Blog da Liz de Sá Cavalcante

O nascer da ausência

A ausência sem mim é o sorrir eterno do adeus. Apenas a ausência fala por Deus, onde não preciso sorrir sem sorrir. Meu sorrir mostra a Deus quem eu sou. Serei para mim mais do que sou. Ser não é viver. Ser é a distância de ser. Não há proximidade, não há proximidade, não há distância no mar, mar é apenas mar. O sorrir da alma é o partir do mar, tão indefinido quanto a sua presença, molhada num sopro de fé. O tempo é sem sopro, é o frio da alma. Sem o ar da alma, respiro vida. A percepção é a minha vida. Vejo minha percepção na ausência: repete-se em ser no não ser de mim. Amo, pois a vida não existe. Olhar é a distância do ser. Nada é pior do que viver. A ausência sentida é a presença do adeus, como meu interior. Nada sinto na ausência: não é ausência de mim. Olhos são o interior do vazio. A ausência é a minha vontade de morrer. Não sei se gosto da ausência de mim. Talvez eu não saiba o que é ausência, conhecendo-a. Não é triste não saber de mim: é falta de ausência. A ausência nasce da sua falta. Posso negar a morte, mas tenho que aceitar seu amor. Amor, sina que a morte, com horror, leva adiante. Pode matar minha alma, não a mim. Não escondo minha alma da tua morte. A ausência vem depois de mim. Sonho ausências. O pior vazio é o que não se vê. Ver é estar dentro da alma do vazio. Assim, o vazio me absorve na alma. Me absorvendo, não capta o meu fim, que não é solidão, é carência de amor. Por amar, amo a carência de mim: não me amo. Estou a procura de um adeus em palavras para sofrer só. Recolho minhas cinzas para consolar a minha tristeza. Nada demais em morrer. Não poder amar, ser amada, é o fim de tudo. Não sei como resta o fim em mim. O nascer da ausência é o fim sonhado para mim. É o fim como um sonho. É o sonho como fim do que ainda serei.

Desnorteamento

A alma não se foi: não é mais alma. Posso continuar na alma, eternamente, pela lembrança da alma. Sem a alma, viveria o céu. O sonho deixa as mãos vazias de alma: essa é a eternidade das mãos. A leveza de existir é o fim da eternidade, na eternidade do meu olhar. A eternidade do fim é a alma. Da eternidade, resta o ser. O ser na eternidade terá o mesmo amor? O amor sou eu. Vou desenterrar a alma com a morte para ver o sol nascer perto de mim.

As dores do corpo me distraem da dor da alma

Procuro a alma no que foi esquecido por mim, para me adivinhar, para ser eu entre tantos que não se sentem só como eu. Só é ficar junto. Morrer é segurar a pedra da minha dor, sem jogá-la em meu corpo. A dor é um corpo com alma. O corpo não foi feito para ter alma. Assim, brinco de ser feliz, como uma onda a secar o mar. A dor não vê o mundo, a vida, a dor vê o futuro, não é mais vida. Não posso passar a vida inteira na alma, tenho que pensar em mim. Em mim, pensar é imaginação da alma. Eu sou a moldura do imaginar. A dor não me deixar esquecer a fome da alma: o vazio da alma. O sonho é como fumaça em meus pulmões. As escadas do céu são o meu corpo. O imaginar não escuta o céu na minha alma. Escutar o céu é como tocá-lo. O céu não é disponível, é amor. O amor do céu, o ser não possui, por isso, existe o sonho. Estou cantando sonhos em vez de canções. A canção desperta o sofrer.

O ressecar da alma

A alma resseca com a morte, no sorrir da vida. A alma existe ao sair de si. O silêncio da alma é o meu interior. O silêncio é o tempo da vida sem o tempo de ser. A alma é sem tempo. O tempo faz do nada o tempo restante.

