Blog da Liz de Sá Cavalcante

Sobreviver à alma

A alma vai aparecer disfarçada de mim. Não tenho um olhar para a alma, não tenho um olhar. Meu olhar é sempre outro alguém que não me vê. Nada há na vida que se deva olhar, é desoladora a vida. Se sobrevivo, é porque a alma existe. Se eu não sobrevivo, é porque necessito de alma. Se eu não sobrevivo à alma, é porque meu amor é leve como a alma, ela se confunde comigo. Tão leve meu amor, que a alma desaba nele, e o vento separa meu amor e minha alma. Espero o nada, a transformação da descontinuidade da vida não é o ser. O ser não é nada para a vida, nem o seu fim, nem sua descontinuidade. Tudo flui na descontinuidade, onde o ser desaparece na continuidade do viver, é como se continuar algo fosse morrer! Eu vivi a tua morte em mim, que não é a continuidade, nem a descontinuidade da vida, é o fim pelo fim! Sobreviver é dar continuidade à descontinuidade do ser. O ser é ilusão perpétua da continuidade da vida! Luz que somente ilumina a luz da ausência, que não precisa de luz. Apenas a luz compreende a escuridão da dificuldade de viver. Surge o eterno, mas sem a eternidade de cada dia. A alma é uma eternidade maior do que a eternidade. A alma me dá forças, por não perder a eternidade do meu olhar, mas ele não é eterno como o sol, que desponta no olhar de quem não vê. Para olhar, me entrego ao sol, ao infinito, mas não me entrego ao meu olhar, que desfaz o sol em poesias desencontradas, como se fossem o nascer do sol! Sem o sol, sem amor, onde me entrego ao nada como se o nada pudesse ser a escuridão de que necessito para viver, não mais amanhece, nem mesmo por dentro de mim. Esqueço as coisas, como se pudesse vê-las em suas ausências. Me identifico com o sol, tão esquecido pela escuridão, e eu, pelas ausências. A ausência é surda, cega. O que é a alma senão o que foi perdido no inesquecível de me entregar à perda do nada, como se assim eu pudesse reaver a vida. A vida é o fim da ausência. O retorno ao nada do meu eu. O sentimento vive mais do que eu, vive como se eu o quisesse, não sei se quero. Esse sentir solitário em mim é livre, de tão sozinho que é a solidão, não é só, pois está aprisionada no viver. A vida não se manifesta só, mas é tão só que se tornou vida! A alma não pode se lembrar de tudo, então prefere não se lembrar de nada. Mas, tudo se lembra da alma, como se a alma pudesse se lembrar por ser lembrada. A lembrança é sem alma, ao possuir a alma. A alma é estranheza de ser, ser para não existir como alma. A alma é o fim do infinito do meu ser. Não quero sofrer como alma, na ausência do teu sofrer. A ausência do teu sofrer me fez viver a vida mais perfeita, plena, sem nós! Nós são instantes que não se firmam, não aparecem, nem mesmo pelo teu abandono! Para que mexer nesses instantes?! Só, sem estes instantes de abandono, morreria, pois a falta de abandono é falta de mim. Pode me faltar a vida, mas teu abandono por mim não pode faltar. É um pedaço de ti, que aceitei em sofrer! Sobreviver à alma é abandonar a alma por ti, em ti!