Blog da Liz de Sá Cavalcante

A misericórdia da solidão

Ocultar o que se expõe no ocultamento. A vida é desatino, a loucura santa. O coração, ao redor do nada, conhece apenas o nada. O abismo é o amor. O tempo é o nada dos meus olhos. Tempo sem alma, tempo de apenas ver. A vida nasce da angústia de nada, de ninguém. É mais angustiante do que saber da angústia. O tremer de angústia afasta a angústia do ser e impregna a alma. Ninguém tem a angústia que merece. Angústia é dizer sim à vida antes do meu corpo ter vida. A vida é a falta de um corpo? A vida não é falta de mim. A falta de mim é um corpo no meu. O corpo é tomar a morte para mim e abolir o que falta na morte, para a morte ser inteira em mim. A falta da morte me desestabiliza como se o céu não pudesse ser visto. O que é sentir? É morrer? A morte é a razão de tudo. Inventar a morte onde ela já existe é abraçar a vida. Nada tem certeza de existir. O Sol é a certeza de existir. Não se vive as certezas. O Sol causa incertezas, mesmo sendo uma certeza salva pelo amor não sentido. Larguei o mar na destruição do infinito. O fim do mar é meu corpo. Corpo e infinito se destroem no mesmo sofrer. Angústia é o silêncio sem corpo. Nada capta o silêncio, nem o próprio silêncio. O silêncio é a realidade sem fim na minha morte. Poesia é fazer do fim o meu ser, sem lutar pelo fim. Luto pelo fim, não por mim. Ou será a mesma coisa? O Sol vacila, não aceita um amanhecer vazio, que poderia ser a solidão do Sol no amor do amanhecer. O precipício é um amanhecer sem adeus. O adeus permanece como ser. Assim o ser se encanta em mim. O nada não é ausente, é um corpo sem corpo. A alma sem alma vive mais feliz. Não há solidão que cesse a alma. Quando houver vida, tudo terá ido. Como viver com amor? O amor é o cessar da vida. Eu suporto a vida no nada. A secura da vida inunda o nada. O que poderia ser um corpo é o nada. Tudo há no nada. Ele faz falta ao amor. Escrevo sem luz, sem presença. A única luz é minha ausência de trevas. Se tudo fosse trevas, essa ignorância me faria pensar em mim. Não importa como penso, e sim como sou. Pensar é equívoco de ser nada. Mas, se penso, ao menos a inexistência vive por mim, como poesia. O Sol é a gratidão do nada da Lua. Lua, faça-se Sol. Nem o Sol torna o mundo feliz. Eu não sou sem mar. Mergulhar no céu é mais fácil que não ser no mar.