Fé perceptiva

A vida esquece de ser vida, sendo vida. A vida é a minha coragem. Pela vida, não tenho medo de morrer: quero viver com o sol a se decompor com uma folha caída da árvore. Vivo o necessário para ser feliz, numa alma desbotada: nunca terei a cor do universo. E se o universo não tem cor, qual será a referência do meu olhar? Como conseguir ver as coisas apenas pelo olhar? De que é feito o olhar que não vê? De outra essência, de outra vida? Não sei o que é o amor na vida. É diferente amar do amor. A adoração da alma se mistura com a minha morte para nascer meu ser. O eco da sombra é a minha voz de vida, a sacudir meu silêncio em um amanhecer assustador, de tanta vida. Tem alguma vida para mim? Deve ter algo exterior, distante do sol, da esperança. A minha tristeza, talvez? A miséria de alma me enche de vida. O interior tem que significar algo para si, para bem longe do interior. O interior é acordar para a vida. O despertar é tudo que tenho. A vida é a falta de respirar. Respirar é ausência. Lembrança, falta de reação à vida. Lembrança não é recolhimento, é liberdade. A liberdade do corpo é inútil à minha alma. Sem liberdade sou livre, como um gritar em silêncio. A alma perdeu mais do que eu em ser livre. Livre é a clausura da alma, não consegue imaginar uma rosa, um cheiro da lembrança que criou dentro de si para o mundo. Eu sonho sem mãos, por isso, meus sonhos são livres na mão do nada, que segurou as minhas mãos como se fossem poesia. As mãos das poesias isentas do nada, segura as mãos do nada, como quem prende a vida. Parece ter algo nas mãos: o nada. E, assim, esquece o contato humano. As mãos sentem minha ausência comigo a escrever. Escrever é um suspiro das mãos. Esqueci o nada na minha morte. A morte não compreende a falta do nada. Eu sinto o nada na falta de mim. Não há falta na falta. Eu sou a falta da falta. A lembrança é a falta do nada no nascer do nada. O fim é amor. O amor pelo fim não é amor.

Entendimento morto

O entendimento morto pode ser a vida que sonhei. Nenhum entendimento é vivo: não posso sonhar com a vida. A solidão pode ser o tempo que eu quiser, pode ser sem o tempo ou pode ser a vida de um entendimento morto. A morte não nasceu morta. O meu eu morto é o meu eu vivo. Nada é realidade, nem a vida, nem a morte. Tudo é a escuridão do nada: por isso, não tenho medo do pavor da luz. Sem a luz, sem escuridão. O silêncio é a luz e a escuridão que necessito. Viver não admite silêncio. Até os sons se comunicam com a alma, como se fosse a despedida da voz do adeus. O adeus não é o ficar eterno. Sonhar com o nada é minha autonomia. O nada é o fim e o começo de tudo. Explico minha morte com meu amor.

Visão abstrata

Numa visão real a vida é abstrata, abstrai o nada no ser. Apenas o vazio, pode tornar a abstração real, onde a única realidade, é um suspirar meu, onde a alma nasce de dentro até morrer.

Um novo amanhecer

O nascer nasce do amanhecer sem esquecimentos. Apenas a lembrança de nascer é sem esquecimento. A alma quer voltar ao ser pelo esquecimento, que é sua maneira de amar. A solidão não nasce, vive, sem o meu esquecer. É como se esquecer fosse além da solidão, do amor, do amor ausente. Ausências não morrem antes de amar. O ser morre antes de amar: assim surge o novo amanhecer.

O amor da morte é a estabilidade do inessencial

A alma nasce no tormento, se realiza em sua inessência, por onde o ver da vida se vê. Reconheço o fim no ver da vida. A falta de lembrança é sem intuição, a intuição é a vida. A vida é a permanência do adeus. Adeus que é hoje, amanhã e sempre. No dia da morte, morrerei no sempre: única realidade possível de se morrer, sem a tristeza de falar algo para mim em mim. O que poderia dizer a mim? Nada há para dizer a mim. Mesmo assim, lembro de mim. Ver é inessencial à alma, como uma vela que queima sem sentir. Eu não lembro o que queima, mas me sinto incendiar. O inessencial é mais visível que a alma, o corpo se esconde na alma. O agora vem da falta do corpo, não em mim, mas na alma. O suspiro do corpo é a alma. Meu suspiro é um fantasma a vagar na minha tristeza, me conhece melhor do que eu. E eu conheço tanto meu suspirar que morri por ele. Me tornei o imperceptível do céu em cada carência de estrelas, que sacode o céu em conversas sem palavras sem fala, apenas fico com a permanência do que sinto. E, assim, a permanência é intimidade sem palavras.

Impressionável

Morrer me deixa impressionada com o não morrer. Estamos na mesma alma, no mesmo fim. Fim que amolece a alma num desespero infinito, sem vida. A alma não sente: se sente na solidão. A solidão não é um sentimento: é voar sem asas. É, mesmo assim, imaginar que morri na conformidade do amor. Amor sem morte é ilusão. O amor necessita de um fim: a morte: nunca vou aceitar o fim. A morte morre sem alma. Uma forma doce de não se esquecer.