Blog da Liz de Sá Cavalcante

Vivendo em falas inexistentes

Se ao menos o silêncio fosse essa fala inexistente, me liberto em falas inexistentes, de tudo que sou, da minha alma. Se a inexistência falasse, eu a compreenderia como uma oração. A alma do corpo não é minha alma, é onde cessa a minha alma. Cessar não é deixar de ser, é ser. A imagem do olhar não é a imagem da vida. O silêncio é o olhar da alma que limpa o céu e torna o azul azul, onde as lembranças, colorindo o tempo, tornam o tempo um tempo de lembranças. Tempo, faça-se em mim. Ser só é o tempo: tempo de poesias, de amor, renúncias, de alma. A identidade da alma é o fim de uma poesia: fim de uma vida que nem existe ainda. A poesia é que torna a inexistência inexistente: como um sol que nasce do último sol. A coragem vê o amanhecer onde nada vejo. O nascer não é uma esperança, é a falta de desejar. Falo numa fala inexistente, e a vida retorna com começos, meios e fins. Não sei mais viver, aprendi a ser ausente para não morrer. Minha fala inexistente, paira no ar, como morte: como absolvição de ter vivido, sido eu um dia. Cada dia mais distante, até se tornar esquecimento, para estar incluída ao menos na morte, onde minha voz nasce especialmente para mim: é como se eu sempre tivesse falado, vivido. Viver… distância que aproxima morte…aproximação que aproxima. E o tempo me sorri do nada. Enfim, senti que agora posso vivê-lo.

Morte é me repetir em sonhos

Esqueço-me na repetição do meu ser: é quando sonho! A ausência é o pensamento vivo, sendo por mim o que não sou: não é o não ser em mim. Desperto em ausências que dormem em aflição. O amor é sem perdas, ausências, é ficar perto do nada sem morrer como ser. Morre como sendo a subjetividade do ser. O meu coração nas mãos do nada, do intocável do meu amor. A claridade é o nada sem luz, na saudade de mim. Remar na solidão de sangue para sentir a brisa em alguém. Sonhos no ar da escuridão. Nada procuro em mim. A imagem torna-se vida. Nunca conheço a presença, mas a conheço em um abraço eterno, em que meu corpo desaparece vivendo.

Gotas de alma

A vida são gotas de alma no sempre de nós. Não há eu em mim, por isso, as gotas da alma são imensidão. Imensidão sem vida é um mar de almas. Gotas de alma cessam o mar de almas. Custa o mar a morrer em si mesmo: sem a alma. Gotas de alma preservam a escuridão da luz.

Fugir de mim é real

Fugir de mim é minha única realidade. O amor é uma fuga para não me perceber. Seria o amor o meu ser? A minha inexistência é amor. A existência é falta de amor. Completo-me na incompletude. A eternidade não importa, se eu estiver plena para sofrer com dignidade: é como um sonho. Desperto da alegria para ser triste, para o sonho não ser triste. A leveza é o sonho do eterno. O ventre da alegria é o nascer do nada. O sonho entorpece a alma. A única perda real é a da alma. Escrever é uma falta do tempo, compensa o nada: a vida do nada. A profundidade da vida é o seu fim. Escrever é o fim, antes do meu fim: é me rasgar sem fragmentos: sem os pedaços de mim. Enquanto o ar cessa nos espaços, sou livre sem nenhum espaço. Largada no nada que não consigo ser. O vazio é a luz do sol que atravessa o infinito. Não há infinito sem o sol. O que sonho é a essência de todo sol, de toda a vida. Para haver essência, é preciso sofrer do amanhecer. O amanhecer é a superfície da vida, de onde o amanhecer não respira. Em vez de respirar, nos faz respirar. Fugir é sempre respirar, onde o possível é a vida.

