Tiraste-me de mim. Tiraste a metade de mim. Estou inteira, assim como a escuridão se entrega ao mar, sem o vulto da morte. Metade da solidão foi embora, na metade de mim. Se a sombra da aparência me fez me ver, é como se me visse sem me ver. A escuridão abençoa a eternidade do mar, que me faz feliz. Para mim, a falta do mar é a minha morte. Minhas cinzas são teu olhar cada vez mais perto, mais íntimo, suave, como a solidão que consigo ter. Segura minhas cinzas no teu peito, para eu dormir com vida, para que o olhar seja o tempo perdido entre mim e minha morte. Mas, o tempo não pode estar perdido como alma. Deixo que minhas cinzas ocupem o lugar que esteve vazio em mim. Nem a escuridão penetra no vazio de ter alma. Não respire minha morte, sinta firmeza no respirar das minhas cinzas, descubro o ar em ti. Aproxima teu respirar no nada, terás minhas cinzas dentro de ti. Deixo o não ver para as cinzas, seja minha escuridão, onde não me faltam cinzas para morrer, mas falta você para mim. A dor do abandono existe: são a falta de cinzas espalhadas pelo mundo. Se o mundo fosse cinzas, seríamos o vento a carregar as cinzas, num mistério sem fim de vida, de amor, de algo mais, que desaparece apenas para que eu te veja, na certeza de que não existe pra mim. Tudo o que existe soprou minhas cinzas pra longe, onde te esqueci, para ser cinzas. Quem sabe, assim, exista pra você? Deixar as cinzas pelo não ver é como te ver pela última vez, apenas como cinzas da esperança sem amanhã. Amanhã, as cinzas removerão a terra, constroem a vida no novo mundo, nem que seja feito de cinzas, é melhor do que apenas as cinzas que deveriam ser o sofrer, assim existe amor.