Blog da Liz de Sá Cavalcante

O conflito do nada

O nada não sabe ser nada. O tempo refaz o nada. Sem o nada, ele é. É o nada sem o nada de ser. A alma exerce o nada, não é o nada. O nada é espiritualidade infinita. Há mais entre o céu e o mundo do que o ser. A falta é um abraço na alma. O mundo é uma alma fictícia, no céu da aflição. Meu ser não sabe que desapareceu. É mais uma vida de amor que prevalece no desaparecer. O desaparecer é o próprio ser sem o nada. Minhas mãos não escrevem: sonham: logo, escrevem. Vou reduzir meus sonhos, ocupam toda a minha vida. Alma, me socorra, nada faço sem ti. Tua ausência é um consolo para ti. Desconsolada, perdida, tento resgatar o meu olhar da minha lembrança. A visão emotiva falha, erra. Tenta visualizá-la, o amor não deixa. Deixo que o amor a veja sem o meu sentir. Para sentir, não basta amar. Sentir é saber dizer adeus. Não se vive, me despeço da falta de vida para ir para o nada, minha origem. Eu fiz de mim o vazio do nada. A vida é diferente dela mesma. Sem a morte, não há nada, há apenas a angústia não vivida, nem no céu, nem no mundo. A angústia é sem tristeza, sem espera, sem o nada, é apenas o ar que respiro. O nada não se nadifica no nada, se nadifica em mim. Escrever é como segurar as mãos de Deus. Minha aparência é o nada no céu. O nada no céu são os meus pensamentos. Tudo se diz nada eternamente sem o céu. O nada das palavras é um céu inacessível, que abraça a vida sem o nada de si mesmo. Nada tem o nada original. A vida são cópias do nada. O nada original é a morte, não é fiel como as cópias do nada. Nada é cópia de mim, mas será que sou me único eu? Meu eu não é minha morte. O sol da morte é minha alma. Apenas a morte me traz ao mundo. O além do real é o nada. A morte devolve minha fala, meu agir. Agir, às vezes, é morrer. Não morri agindo, morri sendo. Sou capaz de morrer: tenho necessidade de morrer como nada, para afastar o nada de mim. Morrer no nada é morrer sem o nada, onde posso abraçar a mim. O conflito do nada era a minha ausência de morrer.

Tremeluzir (brilhar)

O amor brilha mais do que o céu. A morte, lençol que me cobre para eu dormir. Alternâncias de luzes são o meu sono, minha paz: é como ter certeza da vida, mesmo que inexistente: sou inexistente na inexistência da vida. Não existir é poético, por isso, não é o fim. Fim é quando cessa a poesia, a tremeluzir, a brilhar poesia. Poesia é o fim de tudo, começo do nada, para tudo ser infinito sem durar no fim. O silêncio não dorme em mim. Quero não ser teu vazio. Não sei se é importante o que falo, mas já me expus. Brilho na opacidade do teu silêncio. Tua inexistência me obriga a existir. Existir é sempre. Me tornei o que represento para mim, mas ainda não sou eu. Existir é continuar no vazio inexistente de não esquecer a vida. O vazio inexistente pode causar minha morte ou me fazer viver. Consigo me ver brilhar no algo da inconsciência, com a escuridão dentro de mim. A morte se acumula em mim. A decadência da escuridão teme a morte como um rastro de luz. O nada é eterno se for real. A irrealidade do nada é o ser. Ser se consome na pele que rompe a barreira do ser. É luz, é sol, é vida na minha morte de estrelas. Eu vivo o nada, vivo a vida, vivo tudo que existe. O silêncio abrange a vida. Tento sentir o silêncio vazio, ele apenas adormece no meu sentir como um apego ao nada. Escrever é o nada íntimo. Meu nada não é o nada de todos: meu nada se traduz em palavras. Eu sei o que o nada é em mim: saudade de ser eu em mim. Escrever é uma lição de vida ou de morte. Nasci sem vida. O mundo criou a vida em mim, e nele mesmo. Nada posso ser na saudade de mim. Na falta de mim, tudo sou. O amanhecer amanhece na ausência, regado sem luz. O sonhar na luz afasta o meu desespero. Nada sofro na luz, na minha consciência. Mas a alma oculta a luz em seu ocultamento. O céu já tem Deus como luz. Viva sem luz e sua alma não se perderá. Não sufoque a luz com um olhar: ela não pode ser vista.

