Blog da Liz de Sá Cavalcante

Monotonia

O corpo não é referência de ser, não me faz ser: é um acessório. A monotonia me impede de me rasgar por dentro de mim. Me banho no mar, vendo o mar. Sem meu corpo, sem minha alma. Sou levada no mar de amor. O céu é amor. Monotonia é alma. Nada há no amor. O amor não é vazio. A tristeza é um bem. Mais perfeito do que viver. Posso ser apenas tristeza, sem estar viva ou morta.

Reencontro eterno

A poesia sai de mim, de dentro do meu respirar para mim. O corpo é perda da alma na eternidade. A eternidade do sonho é o ser. Ser é a alegria do sonho no ser. O ser não se encontra vazio por ser, ele tem a leveza do nada. Nada sofre do nada. Sou a vida que falta na vida. Sou o acordar do amanhecer. Sou a poesia da vida. Dedos de céu são mãos de eternidade. O amor são perdas de eternidade. O céu é a eternidade do olhar. Deus não encontra a alma da vida. A alma de Deus é a minha vida. A minha eternidade sou eu em mim. Expectativas são eternidades que curam. Nada partiu, não existe, para partir precisa existir, nem as palavras, nem o céu, o amor, me fazem viver. A vida é a certeza de não viver. O fim do amor é escrever sem solidão.

O vazio não se reflete no nada

O vazio não se reflete no nada, é o nada, então não sinto o vazio de mim, sinto o vazio do nada. Não interfiro no que sinto. Não penso no que devo sentir, senão não sinto. Sinto amando mesmo que esse amor me faça morrer. O meu sentir me quer viva para que eu ame feliz, até irradiar o nada. A forma viva da tristeza não é minha alegria, mesmo morta me deu muitas alegrias. A maior alegria é a fala ausente de tanto amor. As coisas raras, especiais, duram para sempre no esquecimento, sem ausências. Essas coisas raras ficam como paz eterna dentro de mim, imperceptíveis. Até eu ser minha própria paz sem precisar lembrar ou esquecer. Para ter paz fiz da paz meu interior que me faz lembrar ou esquecer por amor.

Mergulho em mim

Minha pele resseca o mar sem mergulhar em mim. O fim é um olhar a mais em minha vida. O amor é sem significação. Viver o nada é a significação da vida. Não posso fazer desse mergulhar em mim uma vida. Sonhar é o único sim à vida. Sonhar é aceitar a vida, é acreditar em mim. O pressentimento da minha voz é todo o meu ser. Não posso ir até a minha alma, ela veio até mim num desaparecer do amor. O desaparecer sem amor é a alma se vendo. Vi pela eternidade da alma o meu fim, continuidade do meu sofrer. Nenhuma vida me faz sofrer. Mergulho em mim sem mim no sofrer. E descubro-me viver em um sofrer sem corpo, pura alma da ausência do corpo. A ausência do corpo desaparece em sua morte. Presença do meu corpo não é apenas eu.

Velamento da consciência (esconder)

A solidão me escuta, até eu voltar a alma e deixar de ser. Escutar é uma ausência interior, em um diálogo interno internalizar a escuta, é perder a escuta. A inocência de ser feliz, deu lugar à vida. Escutar é apenas um detalhe em meio a tantas palavras, tanta vida mergulhada no silêncio de viver. Viver é nada escutar. Para escutar, preciso ter lembranças que me façam escutar. A alma é a vida em silêncio ou no que não escuto sem o silêncio. A vida é a repetição do ser sem precisar que a escuta envolva o silêncio, até eu morrer: até a escuta ser eterna, como um sol que não necessita amanhecer. Escurecer ainda mais a escuridão é ter alma, mesmo na escuta, eu a escuto em sua ausência. Escutar é o amor do silêncio, que escuta a minha morte para me escutar.

