Blog da Liz de Sá Cavalcante

Nascer pela metade

Metade de mim não nasceu, é saudade das coisas que estão sendo vividas. Sempre, sempre, apenas para amar essa saudade. Saudade é fazer da falta de mim, amor. Eu amo pela falta de mim, como uma estrela sem céu. O nascer é metade alma, metade devaneio. O nascer é o não ver do outro. Nascer pela metade me faz morrer, deixo metade minha, minha única metade para a consciência. A consciência do amor é sem saída. O nascer ajuda a morrer. O nascer é a falta de mim. Tudo que morre nasce eternamente, como a voz que gira para falar, para não esquecer o que sente. A falta de nascer ecoa dentro da fala. A superfície da fala é o amor que se torna profunda não sendo escutada. Eu escuto sem mim, me derreto no ar que respiro: penso ser isso profundo. Nascer pela metade é todo ar que consigo respirar. Nascer e morrer são a mesma metade que se une, a mesma alma, o mesmo ser, o mesmo fim, sem o adeus, que viveu sem nada de si: não é nem metade dele mesmo. O que faz morrer não nasce, fica nos escombros de mim. O amanhecer não precisa lutar por mais um dia, precisa penetrar, amar os que realidade não tem. O olhar do outro me faz não cair no abismo da minha subjetividade. A subjetividade é a morte aparentemente possível em mim. A morte, se melhorar, se estraga. O abismo da minha subjetividade me ensina a morrer, sem sorrir. O nada do olhar é o que nunca sou ao morrer.

Pai

A vida existe apenas no teu silêncio: presença eterna de depois. As palavras surgem para te amar, mas ainda é impossível te amar ainda mais: mesmo em palavras!

Pai

Sinto tua presença. Te amo na maior das ausências. Gosto quando me toca com a alma, apenas ali quieto, esperando terminar o trabalho para me dar atenção: ela é você. Com você perto, tenho o mundo, o universo inteiro de amor. Preciso sempre te amar além da vida. Quero que o infinito seja pouco nesse amor. Quero sentir minha alma na tua. Nasço de ti sempre.

Com amor, Liz,
sua eterna filha.

O nascer do nascer

O ser sem amor é o nascer do nascer. O outro é sem palavras, no amor que necessito: ainda não é meu. Tudo é real nas palavras. O silêncio surdo de silêncio e resignação. A folha é o silêncio escrito. Dominado e amado. O nascer do nascer teve que existir, antes da existência. A vida sem silêncio não existiria. A linguagem da vida somos nós. A lembrança é a falta de linguagem é sair de mim para o mundo. O mundo fala só com seus medos. O desespero é a certeza da alma voltar para mim. Nascer é o negativo do ser. Sou um ser, mas nunca nasci. A incompreensão da realidade é a realidade. O tempo é a realidade, não a vida. A infertilidade da alma é a vida. Escutar o além da vida em mim, me faz viver: não me deixa morrer. A alma serve de vida para quem não tem vida. Vida, necessito de ti, mesmo com alma. O sol sente vida em mim, mas não sinto. Ser não invade a alma. O ser não busca a alma. O ser é alma de si mesmo. Faça-se luz sem entranhas. A ternura do nada faz minha alma amanhecer, não de alma, mas de sol.

