Blog da Liz de Sá Cavalcante

Ressonância do silêncio

Não sinto nem vejo, por dentro do silêncio, minha ausência. Sinto pelo silêncio a descoberta da vida, de mim. As palavras negam a vida, o silêncio não pode negá-la nem em sonhos. A palavra é vulnerável ao silêncio, ao saber. Lembro do silêncio na alma. Nada é silêncio, tudo se perdeu nas palavras, menos a poesia. Tudo que é leve é de um amor tão profundo que não precisa da vida para acontecer. Nunca falaria com amor estando sem amor. Surpreendo-me por amar. A superfície do meu olhar é o nada, numa profundidade que faz a vida ver e ser vista. A vida é o acalento da alma. A vida não precisa de um fim: seu único fim é o ser. Não procure o fim no amor. Pela fala, esqueço a alma e esqueço de mim. Não se pode negar o que não existe apenas dentro de mim. Eu era o mundo, fizeste de mim apenas um ser!

Abismo do fim no milagre de Deus

O milagre do abismo é que nele não existe amor, tristeza, o ser é apenas ele mesmo. Assim, reconheço meu ser puro, sem artifícios ou necessidades. Quero apenas penetrar o impenetrável. O tempo é a única ausência que não posso viver. Se não podemos falar de nós duas juntas, vamos falar do impossível: do amanhecer que não amanhece, do fim do amor em minhas poesias. O fim do repouso é a vida, o ser, o amanhecer que não amanhece. Tudo que está no amanhecer amanhece, apenas o amanhecer não amanhece. O sol não se reconhece amanhecer. O amanhecer é a pureza de Deus para que os pássaros cantem e, protegendo o céu, sejam anjos com as asas de Deus. Se nascesse do meu corpo uma morte sem Deus, morreria como sendo meu corpo a viver por Deus. Deus é a incompletude da minha alma, a temer meu corpo.

Pregada na pele da ausência

O silêncio não é mais silêncio nas minhas cinzas, como se eu tivesse pregada na pele da ausência, como se a ausência fosse a falta de nós. Nem mesmo a morte é essa falta de nós. Será a falta de nós amor?

O eu destruidor é o mesmo eu que constrói a si mesmo

O eu se constrói, se destrói sem amor. O lado inesgotável da alma é o seu fim, onde o ser não pode se construir nem se destruir, o ser apenas obedece ao nada, como se isso o fizesse ter alma. Estou ficando velha para a morte. Para morrer. Morrer faz parte da construção do ser, que é maior do que a sua destruição em viver. Nada precisa de um nome, um lugar, uma referência, precisa de uma essência. A essência é nobreza de alma. Não escuto a essência, não a amo, ela nada significa, nem mesmo para ela. Para ela, ela é apenas uma circunstância infeliz, onde meus dedos falam com a alma, dedilham-se em eternidades complexas demais para serem reais. Por isso há prazer em sofrer onde o vento murmura meu amor.

O despertar da aurora poética

Escuto as palavras no silêncio da morte. Começo a viver unindo a alma que partiu com a alma que chega em mim, sem permanência, sem adeus. A virtude da vida é o nada. Vivo o inconstante ausente. A alma não tem presença. A presença da alma existirá se ela morrer. Nada posso fazer pela alma, nem posso ser sua presença, por isso lhe dou meu pensamento, por não pensar em ti. A tua ausência, alma, é o que me faz pensar, existir. A vida e a morte buscam a verdade espiritual, que não existe nelas. Buscam a verdade espiritual sem se refugiar nela. A essência ajuda a esquecer o nada e o amar ao mesmo tempo. O ser não se torna ele mesmo, nem mesmo ao morrer. O ser morreu, mas a palavra ser vai além do ser, é como se o ser nunca fosse perder sua essência. A palavra ser não morreu com o ser, mas o eu nunca foi uma palavra, uma existência. O amor nunca será um ser. O amor, mesmo na inexistência, não se manifesta. O nada não espera a oportunidade. O nada é a alegria espontânea, que brinca de ser, cultivando a vida no que penso ser: um ser. Deixa-me viver o que foi descoberto como ilusão. A ilusão é a eternidade. A eternidade de viver não me deixa viver. Vivo o inevitável sem eternidade. Amor, sem eternidade, não é amor. O amor é eterno quando se torna alma para amar. Deixo o eterno se eternizar em mim sem o fim. Mas o amor precisa de um fim, e eu de um começo. Isso é viver nas atitudes das palavras, que me escolheram como amor. Assim, amanheceu.

