Blog da Liz de Sá Cavalcante

Tramas do tempo

A criança que eu era, ainda sou, longe do tempo para estar em mim. Em mim, o tempo é doce, suave como a brisa do meu corpo, que não sabe minha idade. Incorporo o meu corpo pela falta do tempo, que me seduz. A falta do tempo faz com que eu viva plenamente. O tempo não é paz. Paz é o sentir da ausência do tempo, que manifestou no sol o amanhecer. O sol passou a amanhecer junto com o amanhecer. O tempo é justo, é igual para todos, basta olhar o amanhecer, puro do sol. O tempo é uma guerra interior, entre o ser e o nada. Sem o meu interior, quero apenas a paz de amanhecer.

Estrelas de tinta

Pinto as estrelas em vez de chorar, assim me aproximo da minha poesia e de mim. Nasci confiando em estrelas de tinta, são mais perfeitas que as estrelas do céu, que desaparecem como noite. A poesia tem mais estrelas que o céu.

Pássaros da imaginação

Pássaros da imaginação nas minhas mãos, doentes por amor, voando no infinito do amor das minhas mãos, são almas que duram, como sementes do amor a nascer da vida. Parece que há sol apenas na minha poesia, minhas mãos dançam no infinito, e assim a vida se costura só sem minhas mãos. Lavei as mãos da morte com poesia. As minhas mãos são a vida que possuo agora, sem morte, sem sofrer, esperando pelo silêncio da alma a me conduzir, até que eu possa me perder, longe das minhas mãos, para nascer o meu corpo de mim.

Reflexos do silêncio

Amor para o não ser silêncio. Silêncio é a afirmação de ser. O silêncio me adivinha. Não há silêncio na alma. A imensidão da alma é o seu silêncio. No silêncio ou sem silêncio, a alma é a mesma presença ausente, que renunciou sua presença na sua própria presença. Da liberdade nasce o nada, como se refletisse o silêncio na dança do vento que preencheu meu ser de amor. A dança do vento desaba no ruído, um som do nada. O som do nada afasta o silêncio do vazio. O vazio fica sem som, sem silêncio. O nada é vida sem a eternidade. A ausência de eternidade é por onde o sol nasce na sua eternidade. O silêncio é a súplica da eternidade dentro do ser. A vida, para a vida, não existe. Mas o silêncio da vida que escuto na hora de morrer. O silêncio é vida que não está na vida. Pelo silêncio, não posso me despedir da vida pela palavra. Me despeço da vida com a vida. O silêncio é o saber da vida, não é o saber do silêncio. A palavra, luz de silêncio. O silêncio é a compreensão da sua própria luz, por isso, a vida pode ser escuridão.

Criar a vida

Negar identidade é o ser criando a vida. A morte se vê no mundo da permanência onde permanecer é morrer. Morri pela distância de permanecer sem distância. A distância da vida é o seu amor. Vivo na sombra da ausência, onde o sol ergue o céu da alma, não do ser. A natureza positiva do ser é a morte, é o adeus do nada. Criar a vida, como se o nada não existisse. No ser, a morte é só, como o pássaro que encontrou seu ninho, seu amor.

Ecossistema do coração (sistema que vive entre os seres vivos)