A insuficiência do mundo no tudo de mim

A inapreensível alma, o amor, que a rasga, a dilacera. É nossa morte, que expulsa a alma da alma, sem restar vazio, nem remorso. Não acredito no amor da minha alma, como me faço amanhecer. A lembrança não tem abrigo, cessa como se eu visse e sentisse o seu fim em mim. Lembranças e o fim não combinam. O ar de despedida me faz viver na lembrança, como um respirar impronunciável de morte e dor. Caminhos falam para que eu não possa respirar pelas palavras ditas, mesmo assim, me consolam, me refazem. Quero dizer, amor, meu refazer não deixa. Ele vai contra o amanhecer, contra tudo. Estou grávida das minhas entranhas, como um sol a se partir ao meio, como duas metades da vida, ambas perdidas em poesias. Vou me arrastar em mortes escorregadias, como se eu fosse o soprar do vento, depois da tempestade de sol.

Tão perto

Senti a alma de tão perto: me senti viver. Foi como se o ar fosse minha vida. Respiro, estou limpa de alma e de coração. E me sinto flutuar num céu mais infinito que o céu: o fim do céu. Existo sem escuridão: não quero existir: quero apenas ficar na escuridão para a vida ter coragem de partir na luz, isenta de mim. Na luz a morte é apenas saudade do que não sou.

A arte das palavras é a espera da minha voz

O desespero da minha voz é para escutar a minha fala na minha morte. Palavras expõem a realidade ao não ser de mim. Meu olhar dança, sonâmbulo de morrer. Eu sei da realidade no irreal. O ser protege o nada de sua irrealidade, de mim, do não ser dentro de mim. As palavras não têm minha voz, minha presença. Mas tem essência, desejo de morrer numa eternidade de palavras. Apenas para não esquecer que vivi um dia. No lembrar de mim, pareço ainda viver, como o suspirar ausente em canções de vida. Vida, foste minha falta num suspirar eterno: sem mim, de mim. A falta que me faz esquecer é o retraimento do nada, é a tua ilusão na minha. A paz é uma forma triste de esquecer, que as coisas não podem ser vividas por nós, nem as pessoas. Tentamos vivê-las, a tornamos ilusão, que é mais do que a vida: a ilusão é de verdade. A vida é um engano, que me deixa desenganada, como se eu me desengasgasse da vida, para provar outro ar, outro eu. A minha morte nasce da minha realidade, desse amor sem palavras, que pesa em mim pesando mais que minha aflição, vou me prostrar na morte. Vou senti-la aos poucos. Vou acordar para a morte, dormir para a vida. Continuar morta, depende da mansidão da vida. Tenho alma para morrer e a usei em morrer. É como se houvesse luz para morrer. E toda a escuridão fossem as flores deixadas na morte. O céu é a escuridão da morte. Sinto falta da escuridão sem ausências, escuridão que ampara a luz, deixando-a morrer no voar da liberdade. Me oprime tanta luz. A luz ofusca meu pensamento, me tem sem mim.

Inadmissível

A vida é um jogo de palavras, que renuncia ser amada, para falar de si. O si de si mesmo é o fim da vida, começo de mim. A eternidade é como se existisse vida depois da vida, mas há apenas o além. Estou vazia de tanto amor. Os sonhos das flores comparam a beleza do céu. A morte é o céu preto, sem o ser, sem o respirar eterno. O respirar do fim é a vida no ser. Respirar no fim é ser eterna para o amor. Tenho flores na alma, um dia serei o jardim do céu. Desvenda-me, morte, com tudo que amei, vivi. Descubra-me como a uma poesia. Regresse, me conforme de mim. O nada é a amplitude do céu na minha voz.