Quando?

Há muita vida em mim, nem que seja para morrer. Ficar sem a morte é a pior morte que posso ter. Não imagino a morte sem a morte. Nenhuma atitude pode me fazer morrer. Morri emocionalmente só. Sem palavra, sem consolo. Quero morrer de amor, pela vida, pela morte, por tudo que existe, e pelo que não existe também. A verdade do ser é esquecer a morte com a morte. A vida não me causa nenhum efeito, seu único efeito e reação em mim é de perdas. Perdas que tornam as reações vulneráveis. Sou mais vulnerável sem as perdas. A perda é a vida, o universo. Somos todos iguais nessa morte, sem as palavras ditas com amor. Não há palavras na tua presença. Presença é morrer. A vida sofre ausente, como o despertar no nada. O nada não é a realidade. O nada da morte é real, concreto. O esquecimento é mais essencial do que a vida.

Universo mental

Quando a palavra é ela mesma, não precisa de universo mental para nascer a poesia. A poesia é o próprio universo mental. Agora, que torna o mundo sensível, onde as palavras se tornam íntimas da alma, mesmo sem ter emoção, amor, sabedoria para tanto. A saudade da alma é a alma acontecendo. Transcendi na imaginação. Vi meu rosto aparecer dentro de mim, num corpo de poesia. Poesias banham meu corpo em outro universo, outra dimensão, onde a alegria, o amor por escrever, são admirados pela vida. A vida não ousa escrever, mas sonha com minhas poesias, como se as tivesse escrito na sua alma. Ela incorporou minhas poesias, amando em mim. Conheço o sentir, o amor da vida pelas minhas poesias, mas não me conheço escrevendo: sou o que escrevo! Nada pode mudar isso! Vivo no existir da poesia. Poesia, deixe-me ser em ti o que não sou em mim. A vontade de escrever não é escrever, escrever é sempre ser a vida perdida no encanto de uma poesia. A poesia é tudo que vive e se modifica pelos sonhos. Não existe sonho sem poesia. Nunca saberei o que significa a poesia para mim. Poesia é quando consigo olhar o céu e viver. Mesmo se um dia a poesia deixar de ser sonho, é meu eterno sonho. Minha morte vai ser longa, num sonhar eterno, tudo fiz pelo amor em vida, agora sou eu que preciso ser amada pela morte, por tudo que vivi, sem compreender, mas com um prazer, amor infinito. A vida e a poesia são a mesma coisa: como pode então a vida ter fim e a poesia ser imortal? Poesia é apenas o consolo de nada existir, e a vida será apenas uma página em branco, no meio de tantas poesias. A vida não sabe expressar seu amor, mas, quando lê as minhas poesias, que não são para ela, descobre com humildade a essência da poesia: que é apenas ficar comigo, na alegria, na tristeza, nas ausências felizes que não foram em vão. Elas foram o encontro da poesia com Deus, com o absoluto. Descobri que o infinito é muito maior, grandioso, que as minhas poesias, o infinito é Deus. Que cada sentimento meu conheça Deus e eu me aproxime da melhor companhia: o meu silêncio interior por amor a Deus, que vai além das palavras, além de mim.