Medo de ar a amar meu amor, num coração sem ar. Daria tudo para a vida me amar, como ama o mar, o sol. Amanhecer não é a única vida, há a vida do amor. A ausência do corpo domina a morte, e o corpo torna-se imortal. O corpo se cansa em morrer. Estou só no meu corpo, na alma, nada é só, apenas eu sou só. Procuro saudade no vazio. Vazio é lembrança eterna. Deixa a saudade ser uma lembrança. Vivo pela saudade da vida. Não desapareça, não seja apenas uma lembrança, alegria. Deixe-me sonhar contigo. Sonhos são almas perdidas. Vivi o sonho sem alma. Apenas no sonho nunca é sempre. O sempre cessa antes do sonho. O ar do sonho é o amor. O céu não sonha, mas nos faz sonhar. Perdida em sonhos, não sei como deixar de ser um sonho. Em ti alegria, meus sonhos parecem despedida. Dormir é o nada no vazio. O respirar contamina a realidade. Vejo a realidade no meu respirar. A eternidade está nas coisas vivas, não no ser. Eternidade é vida, que meu ser não possui. Tenho que sentir a morte concretamente para viver. A vida é apenas me sentir morrer. Me sinto morrer, vivo em paz com meu corpo, alma, amor, por morrer. Não tenho alma para morrer. Mas morri sem alma. Ainda tenho o meu amor, que é mais do que viver. Tenho o céu quando amo. Procuro resposta para a resposta do meu abandono. Preciso morrer, e ainda me abandonar? A alma é criação de Deus, na falta que faz o ser para Deus. Tudo está conectado no amor do ser. O amor que lhe damos. Meu ser é apenas amor que lhe dou. Dar Deus para alguém pelo amor é tudo que consigo ser, oferecer. Não consigo ser mais do que isso, nem quero ser. A única presença é a da morte. Por isso a morte fala ao coração da vida, com o meu amor.

Memória da pele

A memória marca a pele. Deixa a alma ficar vazando para não se esvaziar. A pele absorvendo a memória. A lembrança é um adeus à vida, assim nasce a memória: da morte presença. Lembra apenas da minha morte, não do amor que possuo. O sol, permanência da alma, não tem memória do meu desaparecer, como um novo sol. O antigo sol são puras lembranças, o novo sol são apenas flores. A lembrança é a minha realidade. A lembrança suando na pele com o riso solto no ar da aparência. A aparência é o esquecer. Me afasta da alma do meu sorrir. A memória da pele se torna eu, num momento de alma. A memória da pele é solidão. Mas a solidão não aceita a memória da pele, que não está em sua pele. Existiria sonho se a alma silenciasse a pele de prazer. A pele substitui meu ser com o meu amor, meu silêncio, minha vida, até que a pele sair por todos os poros. Sem lembranças, lembro da memória da pele, sem o abandono de mim. A memória da pele me fez esquecer. Me lembro sem pele, sem alma, apenas pelo amor que sinto. As memórias da pele reinventam meu ser no flutuar de ausências, onde sou feliz como pele sem memória.

Pintando o silêncio

Falando, eu vivo o silêncio, pintando o silêncio de vida, assim, não perco as palavras. Não há cor suficiente para o silêncio. O silêncio se desdobra em cores, capta o céu com todas as cores, todas as emoções. O tempo de viver é o silêncio da alma: sem cor, vida, amor. O silêncio do céu é Deus. Deus não pinta o silêncio. Para Deus o silêncio é perfeito como ele é. Se entendo meu silenciar, como não amar o silêncio de Deus? Apenas Deus está além do silêncio, mesmo assim não fala, sua harmonia é eterna, como se fosse o resto de nós.

Sereno crepúsculo

Crepúsculo escondido no vazio. Sereno crepúsculo, a borrar as estrelas com palavras, que nunca serão estrelas. Não há tempo para o crepúsculo, para o seu vazio, que é igual ao meu. Apenas o vazio sabe quando é dia ou noite, apenas para o vazio importa se é dia ou noite. O crepúsculo é a vida do imortal. O vazio é imortal. Se o crepúsculo desaparecer no vazio da existência, ele era feliz como se a existência fosse plena pelo crepúsculo. O crepúsculo desaparece na fala, no amor, antes de desaparecer no vazio, por isso é feliz.

Anatomia da saudade

Que significa morrer? Estou morrendo. Corpo e alma se unem num morrer eterno sem mim. Morrer inteira, de corpo e alma, é difícil, muitos morrem pela metade. Se algo se refletir na morte, eu não estou só na morte: a saudade me faz companhia. O corpo se fez de morte, morrendo, nem morte é mais.