Blog da Liz de Sá Cavalcante

O sonho do sonho

Ventilando-me em sonhos, a poeira do meu ser. O sonho do sonho é sem sonho. Quero morrer em um sonho. O sonho sofre para eu não sofrer. Nada sabe o sonho do sonho que tem. Lágrimas são sonhos que me protegem, me orientam. Nada é sonho, nada falta ao sonho. O sonho são mãos que tocam a solidão com a firmeza de existir. O sonho existe mais do que a vida. Sem a vida, o sonho é apenas mar que flui na sua imperfeição como o sorrir da eternidade. A eternidade é imperfeita, como um sonho desperto. O ser e o nada separam o ver, a autonomia de existir, da vida em si mesma: sem nada, ainda é vida. A vida dos meus olhos são meus sonhos. O chão são sonhos, onde vou andar, e o sol me acompanhará em meu amor. Meu coração está inundado de um amor não humano: universal. Sem a alma pesada em meu amor, em meu corpo. Ainda dormente de amor, sinto a eternidade do meu corpo, para me dissolver.

Despertei a morte

Despertei a morte, não com o meu ser, mas com um suspiro meu. O céu não sofre meu suspiro. Suspiro a minha voz, o meu absurdo de ser. Despertei na morte, sem o absurdo do meu ser. Meu ser deu asas à morte em vez de dar asas à imaginação. O sonhar exclui a alma que existe em mim, sem o meu suspirar de triste eternidade, sem ninguém e meu suspirar sai de mim como vida, faz do ninguém ninguém. E foi assim que despertar não é mais ilusão. Sonho escrevendo os meus sonhos, maneira bonita de morrer.

A sombra do eterno é o meu fim na luz

Meu fim na luz se apaga como uma alma que sofre sempre. Como nomear a realidade no que sinto, que é clandestino? Estou alheia, isenta de mim, por isso posso a realidade pelo meu nome. A sombra não é um adeus, é minha permanência na minha imagem que é a imagem de tudo onde tudo se reflete no nada da aparência com um sorrir eterno. Meu: me dar o direito de ser triste até por amor.

A luz do abismo

Perdas são realidades que permanecem necessitam da luz do abismo para eu ser real. Para a realidade, como se fôssemos uma só. A ilusão de estar só é só. O abismo é o fim da solidão, enclausurada mais do que a solidão. O consolo aberto como asas do céu no pensamento. E a luz do abismo se afasta, deixando no lugar a visão do real, que é minha visão, não é o eu vejo dentro de mim. No real, eu existo: dentro de mim não existo. Será o mundo mais importante que meu interior do que minha alma? O que tenho dentro de mim é pouco para mim.

São tantas coisas

São tantas coisas impronunciáveis, que se tornam palavras, amor. O abismo une as coisas ao amor, a vida, desarmoniza o sentir no ser. São tantas coisas que falo, escondendo o silêncio de mim. O sol torna a alma só, no meu amanhecer sombrio, onde não há claridade, nem mesmo no meu olhar. O olhar desafia a vida a viver. Viver é desacreditar no que vejo. Ver apenas o ver em mim é viver. O absoluto não é o silêncio: é a fala. São tantas coisas perdidas em viver, que quero viver.

