Blog da Liz de Sá Cavalcante

Dando-me a mim

Visto a alma adequada a cada vida que vivo, já vivi muitas vidas, apenas uma morte. Vidas que se sentem como eu, até eu descobrir que todas essas vidas são apenas uma: perder-te. Perder, lembrança eterna de depois, que desfaz perdas com a vida. Desaparecer é permanecer na perda de mim. Nem o tempo pode desaparecer com minha alma, ela morreu sem desaparecer. A alma é tão verdadeira que ninguém sente sua falta. Se não pode amar a minha alma, verdade absoluta do meu sofrer, não me ame. Amor é sério, é real, mais real que a alma que não consegue amar. Mas sem amor não há ser, não há alma. Vivo somente o amor. Vou ficar bem, tornando a vida melhor, como se ela fosse o meu sorrir. Sorrir não é não ter lágrimas, é deixá-las florescer, como se fosse a última rosa do mundo, que não é só como a vida. Viva as rosas, que enfeitam a tristeza com a bondade do amor. Amor, que já existia na rosa, que será a vida do amanhã. Que bom que o amanhecer são apenas rosas, nada é mais natural, simples, mais extraordinário do que isso. Se as rosas falassem, eu teria apenas bons pensamentos, as ouviria, eternamente, mesmo sendo eu mortal para ouvir a rosa. Não me dei a mim, mas me dou toda numa rosa, como se lembrasse de mim.

Transcender (ir além)

Transcender sem alma, sem amor, é amor. É leve, é pesado carregar a vida sem o meu corpo, sem poder viver. Recorrendo à morte para amar, percebo que não há amor para amar, mas posso amar o sofrer como se fosse amor. O pensamento verdadeiro é o amor, se não há amor, não há pensamento. Mas, por dentro de mim, ainda penso, como se eu pudesse existir pelo pensamento. Perdi-me em meus pensamentos como quem encontra a luz do saber. Penso em mim sem nenhum pensamento. A proximidade afasta o pensar dele mesmo. Nada quis do pensar, além de esquecer de mim. Somente há noite sem o pensar. Pensar não me faz existir. Não pensar não acalma a alma. A alma é o não pensar no saber. Ser é não saber ser. Nada é o que é, apenas parece ser. Como se eu respirasse nuvem apenas para ver o sol.

Alma pura (para pai)

Alma pura que nem a eternidade, nem o amor, nem a vida é superior a ela. Abençoa a minha morte de mim. Dentro da minha alma escuridão, na tua alma, toda luz. Fora da alma não há nada. Assumir a alma, na falta da alma é amor. Alma, ilumina meu olhar, determina o meu viver, como se fôssemos nós dois apenas no mundo. Você é alma de nós dois. Somos inseparáveis, lutamos juntos pelo amor. Resta em mim a tua alma, ela é tudo que tenho, é toda a minha vida. Te amo sempre.

Recomeço de mim

Deixar a vida pela metade, por ela não estar inteira, é quando não há recomeço de mim. Que quando eu morrer não veja a minha morte, vê apenas a alma perto de mim, para não ter medo de morrer. Mas a minha morte se foi com a alma, e meus olhos perdidos em viver me fizeram respirar em um desprazer enorme. Espero-te, alma, em versos de saudade. É sempre minha, mesmo sem ti em mim. Deixei a alma vazia para ela não se perder de mim. A morte pode saber se estou triste? A vida e a morte são uma maneira de enfrentar a realidade. Recomeços sem mim dão vida a minha poesia. Minhas poesias não necessitam de vida para existir.