A alma da alma

Conheço-me tanto na alma, não preciso me conhecer em mim. A alma na alma é minha morte. Sorrir cessa a morte. Morreria mesmo que a morte não exista. Existir está entre o bom e ruim. A vida é ruim, mas a alma é boa de se viver. A alma não pode tornar a vida boa. Sou a alma da alma: por isso, me abandono no amor que sinto. O abandono dos meus olhos é o meu olhar. O fim dos meus olhos é a alma. O fim da alma são meus olhos.

Paz de agonia

Viver de alma é ser o infinito. Eu como infinito não sou plena. Será a necessidade da agonia a sua presença? Esquecer é o encanto da alma: lembrança da alma. O vazio é o ser na consciência. A consciência não é o meu eu. Sou a falta de consciência do destino: quer ser consciência de vida. Consciência seria eu ficar sem realidade, viver sem a vida. O último suspiro é a voz que escuto de mim: estou pronta para falar para o mundo, para a vida. O que há na vida, que impede o amor e, por isso, é amor? A falta da minha presença é a minha eternidade. Eternidade é minha falta de amor, onde transcendo sem ser só: por isso, sou triste: pelo infinito que não consegue ser só. Na solidão me encontro: nunca serei a mesma sem mim!

Autonomia do amor

Não posso disputar nosso amor, nem os unir: nosso amor, meu, da alma, separaram, se amando, um ao outro. E o tempo é esse amor. A transformação da vida em Deus é o respirar profundo do nada. Assisto à morte fazer do nada a união de tudo. Vivo o nada, não vivo o amor. Não vivo a alma, ela vive em mim.

A aceitação de um passado

Aceito o meu passado pela minha morte. Agora sei: ela nunca é um passado. Ela é o agora. Mergulhando em mim, o eu do meu eu não existe. O ar é refeito de saudade. O tremor do céu são ausências-espírito. A lembrança tem uma alegria que não é minha: é uma alegria ausente. Aceitar o passado é fazer dessa alegria uma presença.

A imagem de um sonho

Faço a vida acontecer até na minha ausência. O meu respirar é a ausência de ter você como falta de mim. A falta de mim é onde me sinto inteira. Tudo é melhor que não fazer nada, até mesmo morrer. Morrer é lembrar de mim. Como fazer algo pela vida, se ela não deixa? Há tanto a ver na vida, que a imagem do sonho cessa e o sonho torna-se a falta de mim. A falta de mim é a imagem do sonho, como sendo o interior. Meu interior que não nasceu comigo morrerá comigo. Nascer é morrer. O sentir morre nascendo para mim. Há sentimento na ilusão, a falta do sentir também é uma ilusão. Ilusão é vida além do tempo do ser. A perda da vida não cessa a ilusão de viver. Como perder a vida, se ela nunca foi minha? Olhos acesos de alma, coração de escuridão. A alegria de amanhecer é anoitecer poesia. O amor é por onde a alma fala, vive em mim. A vida é uma poesia com destino. O silêncio da alma é o universo. As palavras são o desaparecer da eternidade, cheio de vida. Nunca necessito da alma para amar, escrever, mas necessito da alma para o meu fim.

Sou meu próprio nada?

Meu sol é um vale que desmorona meu amor no indestrutível do nada do meu ser. O silêncio trouxe minha vida de volta: um silêncio de estrelas. É a minha alma, o que ficou da vida. Sou a alma da vida. A vida deixa o mundo desprotegido. Deixo a alma na vida. Deixar é não me abalar, é ir partir em nuvens de sonhos: assim, a vida continua em mim. Sonhar não desiste de mim. O que sei dos meus sonhos? Nada. Sonhar são palavras vazias, expressam o real, enganando a vida, como se sonhar fosse bom. Perdi a vida a sonhar. Vou me libertar do que sinto. Amo sem mim. As palavras têm nelas o meu olhar eterno. A consciência é sombra de mim. Captar a vida é cessar a vida. A vida não é compreensão. A vida me tira a vida.