Inesgotável

Tudo se esgotou como se não houvesse mortes no inesgotável do ser. Nada no sonho é o ser que o sonhou. A força cessa na alma, como se eu pudesse ser frágil como o tempo que aparece só. É como desmontar-me em saudade. Sol na alma para o amor seguir. Não me deixe, alma, como um sol a despertar. Eu amo como a alma. Nada falta a quem não se é, no saber ser.

O significante e o significado

A poesia se levanta, antes do sol, se faz vida, brisa. A poesia manuseia meus dedos no mexer da alma. O significado é o significante. A alma purifica o ar. Não estou escrevendo, estou vivendo. Chupar a pele pra dentro de mim, do meu mundo: a minha morte. Desfiar a pele na alma, é o meu mundo. A alma é a lentidão da vida. O amor é melhor do que o mar no infinito de mim. O infinito é o fim. O fim do sol é como o renascer da vida. Vida é o renascer da alma. A alma renasce no ser, não na alma. Foste alma para o meu sofrer. Sofrer é o agora sem passado ou futuro. Antes veio o sofrer para o meu ser nascer, esquecer o frenesi de morrer, ficando sem mim. Perder o nada é não perder a vida. A luz desanima a alma do olhar. Vivi o inevitável. O tempo gasto como o revelar da saudade, o mar ainda sendo mar: isso torna insuportável essa saudade por não ser falta de ser. Enfim, eu na solidão de Deus.

O desatino de morrer

O ser para o nada é a subjetividade como amor. O nada para o ser é a morte no concreto, sem abstrações da morte, sem a saudade, a falta que pensei existir. Apenas a beleza é a eternidade. Beleza que não existe na vida. A vida é um estar só, separado de ser só. Ser só é morrer.

A clarividência do céu (de perceber sem os sentidos, sem o mundo)

O céu é das estrelas, esperança divina de ser só em lacunas de estrelas para preencher com meu sorrir. Sorrir cada vez que falta fé, ainda tenho o meu sorrir. A única esperança de vida é a falta de amor. A clarividência do céu vê mais longe: se não há amor, vê estrelas. Deus é a clarividência do céu da alma. A morte é clarividência do céu no mundo. Começo a ser, a ser o que me separa da vida. O tempo é o suportar da vida. Tudo em mim sufoca minha própria poesia. A poesia não dá conta da insustentável leveza do meu ser. O ser no ser é a esperança de ser. A lógica do nada é a vida, avança como o mar. O mar traz de volta as lembranças recolhidas no tempo perdido. Recobri minha pele de ausências. Ausência é o que há de positivo em sofrer. Não acredito no acreditar que não vive, não morre, não ama. O fim é acreditar na realidade. De dentro do nada, o ser: imensidão do infinito. A alma é o rompimento do céu com a vida, para nascer luz de viver. Viver e depois da realidade. Tenho alma na luz de viver. Me liberto sem luz, na estranheza da luz, conforme sua escuridão. Escuridão é o preenchimento do nada. Aperfeiçoo a escuridão no vazio de ver. Ver pode ser a minha ausência vendo. Nunca sei quando vejo, se vejo. Renuncio a ver com a minha presença. Ver é alma. O torpor da alma é a vida. O morrer da alma é a vida. Minha ressaca da alma não me deixa viver. Vivo, pois o instante de viver está perdido. Vivo sem instantes, na plenitude. A minha alma é minha plenitude: em vida, no amor. O mundo da alma é o ser. Sem ver, vejo a alma. Ver somente a alma é ver com o olhar de Deus em mim. Olhar a vida me esvazia, é supérfluo, banal, como sonhar. O sonho esmorece meu corpo. Nada a dizer, tudo a amar. O significado da fala é o amanhecer. O significado da existência é o silêncio.