagem. A imagem da morte cria novas imagens que embalam o céu e o faz esquecer as mortes, como se esquece alguém. Se o céu é esquecimento de Deus, imagine o que seja as lembranças de Deus. Deus, a infinitude das minhas lembranças. O separável de morrer se une à morte. O precipício não é o fim, não é amor. Tudo morre sem o fim.

A vida é injusta até quando é justa

O amor não pode morrer, o ser pode. Posso preparar alguém para a morte com a minha ausência. Essa ausência é amor. Vida está distante da presença: ausência de um sonho. A presença da vida é o fim de um sonho que se mantém distante do nada. O para si que sou sofre no nada sem mim. A morte pode ser o nada que se revela sem medo, sem receio. O nada tem medo da vida. O antes e o depois são apenas meu desejo de viver. O desejo de viver não adere ao antes ou depois. Se o antes e o depois existissem, existiria vida, mas não existiria o ser. O antes e o depois são uma vida que acontece apenas nela.

Alma nova

A saudade não pode me fazer viver, mas me dá alma nova. A morte me consumiu. A alma é tão nova, renascendo, não pode me fazer feliz, mas a alegria se dá a mim, sem motivo ou explicação. Alegria, se eu fosse feliz, e você estiver triste, você aceitaria eu ser sua alegria? Alegria, já necessitou de mim alguma vez? Necessitar de mim para a alegria ser feliz é como viver. Alma nova para a alegria, uma alma que faça parte da alegria de um adeus a mim. Sem retorno ao nada, me apropriei do adeus a mim. O mar desliza em mim como sendo a transparência de morrer, única verdade da morte, perdida ao meu redor. Morrendo, eu escuto melhor o mar. Eu o escuto ao me recolher de mim. O silêncio me vê por inteira, desacreditei do silêncio, sou apenas alma sem silêncio. Me recolhi na perda, ficando em mim? É fácil renunciar o que sou, o difícil é renunciar a perda de mim. Recolher o amor para não ficar só. Não posso modificar a vida, o amor, mas posso agir certo, isso me fará amar mais ainda. Escrevendo, percebo que amor é eterno no que diz. Eternidade é muda de amor. Não quero que as lembranças de amor, quero que a lembrança seja triste, como se nascesse agora, de mim, sendo o meu momento de me sentir só. Solidão é falta de desamparo de morrer, é olhar nos olhos de quem amo, e morrer por ficar sem ficar. O silêncio é a permanência de ficar. Há permanências sem ficar. A permanência de morrer pode nada durar. A duração de um instante, mesmo que não seja muito, é a morte. O tempo, isento da morte, torna-se apenas um único instante.