O esplendor do nada

A alma ainda deixou-me metade de mim. Não preciso ser meus fragmentos para amar a alma. Amo a alma, mesmo morta. Dou minha morte para a alma, fico sem nada. A face do espelho é o nada em mim. A alma é a imagem no espelho. Então não sei como sou, não é a minha imagem no espelho. Sei como me sinto, como sou, sem nunca me ver. Ver é abstração do nada na realidade do nada. A realidade do nada me faz viver. Tudo que é será um dia sendo de si mesmo. O nada é a profundidade na distância do nada. Eu vi tua realidade sem alma do nada, como uma alma sem vida. Tudo é essencial para o nada. O nada se vê no nada do outro nada. São tantas lacunas e nenhum nada em mim. O tempo esquece o nada de si por um talvez não seja o nada, mas é. É o nada a razão de tudo. O nada das minhas mãos oferece mais do que vida, oferece amor. A solidão da alma é o corpo, vontade de chorar sem alma, para me sentir por dentro de mim. O sol e a alma são ausências abandonadas. E o céu reza ausências adormecidas. Sem a alma, não há chegadas ou partidas. Vir a alma é deixar-me inerte. O corpo, saindo de mim, é a alma. Os dedos desfazem realidades sem mãos. Vivo dentro de mim. O corpo isola o ser nele mesmo. Não há ser no ser da alma. Fugir dos dedos com minhas mãos para acariciar pensamentos são almas tranquilas. A incompreensão é o amor da alma. A alma sem o esplendor do nada me faz morrer sem o nada: me faz morrer em vão.

Irreversível (não se pode reverter, voltar ao estado anterior)

Eu não gostava da minha alma até tê-la de verdade. Engravidei da minha alma para ter direito ao sol. Um sopro de vertigem queima o sol doce por viver. Nada sofre de sol, vida. A pele se pode arrancar do corpo, não da alma. Mãos firmes não sustentam o corpo em mim. Nada fica do corpo em mim. Por isso, não morri. Morrer de quê? Não sei, vou simplesmente morrer, como se dissesse amém a mim. Um beijo calaria a minha morte de mim. Um beijo em palavras silenciosas reflete-se sem silêncio. Tudo parou, estagnou em mim, sem palavras. Preciso lembrar da fala: me manterá viva um dia. Como conversar com minha fala? Com amor. Minha vida está toda em minha alma, não em mim. Mesmo assim, me sinto viva. Tão viva quanto a poesia de um único instante apenas. Gosto da minha alma para morrer nela.

Extravasar a alma (transbordar, derramar)

O silêncio se derrama nas palavras, sem que a alma transborde como a imensidão dividida entre mim e o meu amor, que sinto como sendo eu. Tudo vivo em palavras. Não existe vida sem palavras, existe vida sem convivência. Palavras são as estrelas do céu. Nada na palavra se pronuncia sem o céu. O céu é visão da vida. Lembro de mim ao viver. A vida é a essência de cada um, nos torna todos em um único ser. A vida nos torna ela mesma. Há mágoas que são vidas. Sonhar é lembrar para esquecer. A alegria é nada lembrar ou esquecer. Meu corpo, meu rosto, não fazem me lembrar de mim. O que mudaria se eu lembrar de mim? Nada. Nada muda, nada está como está: no corpo apenas. Não sou mais do que um corpo. A alma é o sempre do corpo, de mim. O novo horizonte no meu corpo não precisa refletir, sendo a alma no meu corpo. Alma na alma, no meu corpo pleno. Amar a alma é não ter corpo, nem alma, ter apenas amor. Pele é alma. O amanhecer é incompleto. O outro sou eu no amor que sinto. Amor é sem adeus. A alma estabiliza o ser. O ser é a alma que se fez só: em Deus. A imagem da morte jamais será Deus. A morte sem imagem é a falta do meu olhar, da minha alma.

Aconchego na alma

A morte é a derrota da alma. Vou viver sem alma. A morte é o aconchego da alma. A alma é o lado da vida que ninguém conhece na morte. A morte não está no meu lugar, ela me acrescenta, eu não consigo me acrescentar. Não estou cedendo a morte, estou evoluindo nela.

A permanência não é eterna

A permanência é um raio de sol: ilumina pouco, vive pouco. A impermanência é eterna: são meus sonhos. Vida, te vi como um sonho. Ver é sonhar. A impermanência é sempre. Nada além da impermanência do amor. Não há nem silêncio, dor, ausência: algo necessita permanecer, mesmo que seja a morte. Tudo é real no desaparecer. Não é real na impermanência.