Abstinência da realidade

O corpo da alma é o nada. Viver sem a realidade é meu despertar, sendo eu, a consciência do mundo, da vida. Me fiz nascer em palavras admiráveis, parece até que nasci escrevendo. Apenas para não ter a realidade, ela vem a mim até em poesias. Desapareci na realidade para ter a mim. Mesmo sem realidade. Realidade é ser só. Estou só, por isso sou plena. Plena de tristeza. Mesmo assim, a tristeza me esvazia, me faz pensar no nada, que é a falta de sofrer. A depressão é a ausência de mim. A luz lateja em meus olhos, suplicando um pouco de escuridão. O céu é a escuridão do destino. Penso no que vai ser dor na dor. A dor de ver é como gerar um bebê morto. Ver a imagem morta é ver o puro, o simples, o natural. A imagem morta é mais sensível do que a imagem viva. Não há imagem em ser vista, vejo na imagem a esperança de ver. Não vou desistir de ver as coisas como me vejo. A esperança vê com a alma. Tudo desaparece sem ser visto na eternidade, por isso o desaparecer é eterno, como o sol. Inovar a eternidade, a inspirando com poesias. Eternidade: a nossa imagem dá vida ao que ela vê. A imagem vê o que não posso ver. Apenas a imagem sorri, encantada, com um mundo sem imagem. Imagem é o fascínio que existe entre o visível e o invisível, é o nada. O nada não é visível, nem é invisível, é uma simples imagem. Eu não vou mudar por ver. Ver não sou eu. O silêncio não vê a alma. Escuto a alma dentro de mim. Não sei qual o infinito do céu e o do mundo. Para mim, tudo é apenas infinito: feliz. Escuto as lágrimas do vento a despertar o amor pela vida, adormecido em mim. É impossível clarear o sol com a imagem do céu, o olhar clareia o céu. Sangrando por dentro de mim, estou livre para viver a minha solidão. Adeus. O adeus sem sonhos não é um adeus. Meu corpo é meu mundo. O adeus é o fim da plenitude, não o meu fim. Foi dando adeus a mim, perdendo a alma, que me tornei minha vida. Mas, mesmo assim, não me sinto eu. A alma aperfeiçoa o meu não eu. Sinto falta do nada. O não eu é a minha reflexão, como o mar descendo suave na rocha. A alma do mar são as pedras se unindo pelo mar, pela natureza, a enfeitar o céu, as estrelas, para esquecer seu amor, sua imensidão: tudo pelo infinito. O tempo do infinito sou eu a viver. A vida sofre ao amanhecer. O adeus ao corpo deixa o céu subtendido. Estou cheia de intenções: estrelas devem amanhecer. O corpo do outro é o meu corpo, e meu corpo é a subjetividade do outro. Não é somente subjetividade, é vida, o amor na solidez do nada. Meu corpo não pode provar ser um corpo. Sente-se um corpo, não sendo. A abstinência do corpo é a realidade da abstinência. O corpo é a diferença entre o ser e o nada. A vida não lembra de mim, não preciso que lembre. Nada necessito da vida, além de escrever. Escrever substitui a vida. Sinto falta de escrever escrevendo. A morte me mata para ficar com meu amor, minha vida para ela. Abri meu corpo para morrer sem sentir. Amo como se fosse a vida a amar. Amar como o mar e as estrelas. Amar sem o infinito, no infinito. A distância da vida é o sol apaziguador. Costurei-me sem dias vazios, me sinto remendada em vazios extremos. Mãos de sol, na chuva do tocar. Abandono a alegria para ser feliz. Afundo em mim para vir a superfície de mim. Sou apenas uma imagem.

O emaranhado do amor (se mostra confuso)

Meu corpo é levado sem a morte, flui como se fosse eterna. Essa morte: ela alimenta a alma. Se acontecer algo com a morte, tudo será vazio. Vazio é o esplendor do nada. O primeiro dia do resto da minha morte vai ser pior que a morte: vai ser eu sem ser eu. Serei apenas a minha morte para depois ser meu corpo. A falta de vida é o amanhecer caído em meus braços, a dar a sua vida à vida. Assim, o amanhecer torna-se vida.

Fixação na morte

Fixação na morte para lembrar de mim, nada mais há entre mim e o amanhecer, por isso lembro de mim. Conhecer o outro, que somos duas inessenciais, eu e o outro, poderíamos existir um para o outro, mesmo separados em nós mesmos. Imagino o outro em mim, me faz viver. O perseguir do pensamento ao ser é o não saber ser, nem na morte. A alegria morta é um fardo que carrego. Não quero deixar a alegria morrer completamente. Vê-la sofrer assim, nem parece ser a alegria que eu amo. Quase morri por ela. Agora eu estou fixa na morte para sobreviver. Para que sobreviver? Deus vem da minha alma, eu o amo. Minha vida está tonta em suas desinformações. A vida não é o que é: é muito mais do que é. O outro não pode ser meu olhar, é fuga de mim. A única lembrança é o olhar. Mãos não lembram o corpo, mãos nunca saem de si, são sempre mãos. As mãos são a leveza insustentável do ser. Minha alma flutua na terra como a vida que vai nascer. O corpo não é o amor que sinto. Não é o corpo que preciso, e sim da morte. A morte é meu corpo, minha alma, meu ser.