O invisível dentro da liberdade poética

Como pode o amor me fazer amar? Nada me faz amar, amo apenas o invisível dentro da liberdade poética, onde estão todos que amo. As palavras rangem como morte, nascem como o sol. As palavras acumulam vidas. Salve o que salvei para estar perdido como a palavra, que polui o rio do saber. Queria fazer de conta que sou sua, que é minha vida. Vida é tudo que não pode ser, mas é porque tudo é indefinido, sem a solidão. Minhas palavras, tua solidão, são esquecimento do mundo. O mundo será lembrado sem palavras, sem solidão. Apenas o esquecimento será palavra, será solidão. O inexplicável se tornou a vida da poesia. A poesia se explica no inexplicável. É fácil desaparecer da vida, do sonho, não consigo desaparecer. A morte é leve como o desaparecer. Perdi a infância como quem é mutilada. Tantos anos, nenhuma vida. Absorvendo-me no nada do tempo. O nada do meu olhar fura meus olhos. A vida é o que ela quer ser. A vida é um ser defeituoso. A vida me acrescenta, me faz evoluir. É cedo para viver. Quem consegue conversar com as palavras? Nada necessita amor. Por isso eu amo? Que alma o amor suporta? Como a alma é infiel a si mesma, o ser nasce, a torna uma nova alma. Uma nova alma, para uma velha vida. Na escrita não há faltas, perdas, tudo é verdadeiro. A perda é verdadeira comigo: sinto-a apenas na perda de alguém. A perda de mim preenche minhas faltas. Nada me falta na minha falta. Algo se despede, está longe, mas nunca me falta: a ausência. Apenas o amor pode acabar com a história da vida para ser minha história. Qual o sentido de uma vida sem história? A ausência. Quero tornar a vida, vidas, onde sua história é apenas um detalhe. Várias vidas numa única vida. A saudade da vida começa a nascer. Termina sem sofrer. É difícil falar da morte, ela é visível em linguagem poética. A morte pode ser apenas um sentimento, mas é o fim. O fim do sentir é o próprio sentir, a morte apenas o enterra tão fundo, que se torna amor. O amor não renasce o sentir, faz viver.

O outro lado da dor

O amor não tem imaginação, por isso sobrevive ao ser. O amanhã é a morte, o amor é sem amanhã. A falta de amor é um sorriso. Tudo que falta para viver é amor. A vida está sempre ocupada para mim. Queria apenas um único instante de vida para aliviar a minha dor de não viver. As flores, cedendo aos encantos da vida, são mágoas da alma. Dou minha vida como se eu fosse renascer em dor. Nada permanece na alma. A alma é a permanência de Deus. O tempo cessa num descanso eterno, numa alma frágil. Nada é mais frágil que o tempo permanecer. A morte é ficar em mim. Vejo as lembranças na minha saudade. Não vejo a falta de mim, ela existe: é meu corpo dentro de outro corpo.

O ser essencial e a essencialidade

Tentei me vestir de vida, a vida não coube no meu corpo, na minha alma, no meu amor. A essencialidade é a falta de amor, o ser essencial é o retorno do amor. O ser é essencial, mesmo sem amor. Não há nada de essencial na vida, mas o véu que esconde a vida no amor é essencial. Amor não é vida. A essencialidade não me deixa ver o que existe. A essência faz nascer as coisas, as pessoas inexistentes, que existem apenas pela essência. Será a essência vontade humana ou vontade de Deus? Desocupei-me do amor com a vida. Por isso, não quero viver. Viver é a presença de Deus em mim. Viver o momento é deixar a vida. Tudo tem o seu momento, embora pareça que não. O sentimento é a presença mais perfeita que tive em mim. A essência é culpa de existir. Fechar a porta do pensar pela janela do saber: o pensar não sobrevive ao saber. Amadurecer na presença, sem pensar, é amor. A presença não é essência. Essência é o vazio. O vazio é a beleza do amanhecer. O amanhecer é o olhar da vida em mim. A luz me observa. O ser e o nada são conclusões precipitadas e equivocadas da vida. A leveza abstrai o espírito.