Blog da Liz de Sá Cavalcante

Martírio

Nasce o amor: uma vida pode servir para outra vida. O amor me faz ter uma aparência. O tempo nasce sem amor, como um sol nascendo sem vida. Vida nasceu sem o tempo. Eu queria a vida em um único tempo: ser feliz. Feliz como a sombra do meu coração. O amor caindo do céu. A chuva, o mar, o sol, a vida é o amor. O desespero é amor. O amor não é amor sendo amor? De que vive o amor? Do ser? Se tenho perdas, tenho amor também. Um dia as perdas serão amor. Quero chamar a vida pelo nome. Mas que nome teria a vida? Preciso unir a vida à saudade de viver. A aparência buscando a vida. Deixei-me sem a busca da aparência. Morri sem ter aparência. Meu sonho é minha aparência. Talvez a falta de aparência seja amor. Tudo fiz para ter uma aparência, nada fiz por mim. Fiz pelo sol, pelas estrelas, pela poesia, para ser isenta de mim. O outro é o não eu, por isso eu sou eu. Queria falar com o outro eu em mim, para não ser mais eu. Se eu agir certo, amar o agir do amor, verei a vida. Jamais sonharia, mas admiro o sonho. Ele ficou com a minha sensibilidade. Fiquei vazia, parece simples, mas não é: é como se eu fosse excluída do mundo sem sonhar. A existência é um sonho, não quero viver de sonhos, a poesia perderia o sentido, talvez nem existiria mais. Abraços são distâncias reais. O tudo que eu era nunca existiu. Na vida não há renúncia da alma. Os abraços fogem da alma, apenas minha alma me persegue: parece me abraçar ao me perseguir. Talvez ela não saiba ser diferente do que é. Quando o mundo se tornou pequeno para mim, resolvi ser do céu, das estrelas, como se eu fosse o mundo do céu. A estrela é uma saudade que era para nascer. Nasci da estrela, dessa falta, dessa saudade de viver, escorrendo céu em mim, sem sangue, sem dor. Saudade irá embora apenas com a minha morte. Saudade, abatida de amor. Não quero vencer o que sinto. Deixa-me tocar a saudade sem estrela. Quero ver a alma, não pelo olhar perdido em viver, mas pelo meu amor.