Desprendimento da morte

Tenho pena de quem não ama: por isso me desprendi da morte, me rendi à vida, mesmo a morrer. Isenta de sonhos, morri sem sonhos. Minha alma é eterna no amor de quem ama. É impossível amar sem sonhar. O céu lembra os amores impossíveis, o amor perdido, o amor reconciliador, o amor que condena, o amor que sofre, que se condena. Não se pode perder o amor, por mais imperfeito que seja, torna o céu mais lindo, perfeito. Sinto falta do céu, no desprendimento da morte. Entre mim e a morte não há mais nada, apenas silêncio e saudade da morte, de morrer. Toma meu corpo, morte: sempre foi teu. A falta de sorrir é a alma no céu. A morte é sorrir eterno. Nada impede o sorrir de viver. Não pergunto por mim, pela existência das coisas, pergunto pelo céu, pelas estrelas, no que posso fazer pelo céu. Entrei no céu em poesias para penetrar em pensamentos do céu. Sem o céu as estrelas não ficam perdidas, são o amor que eu tive um dia. O que me falta me preenche de estrelas, longe do sofrer. Se eu perder a falta, perco tudo. O céu é pouco para Deus. O tempo é o ficar do vento, sem realidade, sem liberdade. Fica em mim, tempo, como meu único pensar, para eu compreender a eternidade pelo sorrir de quem me ama. Viver ou não é sempre o mesmo amor o que sentem por mim, onde não há esquecimento. O sorrir é a lembrança eterna que a morte destruiu. Até tenta sorrir, como se fosse uma lembrança para toda sua morte. A falta é uma lembrança interior que dura um único suspiro. Se o interior são apenas faltas, como não necessito do exterior? Existe mundo interior? O que importa é que existe céu, onde o interior e o exterior não existem mais. Mas existe morte, existe Deus.

Criar eu invento

Invento-me no criar que invento. Clareou o céu branco de cinzas. O céu é o novelo de Deus, se desfaz como Deus. É raro amar em Deus. Invento o criar para me inventar, como tua eternidade, vida. Não me deixe, eternidade. Tenho eternidade: não preciso de mim, de alma. Quero apenas você em mim, minha eternidade: te incorporei: no meu silêncio, na minha presença, na minha ausência, na minha voz, na minha poesia, no meu tudo, no meu nada. Como falar do meu respirar, se não o sinto? O tempo irrespirável um dia vai respirar minha morte e o azul do céu vai cobrir a minha morte de bênçãos. Unida na morte, nada vai me separar de mim. Estarei em mim eternamente, é mais forte que eu. Apareci para a minha ausência. Ela é minha morte absoluta: a pior das mortes. A ausência destrói o céu. Uma coisa é o que sou, outra coisa é o céu, que nunca serei. A alma faz do nada uma verdade. Há verdades desconhecidas. A vida é uma sensação. O sofrer cessa todas as sensações. Nada vive na minha ausência. Para a ausência, não existe vida. A alma um dia terá uma imagem, cor, cheiro, vida, se torna irreconhecível. Algo treme em mim sem alma, sem encantos, sem sonhos: esse é o pulsar da vida.

Renúncia em contemplação

Contemplo a renúncia como um sol que partiu do mundo, da vida, sem saudade do amanhecer. Partiu ao ficar. Se eu me perder, terei os meus fragmentos de volta. Renunciar é negar a alma. Tem sorrisos escondidos na alma que me tornam eu. O que vi em mim sem mim? Vejo-me sem mim. Como a alma se vê? Como eu a sonho. Não sei se vou ficar muito tempo na alma: se dependesse de mim, nunca mais retorno, nunca mais fico comigo. Fico apenas na alma, esperando o fim ou o começo de mim, mas que exista vida, entre a luz e o fogo da solidão. Entre a água e o fogo do amor a vida é eterna. A eternidade é a imagem do fim. O fim persegue o nada. O nada sai do fim, o fim sai do nada. E o céu transborda emoções. O fim da alma é o céu.