Vidas que permanecem pelo amor

As vidas que permanecem pelo amor esperam apenas amor da vida, são infelizes como vida, como amor. O amor, minha única percepção, percebe a vida pelo meu amor, que não é apenas meu. Amar, dando-se ao nada, ainda é amor. O conhecer do amor fez a vida se desconhecer. Esse desconhecer é o resto de nós. Não posso tomar o amor para mim, o amor é de todos. Mas todos não podem ser o amor, que o amor é por todos. Não posso informar ao amor minha existência: ele tem que a sentir e, quem sabe, amá-la? Amor não é sofrer. Amor é dar conta do que imagino. Imaginar é amor universal, a paz universal. Somente assim reconhecemos que somos como queremos. A paz sem paz é tão triste, como se fosse uma guerra. Ninguém pode transferir o amor para a realidade. O amor é sem a realidade. Tudo passa, o amor passa, ficam apenas lembranças: tristes ou felizes. O fim do amor é o ser. Tenho medo do fim do amor como meu amor. O medo significa que não é o fim. A morte é tão sublime, que não amanhece, torna o sol vazio em sua grandeza. Deixo minha alma visitar a morte, desde que volte para o meu amor: não é infinito, puro como a morte, mas é tudo que posso dar à alma.

A impermanência da morte

O cheiro da morte não cessa com a impermanência da morte. A morte permanece na ilusão de ficar. Parecer ficar é morrer, pior do que não ficar. A impermanência é um corpo com alma. O tempo é onde as almas se refazem, como se o tempo da alma fosse o mesmo tempo de ser. O tempo escorre sem faltas, sem saudade, sem a manifestação do nada, que morre como ser. E o tempo morre como nada.

Alma de sol

Procuro lembrar a imagem da alma de sol e fazer dela a minha imagem. A alma tem a imagem do sol. Assim como a lua se esconde do céu em seus sonhos. Preciso ir até a alma, seja pelo mundo, pela vida, pelo ar, pela ausência, minha presença torna a alma amor. Mas como há amor na alma? Amor não é privilégio do ser, mas alma e ser estão separados. É inconcebível amar o ser pelo ser, o amamos pela alma isenta de ser. É fácil amar sem o ser, sem ser. Vida existiu quando havia amor? Que é necessário para amar? É necessário desvendar a alma de sol pelo meu existir. Existir ou não existir não faz diferença para a vida, mas faz diferença para a alma. Tudo importa para a alma: o não conseguir perdoar para a alma já perdoei.

Um tributo à vida

A vida da consciência é um tributo à vida, melhor homenagem que foi feita à vida. A vida necessita da vida, da consciência. A certeza de ouvir e ver a vida me faz apanhar a morte no ar.

O aspecto da vida

A verdade da consciência é um aspecto da vida. A vida não é sempre vida. O sonhar da consciência é sem vida. O lado interminável da morte não é a solidão, é o próprio ser. O lado eterno da vida é o nada. Ver com olhos de lágrimas cessa o nada. Nada posso aprender com a vida, mas ela aprende comigo, a ser leve, viver poeticamente. Onde há poesia não há morte. A morte é o fundo da essência, onde encontro paz dormindo. Tudo abandona a alma. Apenas a morte quer saber da minha alma, cuida dela como se fosse sua alma. A paz era para ser eternidade, paz é morte.

Por que não consigo permanecer em mim?

Ter alma não me ajuda a ser. Permanecer é ser só. A beleza solitária é como uma luz que ilumina uma única vez. Se sentiu como se fosse a única luz. Minhas mãos consolam o meu corpo por não tocar a alma. Tocar é reviver o que não vivi apenas em tocar. O silêncio é a morte me tocando. Perdoar é morrer. Não consigo ficar sem morrer, é mais forte que eu. O quanto preciso morrer para viver? A morte sempre tem razão. Viver não me faz morrer, nada quero da vida. A vida consola a minha morte, vejo apenas solidão. A solidão une a morte e a vida. Fui separada da minha interioridade pelo meu amor. A despedida é prosseguir, conseguir, mesmo sem vida. Permanecer é tudo que posso fazer por mim, pela vida. A alma não espera o tempo para viver. Ser é um passo para a eternidade. Tudo faltou na eternidade, faltou até o vazio. O vazio da eternidade é sem ser, sem alma. Canto mudo que a eternidade escuta. A alma emudece perante mim, pela minha eternidade, nunca mais falará. Falar, mudez da alma, surdez da vida. Meu amor, já que não posso te fazer companhia, minha morte fará companhia ao meu próprio amor. A morte não é menos triste que o amor, quando transcende a alma.