O nascer da alma

O nascer da alma é a falta de céu, de mundo, de ser. Nascer é lembrança da alma. A lembrança de viver se mistura com a alma: surge o nada da plenitude. O céu, as estrelas são pensamentos vivos: não são o céu. O céu é o que amo em Deus: sou eu em Deus. O céu sonha em mim. Sonhar me esvazia dentro do tempo que perdi comigo: poderia viver. O céu é sonhar, é ser irresistível para o sonho, como o despertar de uma estrela no amor. Apenas o amor devolve o sonho ao sonho. Assim, a alma não vai mais nascer. Então nasci pela alma. Não nasci em mim, e sim na alma. Nascer, por mais absurdo que pareça, já é amor pela vida. Esperar o nascer partir é ser eterna para o nascer, ficando no partir do nascer, como se meu ser fosse apenas partir do nascer. O partir do nascer é o sol, a vida. Nascer e ser são opostos que destroem o nada. O não nascer é pele, amor, presença, nunca ausência. A ausência está além da presença. Presença é dormir na eternidade, sem vivê-la. A eternidade é um descanso sem vida. A vida não é um descanso: é alma. Alma é a vigília de Deus. Deus não dorme, ama. Deus não é sua própria ausência. Deus é a ausência, sem ausências humanas. Deus não incomoda a ausência humana. Se a vida é amor, fica apenas em seu começo. Começar de novo no nascer da alma para ser o que não sou, e ser eu sem alma. Pela alma, nada tem alma, apenas a alma tem alma, no infinito de mim. O abismo do vazio é a alegria, o tempo, a convivência, é apenas não me sentir vazia. O abismo é o tempo de viver sem o fim sem nada me restar: então vivo. O nascer da alma é onde o sol se esconde.

A descoberta de ser

Não tenho nada na vida, nem consciência da vida: me sinto um ser, onde a vida está ao meu lado, não a alcanço: mais um motivo para me descobrir ser, nessa distância invisível entre mim e a vida, por isso, é mais concreta do que tudo que existe por ser invisível, como a falta do nascer do sol: existe, não se vê: vê apenas o sol. O que perdi é alma, é o sossegar de um instante perdido. O ser se descobre só, sem pele, sem subterfúgio, solidão, não é mais um ser. Eu quero apenas ter alma.

Ver apenas o inessencial de mim

O não nascido é a alma, ver o inessencial no inessencial essencial de mim. Não nascer não me faz pertencer à alma. Pertenço a mim por não nascer. O nascer me impede de ser eu. Não vejo apenas o inessencial em mim. Vi o não nascer como sendo eu.

A falta de ser é indestrutível

Apenas os pedaços não se destroem: apenas eles podem acabar com a falta de ser: torná-la indestrutível. A alma é minha fragilidade. Na alma, não há falta de ser, mas tudo é destruído no amor. A alma é o espelho onde a vida se vê. A vida é o espelho do ser. O espelho da vida é a morte. A alma não tem alma, é a essência da minha saudade na falta de alma para a alma. A esperança de vida é a morte. A morte é uma fala, não se despede ao falar: a fala é eterna dentro de mim. Tenho alma de fala. Sinceridade é falar com alma. O silêncio sem ninguém é a alma. A alma se cura de ser alma: é somente um nascer em mim.

Melancolia

A ausência é essencial para a presença na ausência de morrer. A ausência de morrer é um sono sem sono, alma sem alma, ser sem ser. Tenho sono de alma, durmo sem mim. Dormir é um carinho com a melancolia. Durmo apenas na melancolia para não morrer. Por que preciso morrer se já estou triste? A tristeza não é um exemplo, não me torna melhor do que sou. Sou um ser que sobe as alturas de mim, para morrer nas alturas de mim. Se a morte amadurecesse minha dor, mesmo assim, iria morrer. A morte está em mim sem dor. A dor de não morrer cessa a poesia, como o dilúvio da saudade: para começar o mundo, a vida. Se o sol não for suficiente para haver a vida, empresto minha alegria, meu amor, para ter o meu fim.